No meio dos tumultos que assolam uma parcela importante dos Estados Unidos da América (EUA), Donald Trump recorreu à sua rede social de eleição para anunciar que o movimento ANTIFA – acrónimo de antifascista – seria catalogado como organização terrorista. O usual registo torpe e visceral do presidente norte-americano provocou comentários arrebatados a favor e contra, muitos dos quais padecem da mesma falta de ponderação.
É verdade que existem paralelismos entre o ANTIFA e as organizações terroristas do passado e do presente. A crença em messianismos históricos, a inversão do ónus da responsabilidade – dizem actuar porque as circunstâncias a isso os obrigam, não por vontade própria – e a atribuição à violência de um papel transformador da sociedade são semelhanças inegáveis. Ademais, exacerbam e instrumentalizam sentimentos de revolta invocando ânsias de justiça quase sempre definidas de forma sectária. Procuram cavar abismos comunitários para dividir as sociedades e acender rastilhos ideológicos junto das populações.
Mas há elementos essenciais em falta para cumprir os critérios inerentes a uma organização terrorista.
O primeiro reside precisamente no conceito de organização. Do ponto de vista histórico, o terrorismo moderno é estudado como um fenómeno que se materializou até ao momento em quatro vagas internacionais: anarquista; etnonacionalista; ideológica de extrema-esquerda (New Left ou gauchisme); e de inspiração religiosa. Ora, do anarquismo russo do século XIX ao autodenominado Estado Islâmico, passando por grupos como a ETA ou a RAF-Baader Meinhof, todas as organizações terroristas tiveram estruturas de comando e controlo. Umas mais hierarquizadas do que outras, com formatos piramidais ou horizontais, dotadas de maior ou menor descentralização, mas sempre com lideranças identificáveis e procedimentos para a sistematização e consolidação do poder interno.
Tanto quanto é possível determinar, o movimento ANTIFA carece de tais estruturas e organização. Na sua forma moderna, cujas origens remontam à década de 1980, resumir-se-á a uma amálgama desconexa de pequenos grupos independentes, com ideais díspares, unidos por uma romantização anacrónica do combate ao fascismo. As siglas ANTIFA serão uma ‘marca branca’, de utilização relativamente livre, um símbolo que visa conferir alguma coerência teórica aos actos de vandalismo.
Nos últimos anos desenvolveu-se um argumento semelhante em relação à al-Qaeda, tese assente nos chamados ‘lobos solitários’, indivíduos que actuarão por conta própria e para os quais a organização em tempos liderada por Osama bin Laden não passará de mera inspiração.
No entanto, muitos dos atentados atribuídos a estes ‘lobos solitários’ revelaram-se esquemas com algum grau de dependência funcional do centro nevrálgico da al-Qaeda, ou de núcleos de poder periféricos à liderança – o atentado de 11 de Março de 2004 em Madrid é paradigmático da acção de supostos ‘lobos solitários’ que, afinal, não o eram. De resto, a relevância empírica destes ‘lobos solitários’ é de tal forma diminuta que boa parte da literatura especializada em terrorismo reviu ou abandonou o conceito. Mas mesmo que uma pequena parte dos atentados perpetrados sob a bandeira da al-Qaeda parta de indivíduos sem ligações ao centro de comando, tal não invalida que a organização tenha uma cúpula identificável, métodos de controlo interno, veículos de propaganda sólidos e coerentes, esquemas de financiamento e demais características inerentes ao conceito de organização. O mesmo não se pode ser dito do autodenominado movimento antifascista.
Depois, a violência. Numa organização terrorista, a violência assume um carácter estratégico, indissociável da identidade do grupo. O seu uso – real ou sob a forma de ameaça – é rotineiro, preponderante e aceite pela generalidade da militância. É inegável que alguns dos crimes cometidos por elementos do ANTIFA suscitam pânico e terror, mas a violência de tipo terrorista não parece ser matricial. Há uma aposta na “acção directa”, no ataque a tudo o que entendam designar por fascismo, o que redunda num mecanismo de intimidação e acosso ao pluralismo democrático, mas sem o uso reiterado de armas nem a intenção assumida de provocar a morte de adversários. Na maioria das vezes, estes actos de vandalismo primário, por muito condenáveis que sejam, não chegam a configurar violência política em sentido estrito.
No rol de impedimentos à intenção de Trump encontra-se ainda o quadro legislativo dos EUA.
Há apenas duas formas de categorizar um grupo como organização terrorista. O Departamento de Estado pode designar um colectivo como Organização Terrorista Estrangeira (Foreign Terrorist Organization), devendo para isso demonstrar que se trata de uma organização a operar no estrangeiro, com liderança e locais de treino identificados. Em alternativa, o Departamento do Tesouro pode atribuir uma Designação Especial de Terrorista Internacional (Specially Designated Global Terrorists), apresentando para o efeito provas de ligações operacionais e/ou financeiras entre indivíduos e organizações já consideradas terroristas. Dificilmente o movimento ANTIFA encaixará nestes critérios. E, evidentemente, em caso algum a decisão recai na vontade exclusiva do presidente.
Vários grupos associados ao movimento ANTIFA deram provas sobradas de constituir uma ameaça à segurança de pessoas e bens. Demonstraram igualmente uma concepção tão ampla de fascismo que abarca todas as opiniões e mundivisões tidas como inconvenientes para esses mesmos grupos, ainda que inseridas no jogo democrático. Provaram fomentar deliberadamente a destruição de propriedade, tanto pública como privada, atentando contra direitos fundamentais e liberdades colectivas. Violando, no limite, princípios constitucionais.
Devem, por tudo isto, ser tratados como um fenómeno criminoso grave, mas avaliado e sancionado em função dos actos cometidos e não em consequência das convicções políticas de quem os condena. Considerar o ANTIFA uma organização terrorista banaliza o conceito e outorga ao movimento uma relevância política que não tem nem deve ter.