O mundo está perigoso e cada vez mais complicado. No meu tempo, antes do feminismo, o grande segredo de Washington era o número de damas com quem Kennedy diariamente dormia e a partilha amigável de uma delas com o chefe da Mafia de Chicago, que segundo a imprensa bem-pensante lhe comprara uns milhares de votos no Illinois. Mas, no fundo, ninguém se preocupava muito com esta história que o público até achava divertida. Norman Mailer escreveu um romance em que a intriga assentava parcialmente nela e Coppola acabou por tornar a Mafia Italiana numa parte legítima do folclore americano. Anos depois, veio Nixon com o seu bando de ladrões, que assaltaram o escritório de um psiquiatra e a sede do Partido Democrático no complexo Watergate. Nixon, que indirectamente lhes dera ordens, mentiu com quantos dentes tinha na boca e foi corrido da Presidência por indecente e má figura e também foi arrumado depressa na prateleira das curiosidades: aquilo não passava de um caso insignificante e sórdido.
Agora com Trump a questão é, além de inquietante, claramente sinistra. O indivíduo é acusado de ligações à Máfia Russa, não à doméstica Máfia Italiana, porque a Máfia Russa domina o mercado imobiliário de Nova York em que ele fez fortuna; e, pior ainda, de conluio com Putin (um homem forte que ele admira) para perturbar, ou falsificar, a eleição presidencial. Anteontem Trump pôs na rua o director do FBI, James Comey, que estava a investigar o assunto. As explicações para este inesperado despedimento (mesmo para Comey, que soube dele pela televisão) não sossegaram nem o bom povo, nem o Senado, nem os jornalistas. Trump embrulhou-se desde o princípio e, no meio da confusão, deu uma entrevista em que declarou que Comey (a vítima da sua fúria) o ilibara três vezes de qualquer espécie de manigâncias com a Rússia. Isto cheirou mal a toda a gente e convenceu os gurus políticos (que na América são uma força) que Trump se metera de facto em combinações com Putin e tremia com a ideia de que elas fossem descobertas. Há quem fale num novo Watergate. Absurdamente, porque o Watergate era uma simples ladroeira, e as supostas actividades de Trump envolvem, ou podem envolver, a segurança do Estado americano e por consequência do mundo. Começou um caminho arriscado em que o zelo da televisão e da imprensa se junta ao de uma parte do Senado e da Câmara para destapar o que Trump pretende alegadamente esconder. A violência dos debates não promete nada de bom.