Woody Allen, tal como muitos outros, sem investigação, sem processo, sem julgamento, sem pena, está a ser condenado. A Hachette acaba de desistir da publicação das suas Memórias (a Gradiva fará tudo, pagará o que tiver de pagar, para o traduzir e editar).
Repare-se: como só se praticou no nazismo e no bolchevismo, Lenine, Trotsky e, mais cruel e com menos massa cinzenta para gerir a crueldade, Estaline. E Mao, mas este, com o mesmo resultado, aproveitando a tradição nobre milenar na China do valor e do reconhecimento do poder transformador da educação: foi a “reeducação” maoísta. Tenho amigos que a sofreram, sobrevivendo. Porque ia havendo abrandamentos nessa luta, tentativas que desde 1956b nunca pararam para controlar o tirano reconhecidamente enlouquecido. Xijiping, por exemplo, também a sofreu.
Trata-se, de facto, de um totalitarismo novo – este a que chamo neo – diferente dos anteriores no grau, de outra natureza, muito pior, como Um “neo-totalitarismo”. Sem Estado ou centro irradiador. Sem exército invasor, sem líderes com cara. De que não podemos fugir, que seja possível enfrentar e vencer, mesmo tendo de morrer para isso. Como foram vencidos os outros.
Está no meio de nós. Vai conquistando as inteligências e as vontades. Cada pessoa submetida é um novo agente. Passivo ou activo, dominado, silenciado ou virulento. Como um vírus. Que vai transformando os cidadãos em zombies.
Tem um “exército da sombra”, mas este ao serviço do mal, e não ao serviço da Resistência aos outros.
Tem tudo dos totalitarismos vencidos. Mas tem mais. Por isso lhe anteponho a palavra “neo”, para referir a realidade nova que reveste, mais extrema. Já Impossível de enfrentar?
Nunca o delírio totalitário, o seu desígnio último, a sua aspiração e programa patológicos, os efeitos exponenciais, puderam ir tão longe. Nos objectivos e no território. Porque ocupa, instala-se e cresce no território íntimo das suas vitimas. O que era coacção, o que era obtido pelas armas e pelo terror, é agora conversão “voluntária”, submissão dócil, ela própria multiplicadora. Sem gulagues ou fornos crematórios, Gestapos ou KGBs, coacção ou terror. É uma estranha conquista das vítimas dele por si próprias. Algo a lembrar a ficção científica, um planeta Terra atingido por um vírus que nos torna mortos vivos, escravos voluntários de uma força difusa, duma evanescência.
Uma abdicação voluntária da inteligência, da análise crítica, da liberdade. Uma submissão consentida e desejada. É, por ora, ainda, um medo de ser e de estar de fora.
Na extensão realiza, está a realizar o totalitarismo até um extremo aonde os totalitarismo já sofridos sempre quiseram chegar, mas até onde nunca tinham conseguido ir, mesmo nas suas concretizações mais pavorosas: a intimidade mais profunda do ser humano.
O neo-totalitarismo é uma realidade global, uma multinacional sem centro, sem comando identificável, uma web enigmática, como é a Web, onde nenhum conteúdo na realidade se sabe onde está.
E não tem limites no tempo. Reescreve o passado. É inquisidor implacável do passado e da História. Escraviza o presente. Determina o futuro, é prospectivo e retrospectivo.
Já está nas escolas, entre nós levado por um ministério submetido.
Uma uma ruptura civilizacional, que as várias mutações aceleradamente verificadas a partir dos anos sessenta do século XX parecem estar a determinar.
Como anunciou Orwell.