O Programa de Estabilização Económica e Social foi publicado sábado no Diário da República e inclui uma lista de mais de 80 medidas, boa parte delas financiadas por fundos europeus, algumas sem orçamento previsto e outras que não se percebe se são novas ou antigas, como por exemplo os investimentos em infra-estruturas de transportes. O Presidente da República explicou-nos no domingo que se trata de um “remendo”, depois de ter dito que era um plano de transição. Pressupõe-se que o plano de recuperação virá quando soubermos se há dinheiro europeu a fundo perdido. Como não temos dinheiro, temos de “estabilizar” distribuindo o pouco que temos por toda a gente, em vez de “recuperar”.
Quem se der ao trabalho de construir um quadro com as medidas, encontra de tudo, numa distribuição de verbas que parece ter tido como principal objectivo manter todos satisfeitos, cada um com o seu quinhão. Até a formatação diferenciada nos indicia que cada ministério foi acrescentando as suas medidas, sem que tenha havido uma preocupação de dar ao documento uma orientação, um objectivo. Ou antes, a orientação que é relevada é a de submissão das medidas aos objectivos políticos do Governo de conquistar apoios.
O pormenor de criar “um adicional de solidariedade sobre o setor bancário, no valor de 0,02 pontos percentuais” é um bom exemplo do piscar de olhos à esquerda. Vale 33 milhões de euros de receita e permitirá ao Governo dizer que está a obrigar a banca a ser solidária com o país. É uma daquelas medidas que só traz ganhos: conquista a esquerda, de onde o Governo quer que venham os votos para aprovar o orçamento suplementar, alimenta o populismo contra a banca e dá dinheiro aos cofres públicos.
Quem se atrever a alertar que, a seguir à economia, será a banca a sofrer com a crise e que é preciso ter cuidado para não termos de “ajudar” outra vez o sistema financeiro, será rapidamente colocado num pelourinho. É, como se percebe, um sítio muito fácil onde se pode ir buscar dinheiro, pouco que seja, com o aplauso do povo.
No meio daquela lista de compras há duas que merecem ser sublinhadas pela positiva: o lay-off e o Banco de Fomento. Consegue-se perceber o objectivo das medidas consagradas para o lay-off. Embora fosse desejável que se tivesse simplificado um pouco o regime – até porque estamos perante vários -, os incentivos criados vão no sentido certo, o de estimular o regresso ao trabalho, com apoio, e o de garantir a manutenção do emprego. Quanto ao Banco de Fomento, a falta que faz leva a desejar que desta vez se consiga, de facto, avançar com um projecto que já tem quase uma década, uma vez que data do programa da troika.
A multiplicação de apoios, numa lógica de distribuir dinheiro por tudo e por todos, sem cuidar em avaliar que medidas têm maior poder multiplicador para estabilizar a economia, é talvez o maior defeito deste programa. Defeito porque a sua eficácia é muito duvidosa. Na prática, o que importa neste plano são, ainda, os apoios para manter vivas as empresas e os empregos. Tudo o resto é mais parra do que uva, para usar uma expressão popular, que não faz, de facto, mexer o ponteiro nem da economia nem da sociedade.
Se o plano de recuperação tiver a mesma lógica, de distribuição de dinheiro deste programa, estamos condenados. Valia, por isso, a pena aprender alguma coisa com o que foi apresentado pelo governo alemão: um plano de recuperação, o primeiro a ser aprovado no conjunto dos países europeus, concentrado em objectivos muito precisos. São 130 mil milhões de euros, ou 3,7% do PIB alemão, aprovados na semana passada, que consagram medidas como a redução do IVA de 19% para 16%, investimento em infra-estruturas digitais e de defesa e segurança, incentivos fiscais ao investimento, incentivos para a compra de carros eléctricos e bónus de 300 euros por filho.
Não temos a liberdade orçamental da Alemanha para fazer um plano de recuperação daquela dimensão, nem tão depressa. Era bom que isso nos ensinasse a valorizar o equilíbrio orçamental, a dar votos aos partidos que nos prometem poupar nos tempos bons para termos dinheiro para enfrentar as tempestades. Mas pedir isto é quase acreditar no Pai Natal, até pelo que se tem visto: reivindicações de todo o tipo, sem se perceber que o dinheiro do Estado não cai do céu.
Porque não soubemos ser, um pouco que seja, mais regrados nos tempos bons, temos de esperar para ver se sempre chega o dinheiro europeu a fundo perdido, que se prevê seja da ordem dos 15 mil milhões de euros. Mas há uma coisa que não custa dinheiro: pensar nas medidas que são necessárias para recuperar a economia e dar-lhe uma coerência. O que não podemos é voltar a usar o dinheiro para o distribuir por tudo e todos, para que todos fiquem satisfeitos com mais dinheiro nos bolsos e o Governo continue a ter os apoios que quer, sem que isso se traduza em mais prosperidade.
A iniciativa de António Costa de convidar António Costa Silva, para coordenar o plano de recuperação, pode contribuir para que se desenhe um conjunto de medidas coerentes que se traduza naquilo que mais precisamos: aumentar a produtividade da economia portuguesa para conseguirmos crescer mais do que os 2%. Como já tem sido referido, não há muito a inventar, os diagnósticos estão feitos.
O programa de estabilização é o que é. Esperemos então agora que o plano de recuperação seja melhor, sem se cair na tentação de criar um homem novo, como alertou o ministro das Finanças. Na entrevista à Antena 1, enquadrado na pergunta sobre António Costa Silva, Mário Centeno disse: “não tenhamos a ilusão que com a recuperação vamos criar uma economia nova, um mundo novo, um homem novo. Isso não existe”.
Entre um programa de estabilização, que é uma lista de compras sem coerência nem objectivos, e um plano de recuperação para criar um “homem novo” há o meio termo onde está o pragmatismo e o bom senso. Como já há quem recomende, que se aprenda com o plano de recuperação alemão. Pouco é muito.