Qualquer milhão que atualmente apareça ligado a um projeto ou a um pagamento reúne condições para desencadear uma onda de indignados, sem se debruçarem meio minuto que seja sobre o número ou o processo. Meio milhão de euros é obviamente muito dinheiro – a indemnização paga à administradora da TAP –, como ainda mais dinheiro é 5,4 milhões – o valor estimado para o altar-palco. Mas alguém teve o cuidado de perceber se, sendo valores elevados, está acima do que é normal?

O altar-palco tem 9 metros de altura, o que corresponde basicamente e em média a um prédio de três andares, onde vão estar duas mil pessoas. Além disso abrange uma área de 5 mil metros quadrados. Fazendo umas contas, verificamos que o custo de 5,4 milhões de euros, que parece uma enormidade, corresponde a pouco mais de mil euros o metro quadrado.

Tentar reduzir os grandes números em valores que sejamos capazes de perceber é logo um passo importante para dar racionalidade a qualquer discussão. Cerca de mil euros o metro quadrado continua a ser muito? Talvez, até porque o custo deve igualmente refletir o pouco tempo que resta para, até Agosto, construir aquela estrutura. Mas com umas pequenas contas já estamos a falar de valores que conseguimos compreender e que podemos confrontar com outras construções, falando até com especialista do sector. O que nos dá logo outra dimensão de valor.

É esta racionalidade que começa a faltar no debate público. Assim que se ouvem falar em milhões, desencadeia-se uma revolta sem controlo e os protagonistas políticos são incapazes de defender a decisão que tomaram. Entram também no jogo do populismo, fazendo lamentáveis figuras de se responsabilizarem uns aos outros, parecendo que ninguém sabia de nada e que a decisão não foi tomada por ninguém.

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Se algumas responsabilidades devem ter é a de terem deixado andar o tempo para chegarem a Janeiro de 23 a tomarem decisões sobre projetos que têm de estar concluídos em Agosto de 23. E aí estão os autarcas de Lisboa e Loures, os actuais e anteriores, o Governo e a própria Igreja, através da Fundação da Jornada Mundial da Juventude. O que gostaríamos de saber é quanto custa a irresponsabilidade e incompetência da ausência de planeamento.

Noutra dimensão, mas com características populistas relativamente semelhantes, está toda a abordagem em torno da indemnização à ex-secretaria de Estado do Tesouro enquanto administradora da TAP. Claro que a esmagadora maioria dos portugueses desconhece que indemnizações dessas são uma prática corrente nas empresas privadas para cargos de alta direcção ou administração. Mas pessoas como o Presidente da República ou alguns protagonistas políticos sabem bem que é assim. Porque é que não contribuem para a literacia geral, racionalizando essas práticas? Será porque verdadeiramente todos as consideram excessivas, mesmo os que delas beneficiam?

Todos sabem que há um problema grave com a dimensão da subida dos salários dos gestores, que ocorreu de forma dramática nos Estados Unidos a partir da década de 80 e que foi replicada, numa dimensão mais limitada, na Europa. Dados do Economic Policy Institute revelam que os presidentes de empresas ganhavam, nos EUA, quase 400 vezes mais que o trabalhador médio, quando em 1960 esse múltiplo era de 20. Na Europa, os valores não são tão elevados, mas na Holanda, dados de 2018 apontam para 171 vezes mais. É um tema que um dia terá de ser abordado pelos governos e corrigido. E é esse exatamente o problema, que depois nos conduz aos salários da presidente da TAP e à indemnização da ex-administradora.

A indignação é saudável, até se tornar manipulável. Para que seja preciso muito mais do que colocar uns milhões numa notícia, para criar uma onda de fúria, é preciso que os protagonistas políticos tenham a coragem de se responsabilizarem pelas suas decisões e, principalmente, de as explicarem. A começar obviamente pelo Presidente da República. Acabamos sempre vítimas do populismo, mesmo quando o queremos usar para ser populares.