A crise política que vivemos, em que são por demais evidentes a instabilidade governativa e a instabilidade parlamentar, gera uma enorme desconfiança na sociedade política, vista como uma sociedade de “arranjinhos”, de “cunhas” e de esbanjamento dos dinheiros públicos que vêm da cobrança fiscal, cada vez mais feroz.
Tanto na «Operação Influencer», como na «Operação Anticorrupção», esta na Ilha da Madeira, assistimos a uma crescente tendência do direito penal para se ligar à satisfação das necessidades políticas momentâneas, mostrando-se cada vez mais condicionado pelos interesses do Poder e pelo seu desejo de conseguir o apoio popular através de uma política criminal populista e de demagogia punitiva.
O cenário inicial é sempre estrondoso como um canhão, depois quebra-se como uma chávena no decorrer do processo e, passados anos, constata-se amiúde, a punição ficou apenas no desprestigio social dos arguidos.
Esta nova forma de fazer justiça – com o prolongamento dos tempos para o primeiro interrogatório judicial, a detenção dos arguidos por dias e dias, como sanção imediata até à decisão das medidas de coação que irão vigorar no inquérito criminal, onde o segredo de justiça é posto na gaveta e encorajada a divulgação por episódios dos indícios imputados – constitui o reflexo de uma resposta do poder judicial devastadora para o equilíbrio do sistema institucional.
E deste cenário resulta, logo, uma desarticulação entre os poderes integrantes do Estado de direito. Ora bem, esses poderes devem ser separados, mas têm de ser articulados. Nesse sentido, os diretores gerais da PJ e da PSP são escolhidos pelo Governo, ao passo que o mais alto responsável hierárquico da ação penal resulta de uma escolha entre dois órgãos de soberania. Trata-se do Procurador-Geral da Républica, cuja nomeação é da responsabilidade do Presidente da República, sob proposta do Governo. Caso semelhante acontece com os órgãos reguladores do Conselho Superior da Magistratura, cuja maioria dos membros que o compõem resulta de escolha da sociedade política.
Paulatinamente, o direito penal está a transformar-se num instrumento de governação, em que os juízes acabam por ser obrigados a exercer funções substitutivas do poder político. Falamos de um direito penal de “tolerância zero”, mais musculado, com origens no direito norte-americano, desenvolvido após o ataque terrorista às Torres Gémeas de Nova Iorque, em 11 de Setembro de 2001. O qual permite a violação de correspondência e as escutas ilegais, as detenções por tempo considerado necessário para a recolha de provas, bem como o recurso a práticas de tortura como forma de investigação para obtenção dessas mesmas provas.
Este modelo de intervenção tem vindo – aos poucos – a chegar à Europa e vem sendo alargado a outras áreas, não só relacionadas com o terrorismo, mas também com o crime organizado, o tráfico de droga e a pedofilia. E não tarda muito a generalizar-se a toda a criminalidade.
O endurecimento penal inicia-se logo com a detenção e as dificuldades que o advogado tem em aceder ao contacto com o suspeito detido, e os dias que assim fica à espera que o Ministério Público e o Juiz de Instrução afinem as provas indiciárias incriminadoras. Depois vem a prisão preventiva como meio de fragilizar e de servir de moeda de troca para a confissão de crimes e delação de cumplicidades.
Lentamente, mas de forma implacável, nas novas reformas penais, princípios como a proporcionalidade e a intervenção mínima, ou a reinserção social do condenado, passam a ser secundários, prevalecendo uma punição mais severa, sem possibilidades de reintegração ou reabilitação social.
Caminhar-se-á no lado errado se se usar o Código Penal para remediar os males e se se pensar que, dessa forma, é que se porá fim a práticas enraizadas de corrupção.
O direito penal é apenas uma parte da solução. Medidas como a melhoria da transparência não se coadunam com as contínuas relações de negócio com empresas e empresários de risco elevado, sem as empresas públicas e as autarquias adotarem programas de «compliance».
O fortalecimento das instituições democráticas, a promoção da integridade e a educação do público sobre a corrupção também são necessárias para combater eficazmente a corrupção.
E, já agora, deixem de utilizar o Código Penal como instrumento de interesses partidários.