Todas as épocas têm o seu fascismo (Primo Levi)
Palavras proféticas de Chesterton: “O despotismo quase pode ser definido como uma democracia fatigada. À medida que a fadiga vai tomando conta de uma comunidade, os cidadãos vão-se sentindo cada vez menos inclinados em proceder àquela permanente vigilância que tem sido chamada, e com razão, o preço da liberdade; e preferem armar apenas uma sentinela, que vigie a cidade enquanto eles dormem.”
A natureza do Estado é engordar, se o deixarmos. E à medida que se torna maior, o desejo dos cidadãos de mais Estado torna-se insaciável, dizia Tocqueville. Com os subsídios e paragens que determinou, a pandemia veio acelerar esse processo: paradoxalmente, “nos séculos democráticos que virão, a centralização tornar-se-á o governo natural, a autonomia individual e as liberdades locais serão milagrosas”.
Cada vez mais gente quer maior protecção, escapar dos constrangimentos e desafios sociais, refugiar-se da vida, deixando de ver o perigo para a liberdade, o excesso de “bondade” de um Estado a quem pedimos tudo, de que ficamos cada vez mais dependentes.
Este engordar do Estado, o passar a ser arquitecto das nossas vidas, do que devemos fazer e dizer, do que escrevemos nas redes, imposição do politicamente correcto, a determinar (com subsídios selectivos) a comunicação social e as edições que devemos ler, planificador, em vez de regulador, do mercado e, por isso, a secar a inovação e a criatividade, desresponsabilizador, este Estado Leviathan trará o regresso da penúria, o fim das liberdades.
Um Estado que usa e serve a emergência de um totalitarismo novo, de que a ponta de lança mais visível é o identitarismo anti-natura e lesa-civilização que o extremismo político cavalga e para onde os partidos liberais deslizam. Num tempo em que as instituições que outrora deram sentido à vida, como a família, perderam o ascendente e se dissolvem.
Um neo-totalitarismo, que resulta da cascata de mutações tecnológicas e societais emergentes a partir dos anos sessenta do século passado, com reflexo nas instituições políticas e no minar dos valores humanos universalistas e morais.
Neo-totalitarismo, que sem solução de continuidade com os do século XX, os actualiza no contexto do triunfo das sociedades liberais.
E nunca, na sua aspiração última, aqueles puderam ir tão longe como este está a ir e anuncia: invade e domina o território mais íntimo das vítimas, rouba-lhes a identidade e a História.
Agora, sem um centro, sem Estados de onde irradie, nem exércitos que possam ser enfrentados e vencidos num combate frontal. É totalitarismo como o dos campos de reeducação maoista, dos asilos psiquiátricos e do gulag soviéticos, mas agora sem muros, sem território, sem prisões, sem sangue, com a entrega voluntária das vitimas.
O que se obtinha pelo terror é agora conversão voluntária que de si própria se faz multiplicadora, numa espécie de marchandagem do vazio. Domina pólos estratégicos, comanda a escola, infiltrou e submeteu a universidade e a comunicação social, contagiou ou intimida. Asséptico, conquista e alimenta-se da des-razão — por isso a escola que também Portugal tem tido lhe preparou a chegada e lhe abre o caminho -, entorpece a inteligência e a vontade, um medo de se ser livre e de estar fora, isola, torna párias os resistentes. Vicia como uma droga, os seus dealers multiplicam-se como um vírus. É uma rede enigmática como a Web, difusa, não se sabe onde está o seu centro, uma submissão consentida e desejada.
Abdicação voluntária de humanidade, só será vencido pelo seu contrário, a vontade de cada ser humano… ser humano.