Uma vez mais o conflito israelo-palestiniano entrou na ordem do dia. Os acontecimentos das últimas semanas levaram a um escalar de um estado de guerra entre grupos armados palestinianos e o exército de Israel. No entanto, estes novos episódios não decorrem do conflito entre israelitas e palestinianos, mas fazem parte de uma equação mais vasta.
Se olharmos para os movimentos mais recentes, a cronologia seria a seguinte:
- Fim de Abril: o presidente Mahmoud Abbas anuncia o adiamento das eleições palestinianas sob o pretexto de que Israel poderia não deixar os eleitores de Jerusalém-Este participar no escrutínio.
- Fim de Abril: confrontos entre palestinianos e judeus a respeito das ceias do Ramadão.
- Primeira semana de Maio: confrontos em Jerusalém Oriental como resposta a uma sentença do tribunal (embora os confrontos a tenham precedido) que confirma a propriedade do grupo israelita Nahalat Shimon Co sobre diversos prédios no bairro de Sheikh Jarrah, dando ordem para retirar cerca de 25 palestinianos.
- Tendo a referida sentença sido proferida perto das datas do Dia de Jerusalém (celebração da unificação de Jerusalém em 1967) e do dia da Nakba (expulsão dos palestinianos, de acordo com os mesmos), o exército israelita reforçou as suas bases em Jerusalém Oriental de forma a prevenir possíveis confrontos.
- O Hamas ameaça Israel em resposta aos acontecimentos de Sheik Jarrah.
A partir daqui multiplicam-se o número de rockets enviados da Faixa de Gaza para Israel e a famosa lengalenga das redes sociais sempre que há confrontos em Israel e nos territórios palestinianos. Esta é a típica cronologia sempre que há um avivar de confrontos entre o Hamas e Israel. Duas perguntas se levantam: o tempo e o modo de ataque do Hamas demonstram uma capacidade bélica extraordinária, ainda mais em tempos de pandemia. Esta capacidade ofuscou imediatamente os acontecimentos em Jerusalém Oriental.
Estamos perante um confronto que vai para lá de um problema entre israelitas e palestinianos. Para situarmos o meu argumento, é preciso reconhecer dois momentos-chave na recente história de Israel: a descoberta de gás no Mediterrâneo e o Plano de Ação Conjunta Global e Medidas Restritivas do Programa Nuclear Iraniano (JCPOA).
A descoberta de gás no Mar Mediterrânico levou a uma completa viragem na política externa israelita em relação aos seus vizinhos europeus. Os acordos assinados com a Grécia e com o Chipre, dois países que eram tradicionalmente muito críticos do Estado de Israel, normalizaram de tal forma as relações trilaterais que, durante o consulado de Tsipras, a Grécia foi acusada de fornecer informações sensíveis aos israelitas, sempre que o Conselho Europeu discutia o processo de paz no Médio Oriente.
A exploração e o desenvolvimento dos poços de gás foram iniciados por uma empresa americana – Noble Energy – que lançou em simultâneo um debate em Israel, nos Estados Unidos e na União Europeia sobre o tema. O papel do German Marshall Fund (GMF) na discussão foi essencial. Nos primeiros anos, o ceticismo, que era preponderante, foi ultrapassado pela forma como o triângulo Grécia, Chipre e Israel conseguiram tornar essa descoberta numa iniciativa diplomática de sucesso. O facto de o Egipto ter mostrado abertura para receber o gás através de Israel e de todos estes países estarem de costas voltadas para a Turquia permitiu o acelerar do processo. Os palestinianos não foram tema das negociações.
O segundo momento, a ideia da Administração Obama de assinar um acordo com o Irão sobre o seu Programa Nuclear permitiu acelerar as relações bilaterais entre Israel, por um lado, e os Emiratos Estados Unidos e a Arábia Saudita, por outro. O perigo de uma hegemonia iraniana na região, o aparecimento de Mohamed Bin Salman na Arábia Saudita e a Administração Trump permitiram elevar para as conversações diplomáticas uma relação que já se tinha estabelecido há anos a nível de segurança.
A História é por vezes irónica. Em 1982, um jovem senador norte-americano, Joseph Biden, atacou o então primeiro-ministro israelita, Menahem Begin, a respeito da Guerra do Líbano. Na altura, a Arábia Saudita era a grande ameaça a Israel, de tal forma que levou o American Israel Public Affairs Committee (AIPAC) a mudar de estratégia política e a começar a desenvolver a sua área de influência de forma a combater a influência saudita em Washington, da qual o senador Biden fazia parte.
O corredor que vai desde a Grécia até à Índia, através de Israel, tornou-se nos últimos anos numa nova aliança no Médio Oriente. Aliança que serve de tampão ao Irão e à China, assim como às ambições megalómanas da Turquia, permitindo combater a influência iraniana no Iémen e na Líbia – e abrir uma nova era na região.
O conflito israelo-árabe deixou de existir a partir do momento em que foram assinados os Acordos de Abraão entre Israel e diversos Estados Árabes. Enquanto os acordos de paz assinados não tiveram voz e uma base de apoio da população local no Egipto e da Jordânia, os recentes acordos demonstram o contrário. A venda a um fundo de investimento dos Emirados do offshore Israelita Tamar (anunciado a 26 de Abril último), colocam-nos com um pé no Mediterrâneo. Mais uma vez, não constam palestinianos na mesa das negociações. Estes acordos dão a machadada final no processo de paz.
A estratégia dos inimigos desta aliança tem sido a de tentar jogar com a nova Administração americana, que relançou o JCPOA, anunciou o refinanciamento da Agência das Nações Unidas para os Refugiados Palestinianos (UNWRA) e, de certa forma, tornou-se mais rígida em relação a Israel e a Arábia Saudita. No plano europeu, os acordos entre Israel e os Estados Árabes não foram recebidos de forma tão efusiva como no outro lado do Atlântico, sendo a tónica sempre concentrada no Plano de Paz para o Médio Oriente (MEPP). Os europeus ficam aqui completamente isolados e a bater numa retórica que, como já disse, tem os dias contados.
O único país que continua na sua narrativa anti-Israel, apesar de ter assinado um acordo de paz, é aquele para o qual esta situação é extremamente preocupante, a Jordânia. Não é coincidência que o Rei tenha feito cair um possível golpe de estado, supostamente liderado pelo seu meio-irmão, de quem se diz ser próximo de Bin Salman. A Jordânia é constituída por uma população de setenta por cento de palestinianos e é, de facto, um Estado Palestiniano. Não conseguindo conter a sua população, a Jordânia poderá tornar-se no próximo palco de combate neste xadrez regional.
A Administração Biden encontra-se igualmente num impasse, uma vez que não teve outra hipótese senão reagir criticamente contra os mais de mil mísseis enviados da Faixa de Gaza para Israel.
A primeira questão em cima da mesa é o que vai acontecer para conter o Hamas e o seu apoio externo. Será que Israel quer eliminar definitivamente este grupo? O que fará com Gaza? Claramente, o embargo israelita à Faixa de Gaza já não é suficiente. Se Israel tiver o apoio dos Estados Unidos, dos Emiratos e do Egipto para invadir o território e eliminar o Hamas, poderá ser o início de uma nova época na região.
A segunda questão é a posição americana relativamente ao processo de paz. Na prática, o processo de paz está morto e assim vai continuar. Mesmo com um Hamas eliminado, a existência de um Estado Palestiniano será de difícil concretização. Será que a Autoridade Palestiniana irá querer dançar o tango? E qual será o líder que poderá substituir Abbas?
Em jeito de conclusão, naturalmente temporária, porque uma conclusão definitiva só será possível depois do fim dos tempos, joga-se em Israel não o futuro do processo de paz, ou da concretização de um Estado Palestiniano, mas todo o novo xadrez do Médio Oriente e uma guerra que opõe os Estados Árabes ao Irão e aos seus próximos.
Manter a tónica da análise do conflito somente entre Israel e o Estado Palestiniano é redutor e pode fazer acreditar que os palestinianos integram uma equação da qual, desde a criação da sua identidade em 1967, nunca quiseram fazer parte.