Cumpriu-se esta semana o importante ritual democrático do debate sobre o Estado da nação. Aqui deixo algumas notas breves sobre o estado de saúde, económico e social, financeiro e político da nação.

Saúde – Com o avanço rápido da vacinação, sem dúvida que dentro de dois meses estaremos bem melhor no que toca ao número de infeções, mas sobretudo de mortes e internados em cuidados intensivos. O que não estará muito melhor é a saúde mental dos portugueses. Andamos há dezasseis meses a falar de COVID todos os dias. Passámos de estados de emergência para estados de calamidade, com alterações constantes das medidas de confinamento. Muitas atividades económicas estão ainda praticamente paradas. O confinamento atingiu sobretudo as mulheres e os mais vulneráveis, os trabalhadores precários. Toda esta instabilidade não pode deixar de afetar a saúde mental do país que se encontra cansado, saturado de máscaras e de restrições, e à espera do regresso à quase normalidade. O COVID acentuou “o medo de existir” dos portugueses de que falava José Gil. Um exemplo deste medo: ainda há instituições de ensino superior que ponderam que as aulas teóricas sejam online em 2022, com cem por cento de estudantes e professores vacinados. Porquê? Só pode haver duas razões: poupar recursos com docentes e ter medo de existir. Com a larga cobertura de vacinação é altura de voltar à normalidade a bem da sanidade mental do país e da economia.

Económico e social – Ao nível macroeconómico, e a fazer fé nas recentes projeções do Banco de Portugal (BP), em dois anos (2021 e 2022) o país crescerá 10,6%. Mesmo assim, para apenas atingir um PIB 3% superior ao de 2019, dada a profunda recessão de 2020. O crescimento será alimentado pela retoma do consumo privado e do investimento alimentado pelos fundos do PRR que constituirão 30% do investimento público. Aquilo que mais distingue esta crise da anterior, é a taxa de desemprego que se mantém e se prevê que se mantenha até 2023 perto dos 7%. Claro que tal se deve ao apoio do Estado nomeadamente às medidas de layoff. Porém, o número de jovens nem-nem (nem emprego nem em formação) disparou com a pandemia e isto é muito preocupante, pois os jovens são o futuro do país. A partir de Setembro teremos o fim das moratórias a famílias e empresas. É ainda algo incerto o impacto económico e social que terá o regresso à quase normalidade das prestações de crédito.

Finanças – A crise COVID deitou por terra vários anos de redução da dívida pública. Apenas num ano (2020) o peso da dívida subiu de 116,8% para 133,6% do PIB. Com as projeções do BP, só em 2025 teremos uma situação melhor do que em 2019. As projeções da dívida são tipicamente feitas sem assumir a aquisição líquida de ativos financeiros. Ora, para além do Novo Banco, o esforço financeiro a ser feito na TAP, nos próximos anos, ainda não é conhecido (deveria ser!), mas será certamente significativo, o que faz com que sejam optimistas as projeções do BP. Temos aqui um elefante que vai sair do armário quando os juros da dívida começarem a subir. Na dimensão orçamental, este ano teremos uma redução do défice. Uma hábil utilização dos fundos do PRR irá permitir alcançar os objetivos orçamentais para este ano, apesar da pressão despesista dos partidos mais à esquerda do governo. Nem se deve ir para além do objetivo do saldo orçamental nem ficar aquém.

Político – Esta é talvez a dimensão em que o Estado da nação é mais problemático. Uma saudável democracia precisa de uma oposição forte que fiscalize a governação. Ora o que assistimos, no campo da direita, é a uma reorganização das várias formações políticas para além do PSD (IL, CDS e Chega). Resta saber qual o peso eleitoral de cada uma, o que será evidenciado nas próximas autárquicas. A confirmar-se a subida eleitoral do Chega, será um quase salvo conduto dado a António Costa para aprovar o OE2022, pois os partidos de esquerda não deverão querer responsabilizar-se por criar uma crise política, em pleno período de execução do PRR, e assim ser responsáveis pela antecipação das legislativas. Lembre-se que não foi aprovada a lei das grandes opções 2021-25 na altura devida (Abril), usando-se o expediente de “baixar à Comissão sem votação”. O problema do Estado da nação não parece ser a eventualidade de uma crise política, que não parece provável (embora haja surpresas…). Antes saber qual o preço económico (em competitividade e emprego) que o país pagará na sequência de uma eventual alteração à lei laboral, concedida pelo PS para obter a viabilidade do OE pelos partidos à esquerda, em particular o PCP. Lembre-se que a resistência a alterações significativas na lei laboral, na anterior legislatura, vinha do trio Costa-Centeno-Vieira da Silva. Dos três, o único que se mantém em funções é o primeiro-ministro. Será que António Costa consegue ter a habilidade de compaginar a aprovação dos Orçamentos à sua esquerda, com as reformas necessárias que só podem ser feitas com o PSD (Constituição, sistema eleitoral, combate à corrupção, execução do PRR transformadora da economia, entre outras)? Se o fizer, obviamente com a colaboração e vontade do PSD, pode ser elogiado e pode dizer-se que estes dois anos e meio até final de 2023 não serão anos perdidos. Se não o conseguir, será compreensivelmente criticado por querer assegurar a sua sobrevivência política e não as reformas que o país necessita. Não podemos continuar com medo de existir. É preciso ousar reformar e ousar viver.

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