Escrevo este artigo no Brasil, onde passo férias. Já vim muitas vezes ao Brasil, quase sempre em trabalho, conheço muitos brasileiros, mas confesso que ainda entendo mal o país e os seus habitantes. E gostaria de conhecer muito melhor, sobretudo o tipo de país que é o Brasil, mesmo sabendo que é um país muito diversificado. Há muitos ‘Brasis.’
Há um mito entre nós de que o Brasil é um país parecido com Portugal e, pelo menos, que os portugueses entendem melhor os brasileiros do que qualquer outro povo. Não estou nada certo que seja assim. Aliás, estou convencido de que não é assim. Falamos a mesma língua, mas sendo a mesma, é falada de um modo muito diferente. Os brasileiros não falam português do mesmo modo que os portugueses o fazem (e não é só a pronúncia). E muitos não nos entendem facilmente. Por exemplo, já me aconteceu várias vezes ter que falar devagar e com cuidado para me perceberem. Em Portugal, sobretudo com as novelas e com os jogadores de futebol, já todos os portugueses ouviram falar ‘português do Brasil’, mas no Brasil há muita gente que nunca ouviu ‘português de Portugal.’ Há hipóteses elevadas de que, na rua, nos táxis, nos Uber, quando nós portugueses encontramos um brasileiro seja a primeira vez que ouve o nosso português.
Apesar da língua constituir um laço muito forte, neste momento, estou convencido que os Estados Unidos são provavelmente o país mais parecido com o Brasil. As diferenças são mais ou menos evidentes, e algumas são profundas, mas gostaria de me concentrar nas semelhanças entre os dois grandes países do continente americano.
Desde logo, e esta é a principal causa das semelhanças, são ambos países do mundo novo. São países de colonizadores e emigrantes europeus e asiáticos que um dia deixaram as suas casas e os seus países para construir uma vida nova noutro continente. Se duas famílias de emigrantes italianos, uma americana e outra brasileira, partilhassem as suas experiências notariam semelhanças enormes. Não falariam a mesma língua, mas reconheceriam muito bem as histórias de ambas.
Ainda no plano demográfico, quer o Brasil como os Estados Unidos, são compostos essencialmente por quatro grandes grupos: os descendentes dos colonos e emigrantes europeus, os asiáticos, as populações negras – descendentes de escravos vindos de África – e os povos indígenas. A ideia de que o Brasil é um caso de sucesso de mistura racial e os Estados Unidos é um caso de problemas raciais é um exagero. Há diferenças, mas também há semelhanças e estas com consequências nefastas em ambos os casos. Não é só nos Estados Unidos que as desigualdades sociais têm uma forte componente racial. No Brasil também têm. Viajei de carro no litoral de São Paulo e do Rio de Janeiro e vi muito bem as diferenças. A estrada divide os condomínios de luxo das favelas. Os primeiros estão em cima do mar, as segundas estão do lado errado da “faixa de rodagem.” Nos primeiros, entram e partem carros de boas marcas com brancos no interior, nas segundas habitam mulatos e negros. Não faço um juízo de valor, constato apenas a realidade. Por outro lado, voltando à ilusão do Brasil como um caso de sucesso de integração racial em comparação com os Estados Unidos, ainda não houve um ‘Obama brasileiro’, nem está para chegar.
Os americanos e os brasileiros lidam com as desigualdades sociais e com a ideia de privilégio de um modo muito diferente dos europeus e, mais uma vez, com algumas semelhanças. Na Europa, as desigualdades sociais estão marcadas nos séculos, o que aliás cria um sentimento de culpa nas classes mais altas, e com mais passado, que não existe no Brasil ou nos Estados Unidos. Nos dois países americanos, na maioria das famílias com posses, as actuais gerações sabem ou lembram-se que os seus avós ou bisavós eram pobres, e alguns chegaram aos seus novos países sem nada. Isso leva-os a acreditar, com mais ou menos razão, que as suas riquezas resultam do trabalho e do espírito de iniciativa. Nos dois países americanos há um privilégio do trabalho. Não há, como na Europa, privilégios de heranças (pelo menos, por enquanto). Com o tempo, este conceito de privilégio nas Américas, que ainda mantém alguma pureza – “o sonho americano” – irá desaparecer, mas neste momento ainda é forte.
Há outra semelhança muito relevante entre os dois gigantes americanos. Em ambas as economias, a agricultura, os minérios, o petróleo e o gás desempenham um papel central. E isso tem grandes consequências sociais e culturais. Quando vamos a uma cidade de um Estado como Mato Grosso do Sul podíamos estar numa cidade do oeste norte americano, apesar de se falar línguas diferentes. Mais uma vez, se um fazendeiro brasileiro e um rancheiro americano se encontrarem as experiências de ambos fazem todo o sentido um ao outro. E são experiências muito diferentes dos proprietários rurais europeus.
Por fim, mais uma semelhança óbvia. São dois países federais. O federalismo é mais do que um simples desenho constitucional. Resulta de uma história comum e provoca uma cultura política com semelhanças. No Brasil e nos Estados Unidos, o federalismo está associado ao pluralismo politico e à liberdade. Há nos dois países uma tensão permanente entre o poder federal e o poder dos Estados, mas esse choque impede um excessivo centralismo e ajuda a garantir a liberdade. Até a ditadura militar no Brasil foi menos ditatorial e mais ‘livre’ do que outras ditaduras. Mudava de Presidente mais ou menos de quatro em quatro anos. Todas as outras ditaduras nos países da América Latina e do sul da Europa ficaram associadas a nomes de ditadores, Peron, Pinochet, Fidel de Castro, Chavez, Franco, Salazar, Mussolini, mas no Brasil isso não aconteceu. Foi uma ditadura sem um ‘ditador.’
É verdade que se fala português no Brasil, apesar de pensar frequentemente que somos dois países divididos pela mesma língua – como se diz no caso do Estados Unidos e de Inglaterra – mas o Brasil não é “um grande Portugal.” É antes os Estados Unidos da América do Sul. E São Paulo, da cultura à gastronomia e ao sector financeiro, é a Nova Iorque do sul.