Foram passear ao centro de Lisboa nos últimos tempos? Por todos os lados, em todos os cantos, como que brotando das pedras da calçada, depararão com gente de outras paragens: turistas. Lisboa, a nossa cidade, está cheia de turistas. Não começou hoje, não começou agora. Mas agora, caramba, é um exagero.

Como é que tudo isto se passou? Como é que a capital portuguesa se tornou, num ápice, o destino de mais de dez milhões de estrangeiros que, de todos os lados do Mundo, desembarcam na Portela, ou de um qualquer navio de cruzeiro, e se aventuram pelas praças, ruas e becos da velha Lixbuna? Deixem-me fazer melhor a pergunta: quem fez isto? Quem é responsável por ter tornado Lisboa um destino, cada vez mais requestada, elogiada, invejada?

Terá sido o Estado? O AICEP? O Turismo? Um movimento cívico qualquer? Uma campanha publicitária que tenha tido Lisboa por alvo?

Há cidades eternas. Roma. Charmosas. Paris. Cosmopolitas. Londres. Globais. Nova Iorque. E há Lisboa.

Passaram cerca de dois anos desde que o colunista de opinião do New York Times, Frank Bruni, passou pela nossa cidade e se apaixonou por ela. O artigo que publicou no dia 27 de Maio de 2012 tinha como título “The thing about Lisbon” – em tradução muito livre “O que há de especial em Lisboa” – e continha aquilo que considero ser, adaptada, a melhor definição possível sobre a nossa capital: uma cidade vestida de jóias.

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Desculpem, mas tenho de deixar aqui a versão inglesa (note-se que Bruni e o companheiro estavam em Lisboa de passagem e sem muita vontade de ficar): “(…) So the beauty we encountered was serendipitous: the mosaics of black and white stone with which so many of the sidewalks, esplanades and plazas are paved; the tiles — yellow, green, white — with which so many of the buildings are faced. Mosaics like these I’d seen elsewhere, though they had a special dominance and whimsy here. But tiles like these, used this way, were a revelation. It was as if Lisbon wore a set of jewels that other cities didn’t bother to.” Resumindo, encontraram uma beleza extraordinária, nos mosaicos das calçadas e nos azulejos das fachadas. Como se Lisboa usasse as jóias que as outras cidades não se dão ao trabalho de usar.

Depois de Frank Bruni, muito se passou, e as loas não cessaram, antes pelo contrário. O que tem Lisboa, pergunta-se um pouco por todo o lado? Não há em Lisboa a profusão de monumentos grandiosos, como em Roma ou Paris, museus contendo partes importantes do património artístico da Humanidade, como no Prado em Madrid, no British em Londres, ou em Nova Iorque ou em Berlim; Lisboa, pelos padrões globais de um mundo em evolução constante, não vive a trepidação do crescimento constante, da actualização tecnológica das urbopoles orientais como Pequim ou Tóquio. Não tem nada disso e, contudo, tem “qualquer” coisa.

TO GO WITH AFP STORY BY LEVI FERNANDES People walk at Chiado, in Lisbon on June 22, 2013. The portuguese pavement is a tourism highlight when they visit Portugal and the graphics evoke the golden age of Portuguese discoveries and the relation with the sea, developed in the nineteenth century.    AFP PHOTO/ PATRICIA DE MELO MOREIRA        (Photo credit should read PATRICIA DE MELO MOREIRA/AFP/Getty Images)

Esta é uma cidade que respira lentamente o prazer da vida. E é sobretudo habitada por gente magnífica que, no auge de uma crise – económica, de austeridade, existencial -, foi capaz de se reinventar, de crescer, de oferecer aos visitantes sempre novas experiências, sempre novas emoções, um sítio de passar e de ficar, um cadinho puro de estranhas, deliciosas, calmas sensações. Podia continuar, e fá-lo-ia com gosto, a desfiar as maravilhas da minha cidade. Sou de Lisboa (por acaso nascido em Macau, mas lisboeta de várias gerações), de uma urbe que, na minha infância, pulsava no duplo eixo rato-rio, castelo-estrela, uma cidade parada no tempo mas já magnífica, a um tempo obsoleta e rica, como um ovo de Fabergé cheio de mistérios por revelar. Assisti, ao longo da minha vida (que já vai longa) à chegada de uma maré de visitantes, quase todos para ficar: da província, das beiras e quejandos, em busca de uma vida melhor, do Ultramar encerrado, à procura do porto de abrigo. E a todos, como uma mãe compassiva, Lisboa acolheu.

Hoje, depois de oito anos de crise, a velha Olissipo reinventou-se. Em cada canto surgem novidades, hosteis que depressa ganharam fama no largo Mundo – considerados dos melhores, na relação qualidade preço como na própria originalidade e encanto -, restaurantes em que a tradição lusitana se mistura com os sabores mais exóticos pela mão de jovens chefes ousados, espaços e experiências novas, excitantes, estimulantes – atractivas.

Repito: quem é responsável por este inegável boom da notoriedade e do prestígio da velha capital portuguesa? Os portugueses de antigo (perdoem a liberdade) diriam: o Estado – ou, na sua forma mais limitada, o governo -, ou mesmo, levando ao limite o estranho gosto que temos em nos menorizarmos, uma agência (empresa) estrangeira qualquer.

Não é verdade; esqueçam lá os vídeos promocionais e as campanhas publicitárias, que as houve, mas que de nada serviriam se Lisboa não fosse capaz de seduzir quem quer que seja no espaço de uma manhã, no acaso de um passeio sem rumo, como aconteceu com o cronista nova-iorquino. Em meio a uma das maiores crises que o país viveu no último século, foram os lisboetas – os portugueses – que conseguiram dar a volta e transformar a cidade. Fomos nós. O que, desde logo, dá testemunho de uma poderosa verdade:

Somos capazes. Fomos capazes de fazer de Lisboa o sucesso que hoje indubitavelmente é, respeitando uma memória e um legado em que se projecta o seu futuro. Seremos capazes do mesmo no que toca ao país. O Estado pode ajudar, mas o Estado somos nós, não pertence a ninguém, e muito menos a quem cuida mandar nele.

Um país cuja capital – e tantas das suas cidades – se veste de jóias, pede meças a quem quer que seja.