Leu o livro “A Peste” de Albert Camus? Retrata as mudanças na vida de uma cidade atingida por uma terrível peste que dizima a sua população assolada pela epidemia lembra a ocupação nazi na França durante a II Guerra Mundial.

E o Corona Vírus (Covid-19) não será uma guerra mundial destes novos tempos? Melhor ou pior do que uma verdadeira guerra na sua costumeira aceção da palavra?

Muito provavelmente pior, mas de certeza uma “guerra” em que todos nós, gente, independentemente da raça, cor, religião, ideologia política, idade ou sexo, temos um mesmo e único inimigo comum a abater, um minúsculo e invisível grande adversário que, de um dia para o outro, nos mudou a vida por completo, que nos fez deixar de ter qualquer pressa relativamente ao que ainda ontem eram assuntos completamente inadiáveis.

O tempo deixou de ter significado…

E isto agora acontece, não numa cidade como no livro de Camus, não num país, mas no mundo inteiro, naquele mundo que o Homem acha que domina, em que julga poder pôr e dispor, de que julga ser rei e senhor.

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Deixámos de ter discriminados e discriminadores, agora todos somos discriminados — “Somos todos habitantes do mesmo navio”, como disse Saint-Exupéry. Caímos no caricato – será o termo?! – de países que até aqui tinham os seus cidadãos impedidos de viajar para outros, serem agora aqueles que se veem impelidos a não aceitar cidadãos que se consideravam superiores; de podermos vir a precisar todos de emigrar, como aqueles que recusámos que imigrassem para os nossos países, sem termos agora para onde ir porque o problema ser global…

E, se por um lado, o isolamento físico, social, a que agora temos de estar confinados, não nos pode deixar de afastar emocionalmente uns dos outros, levando-nos a focar-nos ainda mais nas redes sociais e no virtual, pode ser que, por outro lado, e com o passar do tempo, esta dificuldade comum e universal nos una mais como humanidade e nos faça esquecer as divergências bacocas, as lutas sem sentido simplesmente pelo domínio do poder, ou outras vezes por um bocado de terra ou de outro qualquer bem material, e nos torne seres mais solidários, cooperantes ou tão-somente mais amigos.

Ou vamos perder mais uma vez uma grande oportunidade de mudança por nos voltarmos de novo a esquecer muito rapidamente da “tempestade” quando vier a “bonança”?!…

Tomaremos consciência, ou talvez não, de que o mundo não mais pode nem deve continuar como tem estado: guerras sem nexo, migrações sem rumo, consumo exacerbado, sistema financeiro sem qualquer sustentabilidade, ambiente deixado ao acaso, egoísmo sem limites e cada um de nós focado no seu umbigo, agindo como se nem sequer para conhecer os nossos próprios filhos tivéssemos tempo… A economia colapsa, mas a poluição diminui e o ambiente poderá ter mais futuro. Talvez se venha a perceber que precisamos de uma vida mais natural, que temos de privilegiar a pacata vida no campo relativamente à opção dos últimos anos pela economicista racionalidade da concentração das populações nas cidades.

Temos, hoje mais do que nunca no passado, de saber, de estar conscientes, que a nossa vida muda de um momento para o outro, quando e pelos motivos que podemos considerar menos prováveis. Não há quem possa ufanamente, como quantas vezes ainda acontece, considerar-se superior aos demais, pela sua situação económica, pelo suposto status, ou seja lá pelo que for… Tudo é efémero, tudo muda, nada mais é como dantes…

Aprendemos alguma coisa com as situações passadas? E vamos agora desta vez aprender?! Vamos interiorizar que não vale a pena andar a correr atrás do rabo, tentando ao longo de uma vida inteira ter e conseguir o que um simples e desprezível ser nos retira numas horas?! Vamos voltar a não tirar ilações dos ensinamentos que a vida nos põe à frente, como aconteceu com a crise económica e financeira que se iniciou há uma dezena e tal de anos e de que ainda não nos tínhamos conseguido livrar completamente?!

Será que podemos ter agora o Mundo de férias durante dois, três ou mais meses e continuar depois tudo como se nada tivesse acontecido connosco?! Não creio… Recessão, desemprego, mais pobreza e outras situações dramáticas, vão-se repetir, como as que vimos nos últimos anos. E como vão na prática ser as ajudas?! Será que também desta vez se vão salvar os “coitadinhos” dos Bancos e deixar afundar ainda mais as pequenas empresas e as pessoas, considerando que estas foram negligentes e imprevidentes por não terem sabido prever o que se avizinhava?!

Mas como nada é só negativo, esta será uma oportunidade para pensarmos, para revermos a nossa vida, as nossas opções, as nossas posturas, a nossa contribuição social. Aproveitemos este tempo. Tomemos consciência de que podemos viver de uma forma completamente diferente.

Porque é que Estados Unidos, Europa e quejandos se prepararam nos larguíssimos últimos anos com tropas, treinos e milionários investimentos em armamentos, para enfrentarem hipotéticas guerras sempre evitáveis e que só na cabeça de alguns alucinados poderão fazer sentido, e nunca criaram sequer qualquer tipo de plano para fazer face a pandemias como esta que de todo não se poderiam considerar improváveis?

Não descarto nem de pouco as hipóteses que por vezes se apelidam de teorias da conspiração: muitas delas fazem todo o sentido – o domínio do Mundo por certos povos ou grupos, a ânsia egoísta de acabar com os velhos cujo trabalho passado nos permite hoje viver, mas que parecem ser um fardo económico para muitos, são esquizofrénicas motivações que levam a “brincar com o fogo”, o que só pode dar mau resultado porque rapidamente o “feitiço se vira contra o feiticeiro”…

É verdade que o Universo e a Vida têm, ou pelo menos têm tido, a sua maneira de equilibrar as coisas e que não nos têm deixado ficar mal, preservando a nossa espécie. Mas até quando teremos essa proteção dos “deuses”? Temos de fazer qualquer coisa para ajudar, não será?

Mas Nova Vida virá! Que seja melhor…