Uma vez mais o conflito israelo-palestiniano entrou na ordem do dia. Os acontecimentos das últimas semanas levaram a um escalar de um estado de guerra entre grupos armados palestinianos e o exército de Israel. No entanto, estes novos episódios não decorrem do conflito entre israelitas e palestinianos, mas fazem parte de uma equação mais vasta.

Se olharmos para os movimentos mais recentes, a cronologia seria a seguinte:

  1. Fim de Abril: o presidente Mahmoud Abbas anuncia o adiamento das eleições palestinianas sob o pretexto de que Israel poderia não deixar os eleitores de Jerusalém-Este participar no escrutínio.
  2. Fim de Abril: confrontos entre palestinianos e judeus a respeito das ceias do Ramadão.
  3. Primeira semana de Maio: confrontos em Jerusalém Oriental como resposta a uma sentença do tribunal (embora os confrontos a tenham precedido) que confirma a propriedade do grupo israelita Nahalat Shimon Co sobre diversos prédios no bairro de Sheikh Jarrah, dando ordem para retirar cerca de 25 palestinianos.
  4. Tendo a referida sentença sido proferida perto das datas do Dia de Jerusalém (celebração da unificação de Jerusalém em 1967) e do dia da Nakba (expulsão dos palestinianos, de acordo com os mesmos), o exército israelita reforçou as suas bases em Jerusalém Oriental de forma a prevenir possíveis confrontos.
  5. O Hamas ameaça Israel em resposta aos acontecimentos de Sheik Jarrah.

A partir daqui multiplicam-se o número de rockets enviados da Faixa de Gaza para Israel e a famosa lengalenga das redes sociais sempre que há confrontos em Israel e nos territórios palestinianos. Esta é a típica cronologia sempre que há um avivar de confrontos entre o Hamas e Israel. Duas perguntas se levantam: o tempo e o modo de ataque do Hamas demonstram uma capacidade bélica extraordinária, ainda mais em tempos de pandemia. Esta capacidade ofuscou imediatamente os acontecimentos em Jerusalém Oriental.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Estamos perante um confronto que vai para lá de um problema entre israelitas e palestinianos. Para situarmos o meu argumento, é preciso reconhecer dois momentos-chave na recente história de Israel: a descoberta de gás no Mediterrâneo e o Plano de Ação Conjunta Global e Medidas Restritivas do Programa Nuclear Iraniano (JCPOA).

A descoberta de gás no Mar Mediterrânico levou a uma completa viragem na política externa israelita em relação aos seus vizinhos europeus. Os acordos assinados com a Grécia e com o Chipre, dois países que eram tradicionalmente muito críticos do Estado de Israel, normalizaram de tal forma as relações trilaterais que, durante o consulado de Tsipras, a Grécia foi acusada de fornecer informações sensíveis aos israelitas, sempre que o Conselho Europeu discutia o processo de paz no Médio Oriente.

A exploração e o desenvolvimento dos poços de gás foram iniciados por uma empresa americana – Noble Energy – que lançou em simultâneo um debate em Israel, nos Estados Unidos e na União Europeia sobre o tema. O papel do German Marshall Fund (GMF) na discussão foi essencial. Nos primeiros anos, o ceticismo, que era preponderante, foi ultrapassado pela forma como o triângulo Grécia, Chipre e Israel conseguiram tornar essa descoberta numa iniciativa diplomática de sucesso. O facto de o Egipto ter mostrado abertura para receber o gás através de Israel e de todos estes países estarem de costas voltadas para a Turquia permitiu o acelerar do processo. Os palestinianos não foram tema das negociações.

O segundo momento, a ideia da Administração Obama de assinar um acordo com o Irão sobre o seu Programa Nuclear permitiu acelerar as relações bilaterais entre Israel, por um lado, e os Emiratos Estados Unidos e a Arábia Saudita, por outro. O perigo de uma hegemonia iraniana na região, o aparecimento de Mohamed Bin Salman na Arábia Saudita e a Administração Trump permitiram elevar para as conversações diplomáticas uma relação que já se tinha estabelecido há anos a nível de segurança.

A História é por vezes irónica. Em 1982, um jovem senador norte-americano, Joseph Biden, atacou o então primeiro-ministro israelita, Menahem Begin, a respeito da Guerra do Líbano. Na altura, a Arábia Saudita era a grande ameaça a Israel, de tal forma que levou o American Israel Public Affairs Committee (AIPAC) a mudar de estratégia política e a começar a desenvolver a sua área de influência de forma a combater a influência saudita em Washington, da qual o senador Biden fazia parte.

O corredor que vai desde a Grécia até à Índia, através de Israel, tornou-se nos últimos anos numa nova aliança no Médio Oriente. Aliança que serve de tampão ao Irão e à China, assim como às ambições megalómanas da Turquia, permitindo combater a influência iraniana no Iémen e na Líbia – e abrir uma nova era na região.

O conflito israelo-árabe deixou de existir a partir do momento em que foram assinados os Acordos de Abraão entre Israel e diversos Estados Árabes. Enquanto os acordos de paz assinados não tiveram voz e uma base de apoio da população local no Egipto e da Jordânia, os recentes acordos demonstram o contrário. A venda a um fundo de investimento dos Emirados do offshore Israelita Tamar (anunciado a 26 de Abril último), colocam-nos com um pé no Mediterrâneo. Mais uma vez, não constam palestinianos na mesa das negociações. Estes acordos dão a machadada final no processo de paz.

A estratégia dos inimigos desta aliança tem sido a de tentar jogar com a nova Administração americana, que relançou o JCPOA, anunciou o refinanciamento da Agência das Nações Unidas para os Refugiados Palestinianos (UNWRA) e, de certa forma, tornou-se mais rígida em relação a Israel e a Arábia Saudita. No plano europeu, os acordos entre Israel e os Estados Árabes não foram recebidos de forma tão efusiva como no outro lado do Atlântico, sendo a tónica sempre concentrada no Plano de Paz para o Médio Oriente (MEPP). Os europeus ficam aqui completamente isolados e a bater numa retórica que, como já disse, tem os dias contados.

O único país que continua na sua narrativa anti-Israel, apesar de ter assinado um acordo de paz, é aquele para o qual esta situação é extremamente preocupante, a Jordânia. Não é coincidência que o Rei tenha feito cair um possível golpe de estado, supostamente liderado pelo seu meio-irmão, de quem se diz ser próximo de Bin Salman. A Jordânia é constituída por uma população de setenta por cento de palestinianos e é, de facto, um Estado Palestiniano. Não conseguindo conter a sua população, a Jordânia poderá tornar-se no próximo palco de combate neste xadrez regional.

A Administração Biden encontra-se igualmente num impasse, uma vez que não teve outra hipótese senão reagir criticamente contra os mais de mil mísseis enviados da Faixa de Gaza para Israel.

A primeira questão em cima da mesa é o que vai acontecer para conter o Hamas e o seu apoio externo. Será que Israel quer eliminar definitivamente este grupo? O que fará com Gaza? Claramente, o embargo israelita à Faixa de Gaza já não é suficiente. Se Israel tiver o apoio dos Estados Unidos, dos Emiratos e do Egipto para invadir o território e eliminar o Hamas, poderá ser o início de uma nova época na região.

A segunda questão é a posição americana relativamente ao processo de paz. Na prática, o processo de paz está morto e assim vai continuar. Mesmo com um Hamas eliminado, a existência de um Estado Palestiniano será de difícil concretização. Será que a Autoridade Palestiniana irá querer dançar o tango? E qual será o líder que poderá substituir Abbas?

Em jeito de conclusão, naturalmente temporária, porque uma conclusão definitiva só será possível depois do fim dos tempos, joga-se em Israel não o futuro do processo de paz, ou da concretização de um Estado Palestiniano, mas todo o novo xadrez do Médio Oriente e uma guerra que opõe os Estados Árabes ao Irão e aos seus próximos.

Manter a tónica da análise do conflito somente entre Israel e o Estado Palestiniano é redutor e pode fazer acreditar que os palestinianos integram uma equação da qual, desde a criação da sua identidade em 1967, nunca quiseram fazer parte.