A China tem a maior população do mundo, a segunda maior economia e um potencial de crescimento significativo, sendo um parceiro indispensável numa retoma económica da UE no contexto da actual crise pandémica. No entanto, o aprofundar das relações com a China comporta inúmeros riscos, tais como os ataques cibernéticos, as campanhas de desinformação online, os subsídios estatais que distorcem a concorrência internacional, ou mesmo as transferências forçadas de tecnologia.

A China é a principal representação dos desafios multifacetados que as potências autoritárias colocam às democracias ocidentais. Não só pelo seu crescente poder económico e militar, mas também por apresentar um modelo alternativo de desenvolvimento que aparentemente funciona sem democracia. Em última instância, o modelo chinês questiona o papel da democracia como o melhor modelo para a obtenção de prosperidade. Nesse sentido, o Ocidente não pode ser indiferente à crescente influência da China nas principais organizações internacionais, o que acaba por distorcer a natureza de algumas dessas mesmas instituições, ajudando a legitimar internacionalmente um modelo político autoritário. A eleição da China para o Conselho de Direitos Humanos da ONU é talvez o caso mais paradigmático disso mesmo.

A China comporta assim um grande desafio para a Europa. De certa forma, é necessário salvaguardar a retoma económica, sendo ela própria imprescindível para prevenir o surgimento de movimentos anti-democráticos. É também importante garantir que as organizações internacionais continuem a ser locais privilegiados de diálogo e cooperação, onde a crescente influência da China é um reflexo natural da sua ascensão económica. Todavia, há riscos em negociar com um país autoritário como a China, claramente menos empenhada no respeito das “regras do jogo”. É também evidente que as constantes violações de direitos humanos não deveriam ser toleradas por democracias liberais.

Neste enquadramento, o recente “acordo de principio” sobre investimentos alcançado entre a UE e a China acaba por reflectir um trade-off entre economia e valores. Por um lado, é compreensível, e até desejável, que exista um entendimento que procure assegurar uma relação mais equilibrada entre as duas economias. Por outro lado, o timing parece sinalizar uma UE distanciada dos seus valores à medida que se intensifica a repressão em Hong-Kong, que conhecemos melhor as atrocidades em curso em Xinjiang, ou que a ameaça de um conflito militar com Taiwan aumenta. São também muitas as dúvidas quanto à capacidade efectiva deste acordo em assegurar a tão desejada reciprocidade. Além do mais, o acordo de princípio foi assinado em divergência com os EUA, o principal aliado da Europa. Se a presidência de Joe Biden abre a porta a uma normalização das relações diplomáticas, o desígnio de uma “Comissão geopolítica” não deverá representar, em nome de uma suposta autonomia estratégica, um menor compromisso com a Aliança Transatlântica.

O controverso acordo de investimento UE-China terá de ser ratificado pelo Parlamento Europeu, esperando-se um longo processo de escrutínio e debate. O desfecho é ainda bastante incerto. Um reforço substancial das clausulas que permitam à UE disputar firmemente as violações dos direitos humanos na China, ou mesmo um eventual chumbo, seriam passos importantes numa afirmação inequívoca de uma UE empenhada na protecção da democracia.

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