Já muitos disseram que o governo que toma posse hoje terá que ser de combate. É um governo minoritário e com adversários à esquerda e à direita. O PS está habituado ao poder e vai querer regressar rapidamente ao governo. O Chega acredita que cresce em todas as eleições, e até agora cresceu, por isso quer ir a votos cedo.

A AD deve governar a partir de amanhã como se houvesse eleições em Janeiro do próximo ano. E sobretudo terá que governar sem ter medo que haja eleições em Janeiro do próximo ano. O medo é uma das piores coisas que há em política, principalmente num contexto de conflitos e de muita luta.

Ao contrário do parece pensar muita gente da AD, o principal problema para o governo não é o Chega, é o PS. Adaptando uma comparação habitual na escrita inglesa, o Chega é o tempo (weather). Uns dias diz uma coisa, outros dias diz outra; é incerto. Mas o PS é o clima (climate). Ao contrário do mundo, Portugal precisa mesmo de uma mudança de clima. Ao contrário do tempo, o clima é estrutural. As décadas socialistas em Portugal provocaram o declínio económico, agravando a emigração dos jovens qualificados, causaram crises nos serviços sociais, degradaram a qualidade da democracia, puseram em causa valores que orientam as vidas de muitos.

Não se começa a mudar este clima com medo. A AD está no governo, mas o PS continua a ser o partido com mais poder no Estado e na comunicação social. O meu maior receio em relação a este governo, como eleitor da AD, é o medo em relação aos poderes instalados, e que isso leve a uma paralisia que poderia ser fatal. Os poderes de Lisboa (ou os poderes da capital, e não o poder do capital) não querem que o clima mude, mas a maioria dos eleitores deseja mudanças. Numas eleições muito participadas, quase 55% dos portugueses votaram pela mudança. O governo nunca pode esquecer isso. Se quer ir buscar eleitores ao Chega e outros ao PS, que não votaram pela mudança, mas podem gostar dela quando a experimentarem, o governo tem que mudar, tem que reformar o país. Senão mudar, perde eleitores para o Chega e para o PS.

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O governo terá medo senão se libertar de condicionalismos mentais e ideológicos. Vejamos a questão das linhas vermelhas em relação ao Chega. O problema das linhas vermelhas vai muito além da redução da liberdade de fazer entendimentos e coligações. Quando a AD impôs linhas vermelhas ao Chega também as impôs ao PSD e ao CDS. Cada vez que as esquerdas fizeram afirmações como “essas políticas são de extrema direita”, ou “são neo-liberais”, ou “populistas”, muitos ministros vão assustar-se. É esse medo que eu receio. As esquerdas não vão hesitar nem por um momento em explorar esses condicionalismos que os membros da AD impuseram a eles próprios. E as esquerdas cheiram o medo à distância.

Quando há pessoas da AD a concordar com a tese das esquerdas dos três blocos, as esquerdas unidas, o Chega isolado e a AD e a IL entre os dois, e vi muitos nos últimos dias a defender essa tese, já estão a ser condicionados. Se o executivo da AD não se libertar das suas próprias linhas vermelhas, que nada têm a ver como Chega mas sim com o poder do PS de condicionar o pensamento das direitas, herdado do 25 de Abril, e com o modo passivo como o PSD e o CDS aceitam essas limitações, será um governo com medo e paralisado.

O novo PM, Luís Montenegro, terá que liderar e que mostrar que não tem medo da mudança. Se não liderar, ninguém lidera. O governo andará sempre perdido e sem rumo. Se liderar, os outros ministros terão coragem para começarem a perder o medo do “Portugal socialista.” E as esquerdas perceberão que o poder mudou mesmo, não foi só o governo.

No dia 10 de Março, a maioria dos portugueses mostrou que deseja mudanças em Portugal. Escolheu a AD para liderar a mudança. Se o governo começar a fazer o que a maioria dos portugueses quer, aumentará o número de votos. Se não o fizer, perderá as próximas eleições. O governo não pode ter medo de fazer o que a maioria dos portugueses querem: mudar de vida. Entre os poderes instalados reacionários, e a maioria dos eleitores, o governo tem que escolher os portugueses.