Pelo terceiro ano consecutivo, o orçamento da República foi feito a meias entre o Governo e o Tribunal Constitucional. Tendo em conta que a Constituição atribui ao Governo a competência para preparar o orçamento (cabendo depois ao Parlamento votá-lo), poderíamos perguntar se o Tribunal Constitucional, ao intrometer-se em competências alheias, estaria a violar a Constituição que diz defender? O TC iniciou um caminho muito perigoso de interferência em escolhas políticas que competem ao governo e, pior de tudo, deixou envolver-se na luta política entre a oposição e o governo. O TC está a formular os critérios com que a partir de agora será julgado no futuro, especialmente com governos de outras cores políticas. Pode ter iniciado uma viagem sem regresso.

Um dos aspectos mais extraordinários do último Acórdão é o facto do TC ignorar o Pacto Fiscal europeu que Portugal assinou e ratificou. As obrigações decorrentes do compromisso com a União Europeia vinculam o Estado português e qualquer governo está, e estará, obrigado a cumpri-las. Irá o TC a partir de agora, independentemente de quem estiver no governo, impor alterações a todos os orçamentos que reduzam a despesa pública de modo a cumprir o Pacto Fiscal europeu? E o Pacto Fiscal decorre da participação de Portugal no Euro. Neste contexto, surge a questão inevitável: haverá uma maioria de juízes contra a participação de Portugal no Euro?

Além de ter colocado em causa a sua independência política, como os sucessivos chumbos orçamentais, o TC introduziu no debate político a seguinte questão: será a participação de Portugal no Euro compatível com a Constituição portuguesa? Há três respostas possíveis. Não são compatíveis e, a prazo, será necessário abandonar o Euro ou alterar a Constituição. Se assim for, esta questão terá que ser discutida pelos portugueses. Uma segunda resposta aceita a compatibilidade entre a Constituição e Euro, mas considera que o TC tem agido com motivações políticas e ideológicas. A última resposta também não questiona a compatibilidade mas considera que a solução se encontra no aumento das receitas. O Acordão indica que esta última resposta é a posição do TC. O que não deixa de colocar um desafio dramático aos governos portugueses: para respeitar o Pacto Fiscal e garantir a presença no Euro, será necessário continuar a aumentar a carga fiscal. A prazo, esta política não será exquível e voltaremos a uma das duas primeiras respostas.

O tempo demonstrará uma de duas coisas: ou o actual TC foi o mais político da história da democracia portuguesa; ou demonstrou a incompatibilidade entre a Constituição e o Euro. Qualquer uma delas acabará por levar a uma revisão constitucional. Ou para diminuir os poderes do TC, ou para rever a Constituição. O TC poderá ter caido no pior dos equivocos. O grau de insatisfação com as políticas de austeridade terá levado muitos dos seus membros a acreditar que as suas decisões se esgotam no presente e não deixam consequências para o futuro. Estão enganados.

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