A eficácia e clareza da comunicação relacionada com as medidas contra a COVID-19 foram (e continuam a ser) um tema amplamente discutido e apontado como uma fraqueza no controlo da pandemia. As perguntas são muitas, as respostas antecedidas e precedidas de muitas condições e no final há uma dúvida que permanece na cabeça de cada pessoa: “O que é que eu realmente tenho que fazer?”.

Sabemos que o desafio é complexo, não só porque a própria informação o é, como pela velocidade com que se dissemina e pelo caráter evolutivo inerente ao método científico. Relembro a mensagem deixada pelo Diretor do Departamento da Qualidade em Saúde da DGS: “As conclusões científicas são o resultado de um processo que não é preto ou branco, mas sim com vários tons de cinzento, com avanços e recuos, teses e antíteses, provas e contraprovas, por vezes com opiniões divergentes e dúvidas.

A gestão da pandemia é dinâmica; a informação muda à medida que o conhecimento científico avança; a ciência responde a umas questões e surgem imediata e irremediavelmente outras. Um processo como este, com avanços e recuos, gera, inevitavelmente, medo, insegurança e dúvidas.

Desta equação, não podemos também excluir o poder da informação falsa, cujos exemplos continuam a somar-se dia após dia. O fenómeno não é novo, é certo, mas a sua disseminação é exponencial num mundo cada vez mais digital e global. A Organização Mundial da Saúde (OMS) chama-lhe infodemia e define-a como uma quantidade excessiva de informação sobre determinado problema, o que dificulta a identificação de uma solução eficaz. Já a Organização das Nações Unidas cedo considerou que “a COVID-19 não é apenas uma emergência de Saúde Pública, também é uma emergência comunicacional”.

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Num contexto como este, promover um espírito crítico e capacitar o cidadão para adotar comportamentos saudáveis, baseados na melhor evidência científica, são armas fulcrais para a prevenção da doença e controlo da pandemia COVID19. E isto, implica necessariamente descentralizar o conhecimento médico de um grupo de pessoas restrito e torná-lo acessível a todos; implica envolver o cidadão na gestão da sua própria saúde e dar-lhe ferramentas para que se torne mais autónomo, esclarecido e informado. Só assim podemos realmente avançar para uma fase de auto-gestão, alinhada com o período de transição para um período interpandémico que viveremos em breve.

Os últimos dias têm sido paradoxais a vários níveis: a incidência de COVID-19 nunca foi tão elevada em Portugal, no entanto, a maioria destes casos são ligeiros e não requerem cuidados hospitalares. Ainda assim, os serviços de saúde continuam com desafios à capacidade instalada, seja pela burocracia, seja pelas pessoas que recorrem às urgências hospitalares ou cuidados de saúde primários com sintomas ligeiros, bem como as dúvidas da população na Linha SNS24.

O que falta? Na minha perspetiva, promover a autonomia.

Há muito que a teoria hipodérmica da comunicação – assente numa perspetiva comportamental do indivíduo e da sociedade como uma massa homogénea que reage a qualquer estímulo de forma uniforme – foi ultrapassada. A resposta à pergunta inicial deste artigo implica necessariamente entender as circunstâncias particulares de cada pessoa e entregar-lhe informação tratada e dirigida às suas necessidades específicas. Implica entender o cidadão como mais do que um recetor passivo de informação, mas um agente de mudança.

Falo particularmente de utilizar as ferramentas de que hoje dispomos para promover a literacia em saúde, um conceito que também não é uma novidade no plano teórico, e remete para as competências e conhecimentos necessários para que cada pessoa aceda, compreenda, avalie e utilize informação sobre saúde, de forma a poder tomar decisões. Porque sabemos que um cidadão bem informado terá necessariamente um contacto muito mais estruturado com os serviços de saúde.

Foi deste ímpeto que nasceu uma nova forma de aceder às orientações da Direção-Geral da Saúde em matéria COVID-19. Uma plataforma interativa, de acesso livre, onde cada pessoa encontra as respostas que precisa para saber o que fazer em situações específicas (por exemplo, qual o período de isolamento de acordo com a estratificação de risco dos contactos ou a elegibilidade para dose de reforço, tendo em conta o esquema vacinal anterior).

Uma ferramenta deste tipo simboliza um ponto de viragem na forma como a informação relativa à gestão da pandemia é entregue ao cidadão, em termos de linguagem e de acessibilidade. Trata-se não só de informar de forma rigorosa, como de orientar a ação com base em conhecimento e recomendações claras.

Porque nunca houve tanta informação, mas também nunca foi tão difícil saber o que fazer.