Os fenómenos de violência social (bélica, política, criminal, psicológica) não são fatalidades do destino. A inteligência humana acumulou um capital sólido de conhecimentos lógicos, racionais, objetivos que incluem a respetiva terapia.

O intolerável sofrimento humano gerado em Cuba, Angola, Venezuela, China, Rússia/Ucrânia, entre inúmeros casos, não tem mistério algum. São gerados por povos marcados por experiências comunistas e nenhum déspota sanguinário, e respetivos sucessores, desligaram o comunismo do socialismo. É todo o campo político da esquerda que está em causa.

Na génese está a catarse da violência totalitária do século XX. Foram processos absolutamente justos, lógicos, racionais, eficazes no caso da violência genocida nazi que, todavia, a esquerda transformou em escudos protetores da violência genocida do seu campo político, a violência comunista. Sendo o nazismo e o comunismo hediondos, enquanto o primeiro ficou circunscrito no tempo (1933-1945) e no espaço (Europa Central), o último expandiu a sua violência (genocida, ditatorial, bélica, criminal, psicológica, pobreza) no tempo (até hoje) e no espaço (pelo mundo).

O pressuposto da compreensão é o de admitirmos não haver descontinuidade entre o indivíduo e o coletivo. Se existem sujeitos individuais mentalmente patológicos (razão para a vida lhes correr mal, ou muito mal), também existem sujeitos coletivos mentalmente patológicos (grupos, comunidades, povos, civilizações, entre outras identidades coletivas).

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Sigmund Freud, Carl Jung, Serge Moscovici, entre outros, forneceram um acumulado de sabedoria que é criminoso ignorar. Se a guerra é sempre dramática, não será menos dramático o mundo sair da atual guerra da Ucrânia sem destruir a ignorância que tem conduzido a guerras dessa natureza. A ignorância destrói e mata como nenhuma doença alguma vez foi capaz.

Basta admitirmos que o sujeito individual e o sujeito coletivo possuem o «id», o instinto primário da espécie que incluiu a predisposição inata para a violência. Em contraposição conflitual, também possuem o «superego», a autoconsciência moral, o polícia moral da mente que impulsiona o ser humano para a prática do Bem. A mediar o id e o superego existe o «ego», o ponto de equilíbrio que indivíduos e coletivos exteriorizam, «aquilo que são».

Admito que o enquadramento acima possa ser discutível, mas ninguém inventou melhor.

Ao ego exige-se a capacidade de recalcar os instintos primários, a fonte da violência, que correspondem a uma panela de pressão da nossa condição humana que, por isso, necessita de válvulas de escape, as formas de sublimação dos instintos. Freud identificou o superego coletivo no poder da ideia de «civilização» que, entretanto, a esquerda nunca parou de tentar aniquilar. A civilização serve para gerar pressões sociais eficazes para que os indivíduos invistam os seus instintos primários na beleza, na limpeza, na ordem e em atividades intelectuais superiores (artes, ciências, música, escrita, entre outras). Taxativamente freudiano.

Poder-se-iam acrescentar atividades como a ambição económica dos indivíduos, o desporto (incluindo o boxe ou o automobilismo) ou tradições de violência ritualizada e regulada como a tauromaquia. Uma sociedade que desvaloriza ou anula esse tipo de processos civilizacionais de sublimação dos instintos não regula a violência. Pelo contrário. Adia a sua explosão em fórmulas bem mais desreguladas, ameaçadoras, anómicas, destruidoras. A patologia mental da esquerda é evidente também nesta perspetiva.

O ego também tem de regular o extremo oposto, o superego. O  mundo exterior é sempre uma ameaça para o sujeito psíquico, pelo que os excessos de bondade podem aniquilá-lo. Sobre o superego coletivo, Freud refere que o princípio cristão «Amarás o próximo como a ti mesmo» torna-se ameaçador quando os outros não partilham o mesmo princípio moral que nós. Nesse caso, a adaptação à realidade quer dizer «Ama o próximo como o próximo te ama a ti». Mais uma vez, a esquerda está mentalmente do lado errado do combate à violência social.

Freud sublinha ainda que todas as identidades coletivas (referia-se à identidade dos povos) tiveram necessariamente um antepassado fundacional ancestral violento. Se não foi violento não foi fundador. Processos de refundação do poder tutelar com carga violenta podem repetir-se na história dos povos, mas a resposta que garante o regresso à pacificação e viabilidade do coletivo desemboca sempre no mesmo: revitalizarem a sua ordem moral coletiva. Quer dizer que na caminhada milenar da espécie humana a força do instinto primário (id) antecedeu a imposição moral reativa (superego), mas é justamente a última que nos torna humanos. É isso que se chama progresso humano e o contrário regressão.

Freud explica que o sujeito coletivo (o povo) só se transforma em sujeito moral coletivo (povo humanamente viável) após a violência exercida sobre ele pelo pai fundador (real, simbólico ou ambos), e após a violência reativa do sujeito coletivo contra o seu pai fundador pelo assassinato (factual ou simbólico). Mas falta um detalhe: o «sujeito coletivo» apenas se torna num «sujeito moral coletivo» quando reconhece que, ainda que a sua violência parricida tivesse sido legítima, a sua condição humana não lhe permite escapar a «remorsos», «arrependimento», «culpa» pelo assassinato do pai. Indivíduos e coletivos só se transformam em sujeitos morais quando manifestam aqueles três sentimentos que, em conjunto, significam o complexo de culpa.

Não é mero acaso que as tradições humanas ancestrais desenvolveram cultos mágicos-religiosos dos antepassados sepultados no âmago simbólico da etnia ou tribo, que perduraram em África pelo menos até ao século XX, com os quais as tradições posteriores greco-romana e judaico-cristã não romperam, antes reinventaram através de novas conceções de Deus. Isso quer dizer que, desde a origem, o sentimento de culpa sempre remeteu as responsabilidades pelo destino para o interior do sujeito coletivo, para o interior da comunidade, para o interior do indivíduo (autorresponsabilidade). Sem isso não se desenvolve a consciência individual e social do Bem e do Mal, a garantia da pacificação e coesão social.

A única rutura histórica contra essa característica inerente à sanidade mental da espécie humana foi esboçada pela Revolução Francesa (1789), mais tarde consolidada pela Revolução Bolchevique na Rússia (1917). Esta última gerou a mais radical desumanização da nossa espécie ao remeter a responsabilidade pelo destino de dentro para fora do sujeito individual e coletivo.

O comunismo nunca parou de perverter a orientação moral do pobre, colonizado, negro, cigano, africano, mulher, certas minorias, entre outros, o que fez com que os sentimentos de autoconsciência, remorso, arrependimento e culpa fossem radicalmente secundarizados ou desativados. Equivale a lobotomizar moral e intelectualmente a espécie para libertar a sua propensão para a violência, ou seja, impor a vitória do «id» sobre o «superego», o que em rigor se designa por regressão mental da espécie ao estádio primitivo. Esse é inevitavelmente o caminho do sofrimento e da pobreza.  A isso se resume o comunismo.

O nazismo teve um percurso histórico inicial equiparável ao do comunismo (tomaram-se como vítimas dos tratados de paz de 1919). Todavia, em 1945, no final da segunda guerra mundial, a catarse da violência não apenas do processo político, mas da identidade dos próprios povos, remeteu o nazismo (o Mal que funda o Bem) para os antípodas do comunismo (o Mal que gera o Mal).

Basta comparar o percurso da identidade coletiva alemã (nazi) com o da identidade coletiva russa (comunista). Na substância, a violência genocida de uma e outra em nada de substantivo se distinguiam em 1945 (morte de Hitler) ou em 1953 (morte de Estaline).

A diferença profunda é que o mundo impôs a catarse efetiva da violência nazi, possível porque os próprios alemães desejaram que assim fosse desde 1945. A identidade coletiva alemã não descarregou o mal genocida em Hitler, antes partilhou voluntária e genuinamente responsabilidades, o momento doloroso em que os povos revelam a sua grandeza moral. Remorsos, arrependimento e culpa coletiva por causa do nazismo são até hoje inequívocos entre os alemães, isto é, deixou de existir qualquer continuidade geracional, social ou histórica entre o mal genocida nazi e o presente. Quem diz o inverso mente.

Os alemães conseguiram refundar, e com toda a dignidade, a sua condição de sujeito moral coletivo. A Alemanha será o último país do mundo onde poderá ressurgir um tipo de violência política ou racial equiparável ao nazismo. Ao contrário do que a ignorância propala, apenas o campo político da direita resolveu a questão da violência do seu pai genocida, Hitler.

Processos históricos semelhantes haviam ocorrido em Portugal e em Espanha em relação à inquisição, hoje os últimos países do mundo onde pode voltar a existir violência religiosa cristã, ou nos Estados Unidos da América desde a guerra da secessão/guerra civil (1861-1865) em relação à escravatura, hoje o último país do mundo onde poderá ressurgir algo de equiparável à escravatura.

Freud explica tudo isso de forma cristalina.

Pelo contrário, os russos nunca fizeram a catarse coletiva da violência comunista. Não existem continuidades entre a natureza da violência czarista e a natureza da violência comunista. A rutura com a herança do czarismo foi simbólica, efetiva, brutal, não deixou pedra sobre pedra de 1917 em diante na Rússia. Nada de equiparável aconteceu após a morte do pai genocida da esquerda, Estaline (1953), nem após a dissolução da União Soviética e do fim da Guerra Fria (1991).

A identidade coletiva russa, por extensão o comunismo e suas variantes, em rigor, não podem hoje ser considerados sujeitos morais coletivos. Não possuem consciência da sua própria violência genocida, portanto nem em si se autorreconhecem como seres humanos na sua plenitude. É por isso que nunca evidenciaram remorsos, arrependimento, culpa.

Nesse processo, a ignorância das elites falantes do Ocidente é por demais evidente. Nunca evidenciaram desejos de travar a violência endémica do comunismo, mesmo perante factos sucessivamente repetidos da sua natureza hedionda desde 1945, e dispersos por todos os continentes, agora na Ucrânia.

Foi a tolerância ocidental à violência comunista durante a Guerra Fria (1945-1991) que permitiu que a mesma se propagasse pelo mundo, ao contrário do efetivo desaparecimento histórico do nazismo. Voltou a ser a tolerância ocidental que permitiu que a violência comunista se reinventasse na pós Guerra Fria, por exemplo, na Venezuela, Moçambique, China, Rússia/Ucrânia, e no mais que houver. Ou seja, a patologia mental de génese comunista está profundamente infiltrada nas sociedades ocidentais a partir das instituições que regulam o pensamento social (universidades e comunicação social).

O problema não é Vladimir Putin. É a fuga mental coletiva, do tamanho do mundo, ao dever de defesa da dignidade humana.

O mais digno, justo e eficaz combate em defesa dos ucranianos será impormos aquilo que nunca impusemos: a catarse da violência comunista tão intensa nas fórmulas e no tempo quanto a catarse imposta ao nazismo.

A guerra da Ucrânia ganha-se em Portugal, Espanha, Reino Unido, França, Alemanha, Itália, Estados Unidos da América, por aí adiante, e chama-se catarse da violência de esquerda. Será a sanção de guerra mais eficaz contra a Rússia de Putin, e que sedimentará como nunca os caminhos da paz e de progresso moral, intelectual e económico da nossa espécie.