A um mês das eleições americanas, ainda não há garantias de que o ex-presidente dos EUA, Donald Trump, não vença esta disputa eleitoral. Após as políticas de “America First” do seu primeiro mandato — caracterizadas por isolacionismo e ceticismo em relação à UE e à NATO — é tempo de nos questionarmos sobre o que esperar de uma possível segunda administração Trump. Deve a União Europeia temer o regresso de Trump?
Diferentemente do contexto que vivíamos até 2020, ano que marcou a saída de Trump da presidência, a União Europeia atualmente convive com uma guerra no seu próprio continente. O candidato republicano tem a seu lado figuras conhecidas pelo seu ceticismo em relação ao envolvimento dos EUA no exterior, como J.D. Vance e Mike Pompeo, pelo que, ao continuar as políticas do primeiro mandato, prevê-se que Trump regresse a uma abordagem unilateral na política externa. Assim, caso os republicanos vençam esta corrida eleitoral, antevê-se uma redução no investimento americano na NATO e na auxilio à Ucrânia, que denominam de “problema europeu”.
Embora exista quem considere este um cenário catastrófico para a União Europeia e para a sua segurança, considero relevante ao invés de olharmos para o copo meio vazio, optarmos pela visão do meio cheio. A Europa já não é o continente frágil e devastado do pós-guerra. O velho continente, reúne hoje potencial para se defender sozinho, pelo que acaba por ser algo bizarro que a sua segurança dependa da eleição, ou não, de qualquer país terceiro. Temos agora o momento ideal para que a UE comece a sentar-se à mesa como um verdadeiro aliado e não como um parceiro dependente e subserviente dos EUA.
De acordo com dados do SIPRI, em 2023, a União Europeia gastou aproximadamente 260 mil milhões de dólares em defesa — cerca de “1,42% do seu PIB”. Comparando com os “877 mil milhões de dólares” gastos pelos Estados Unidos, que correspondem a aproximadamente “3,21% do PIB” americano, e com os “86,4 mil milhões de dólares” gastos pela Rússia, que representam cerca de “4,28% do PIB russo”, percebemos que, se todos os países europeus cumprissem com a exigência de 2% do PIB para a defesa, a UE teria aproximadamente 366 mil milhões de dólares para investir na área de segurança e defesa (mais de quatro vezes o gasto russo).
Assim, parece claro que a União Europeia tem os recursos necessários para se tornar uma potência militar. Então, o que falta, para além de mais investimento? O processo não sendo simples, podemos resumi-lo de forma bastante sucinta, construir uma indústria de armamento mais pujante e um coeso plano de defesa.
A Europa possui uma base industrial sólida, com empresas líderes em áreas como a aeronáutica, defesa naval e sistemas de armas. França, Alemanha e Itália dominam estas áreas, mas outros países como Espanha e Suécia também têm contribuições significativas. No entanto, a falta de uma estratégia de produção de armamento comum e o duplo esforço de produção impedem a criação de uma economia de escala e a otimização de recursos.
O possível regresso de Trump à presidência dos Estados Unidos coloca a Europa numa encruzilhada que pode redefinir o futuro da sua segurança. Contudo, enquanto muitos veem o retorno de uma administração unilateralista como uma ameaça direta à estabilidade europeia, acredito que devemos encarar o copo como meio cheio, como referi no início e encarar este cenário como uma oportunidade para a União Europeia se afirmar como uma potência global e independente. O momento é propício para a Europa refletir sobre o investimento na defesa e na criação de uma estratégia militar coesa que não dependa exclusivamente do apoio norte-americano, mas que, simultaneamente, cumpra com as suas próprias necessidades de segurança.
A capacidade existe, mas será necessário um esforço coletivo para transformar o potencial em realidade, garantindo assim que a União Europeia não apenas sobreviva, mas prospere num cenário global cada vez mais incerto.