As conversações sobre a normalização da situação em torno da Ucrânia passaram das mãos do Quarteto da Normandia, formado pela França, Alemanha, Rússia e Ucrânia, para as mãos dos Estados Unidos e Rússia, o que parece ser mais um sinal de fraqueza da diplomacia de Bruxelas.

A estratégia de Moscovo é clara e baseia-se na “manutenção de uma certa tensão”. Numa reunião com diplomatas russos, Vladimir Putin declarou: “Os nossos avisos dos últimos tempos fazem-se sentir e dão um determinado efeito: lá [no Ocidente] surgiu uma certa tensão. É preciso que esse estado de espírito se mantenha neles o mais tempo possível, para que não lhes venha à cabeça a ideia de organizar um conflito desnecessário nas nossas fronteiras ocidentais, não precisamos de conflitos”.

Ameaças e contra-ameaças

Pelo menos a nível retórico, o ambiente criado em torno da Ucrânia estava a tornar-se cada vez mais perigoso. Por um lado, os Estados Unidos fizeram um grande alarido sobre a possibilidade da invasão do território ucraniano por tropas russas, justificando esse receio com a concentração de cerca de 100 mil militares russos junto da fronteira entre a Rússia e a Ucrânia ou com a realização de manobras militares conjuntas de tropas russas e bielorrussas na fronteira com a Polónia, onde se regista uma grave crise migratória.

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Moscovo respondeu que tem direito a movimentar as suas tropas no seu país e acusa a NATO de organizar provocações no Mar Negro e admitir a possibilidade da instalação de armas nucleares a leste da Alemanha.

Esta situação é particularmente perigosa porque o trabalho do Quarteto da Normandia está paralisado devido às acusações de Moscovo, por um lado, e de Kiev, por outro, de não estavam a ser realizados os Acordos de Minsk, documento que aponta um mecanismo de normalização das relações entre as autoridades ucranianas e as suas regiões separatistas, que são apoiadas pelo Kremlin.

Segundo este documento, a ordem de sua realização é: emendas à Constituição da Ucrânia que reforcem, numa base permanente o estatuto da região de Donbass, a realização de eleições locais e, depois, a entrega do controlo da fronteira russo-ucraniana, actualmente na mão dos separatistas, a Kiev. Porém, as autoridades ucranianas defendem que a primeira medida a ser implementada deve ser a entrega do controlo da fronteira a Kiev.

À primeira vista, isto pode parecer um pormenor pouco importante, mas o problema é que Moscovo já entregou aos habitantes de Donbass mais de meio milhão de passaportes russos e considera que os produtos fabricados nas empresas da região litigiosa podem ser vendidos na Rússia nas condições em que são vendidos os produtos nacionais. Dois passos importantes para uma futura anexação.

A situação congelou numa fase perigosa. Por isso, Volodimir Zelenski apelou à participação dos Estados Unidos na solução do conflito. Inicialmente, o Kremlin olhou com desconfiança para essa proposta, mas acabou por não se opor, pois segundo os dirigentes russos, as decisões no campo da política externa ucraniana não são tomadas em Kiev, mas em Washington.

O que está realmente em jogo?

Na realidade, o que está em jogo é isso e muito mais, ou seja, o acesso da Ucrânia, Geórgia e Moldávia à NATO e a não aproximação da Aliança Atlântica das fronteiras da Rússia.

Serguei Lavrov, ministro russo dos Negócios Estrangeiros, relembra que no início das desavenças está a decisão da Aliança Atlântica de aceitar como possível a adesão da Geórgia e da Ucrânia, tomada em 2008.

O Kremlin afirma categoricamente que não permitirá a transposição de duas “linhas vermelhas”: a entrada da Ucrânia na Aliança Atlântica e as tentativas de instalação de armas nucleares nos países a leste da Alemanha. Para os dirigentes russos, a transformação da Ucrânia num “porta-aviões inafundável” norte-americano junto das suas fronteiras significa o mesmo que se Cuba tivesse transformado numa base militar soviética nos anos de 1960.

A NATO responde que a Ucrânia não pode ver limitada a sua soberania e o seu direito de adesão a qualquer organização internacional, bem como que a Aliança Atlântica pode instalar os armamentos necessários nos territórios dos países membros.

Nesta situação, Lavrov recorda o respeito pelos princípios da Acta de Helsínquia, assinada em 1975 e que definiu as condições de segurança na Europa. Porém, esqueceu-se de acrescentar que o seu país já violou um dos princípios fulcrais desse documento ao invadir a Geórgia e a Ucrânia.

Seja como for, é necessário começar conversações sérias e aturadas para não só desanuviar a situação no coração da Europa, mas principalmente para evitar um confronto militar de consideráveis dimensões, e o primeiro passo nesse sentido poderá ser a cimeira por videoconferência de Vladimir Putin e Joe Biden, que deverá realizar-se nos próximos dias ou semanas.

Trata-se de um diálogo muito difícil, pois em causa estão as novas bases da segurança europeia. Por isso, é também necessário que a diplomacia da União Europeia aprenda a resolver os seus problemas sem ter de recorrer aos serviços dos Estados Unidos, como tem sido habitual.

Quanto a soluções, muito irá depender de como a situação irá evoluir. A Ucrânia continua a atravessar por uma profunda crise económica, social e política e a sua deterioração poderá pôr em causa até mesmo a desintegração do país em várias partes. Neste caso, a Rússia poder-se-á dar por vencedora.

Num âmbito mais global, a solução poderá estar em fazer com a Ucrânia, Moldávia e Geórgia fiquem com um estatuto como o que tem a Finlândia: não adere à NATO, mas é membro da União Europeia. Não sei se esta cedência será suficiente para acalmar o Kremlin ou se não será interpretada como mais um sinal de fraqueza da União Europeia e dos Estados Unidos.