O Eurostat, departamento de estatística da União Europeia, apresentou esta semana uma ferramenta muito interessante que nos permite verificar como a esmagadora maioria dos portugueses ganha tão pouco. Chama-se “How does your income compare to others?” e permite fazer várias simulações e depois comparar com o de outros países. Vamos a alguns exemplos.
Um casal sem filhos que leve para casa dois mil euros em Portugal fica a saber que apenas 10% das famílias portuguesas conseguem ultrapassá-los. O mesmo rendimento, aqui ao lado, em Espanha, significa que há 40% de famílias que levam mais dinheiro para casa. Na Alemanha já são 70% as famílias que ganham mais.
Juntemos agora um filho. Com dois mil euros por mês e um filho com menos de 14 anos, apenas 20% conseguem levar para casa mais dinheiro. Em Espanha esta família está na mediana – metade das famílias ganham mais. Na Alemanha 80% das famílias de três pessoas têm um maior rendimento.
Ou seja, em Portugal, 80 a 90% das famílias trazem para casa menos de dois mil euros por mês, dependendo se têm ou não um filho. Se olharmos, por exemplo, para o preço das casas que se registam à volta das grandes cidades, como Lisboa ou Porto, percebemos como é difícil a vida em Portugal. Juntemos a alimentação, os transportes, a educação e a saúde e os portugueses são uns heróis da gestão financeira doméstica.
Os salários em Portugal são demasiado baixos e torna-se cada vez mais difícil perceber a razão para isso. Na Administração Pública, uma das hipóteses está no esmagamento das remunerações dos quadros superiores, que inclui não apenas os técnicos, mas também os da área da saúde, educação e justiça. Na Saúde, por exemplo, um enfermeiro começa a sua carreira com pouco mais de mil euros e a diferença entre o salário de um enfermeiro em início de carreira e um assistente operacional é mínima. A situação no sector privado não é melhor.
O esmagamento dos salários na administração pública começou ainda com Manuela Ferreira Leite ministra das Finanças, altura em que se iniciou uma política, posteriormente várias vezes repetida, de aumentar apenas os funcionários públicos com os salários mais baixos. Uma política que tem o nobre objectivo de combater as desigualdades, acaba por ter vários efeitos perversos de que hoje os governos se queixam: dificulta a atracção de talento; desincentiva a formação superior; incentiva a emigração, designadamente na Saúde; replica salários baixos no sector privado, em suma, empobrece toda a gente e incentiva a concentração do rendimento nos que têm poder para decidir as suas remunerações.
O sector privado segue de perto esta prática do sector público, aliando-se a isso uma cultura enraizada do Estado Novo. Quando se olha para as grandes empresas, a diferença entre os salários mais baixos e mais altos chega a ser chocante. E não há matriz de análise para racionalizar esses salários baixos, que não seja o poder de os decidir, concentrado nas administrações e sem contra-poderes nos sindicatos. E não estamos aqui a falar de empresas em dificuldades.
Não é a produtividade como também não é a lei da oferta e da procura que, ilustrada com Cristiano Ronaldo, serve frequentemente para justificar quer os baixos quer os altíssimos salários. Quando ouvimos que não se consegue encontrar ninguém para o lugar X ou Y, vale a pena perguntar quanto pagam e se estariam dispostos a pagar mais.
As políticas públicas têm em geral contribuído para os salários baixos no sector privado. A decisão de castigar as empresas que, com lucros, despedirem, é mais um desses contributos. O problema das empresas não é terem lucros hoje, é terem lucros amanhã, e por isso têm de se adaptar hoje. Não deixar despedir é garantir que aquelas pessoas ficam por lá com o mais baixo salário possível – não sendo possível cortá-lo, dificilmente verão aumentos.
Um outro pilar, para o pouco que levamos para casa, está na tributação. Como é frequente lembrar-se, apesar de todo o sucesso que o Governo diz ter tido nas contas públicas, a verdade é que o tem, também, graças ao “enorme” aumento de impostos de Vítor Gaspar, até hoje por corrigir.
Os impostos sobre o trabalho deveriam merecer uma especial atenção do Governo, não apenas por incentivarem a escolha de equipamento sempre que ele pode substituir o trabalho, criando-se assim menos emprego, mas também pelos efeitos que se esperam do salto tecnológico que se deu com a pandemia.
O incentivo a emigrar pode ser agora muito maior em profissões que podem ser exercidas a partir de casa, já que deixa de existir o custo de se distanciar da família ou ir viver para um país de clima menos agradável. Até algumas empresas podem ter o incentivo de o fazer. Tudo isto reúne condições para delapidar a base da tributação e das contribuições para a segurança social.
Há muitas outras políticas que, criando a ilusão do combate às desigualdades, acabam por agravar ainda mais a diferença entre os que ganham mais e os que ganham menos. O que se tem feito na Educação e designadamente na escola pública é um exemplo disso. Hoje, quem pode coloca os filhos em escolas privadas. E os resultados da política educativa de facilitismo dos últimos cinco anos começam já a ser visíveis nos indicadores como se pode ver aqui. Na leitura e na ciência estamos pior que em 2014 e, na Matemática, não progredimos. Este também é um caminho para os salários baixos.
Na Saúde, o Serviço Nacional de Saúde acaba por estar dedicado aos mais pobres ou às doenças terminais e urgentes por falta de investimento em recursos humanos e equipamento. Ouvir a classe política defender o SNS sem adoptar medidas que garantam mais profissionais e melhor pagos e uma rede de cuidados de saúde que funcione fornece todas as razões pra duvidar que usem esses mesmos serviços. Ou usam-nos com a sua rede de contactos.
Políticas que queiram realmente combater as desigualdades não alinham os salários por baixo, não inundam a administração pública de qualificações desnecessárias como se estivessem a fazer política social, não têm uma política de facilidades na educação e investem seriamente na Saúde. Começam a surgir os primeiros indicadores, reflectindo o que se fez, e não fez, nos últimos cinco anos e não nos deixam nada confortáveis. Estamos a construir um país de poucos muito ricos a educarem os filhos em escolas privadas e a terem bons seguros de saúde, e muitos, muito pobres, para quem é a escola pública e o SNS. E são os muito, muito pobres, que continuarão a ter os baixos salários, cada vez mais numerosos.