Os últimos tempos têm sido relativamente infelizes para a comunidade comunista. Mas, ao contrário do que costuma ser regra para a maioria dos momentos infelizes, estes foram promovidos por uma contínua insistência numa falta de bom senso, que parece longe de terminar.

Se a Rússia se revela orgulhosa por estar na posse da cura «segura» – e, ainda, indevidamente testada – para a Covid-19, não deixa de ser irónico que o comunismo português pretenda ser divergente face ao seu “ídolo” ex-KGB e sinta necessidade, ao invés de aumentar a proteção – nem que ilusória – face ao famigerado vírus, de trabalhar em contracorrente e estimular um festival, num período em que as circunstâncias, um pouco por todo o mundo, ainda são bastante débeis.

Se é óbvio que o anúncio de uma vacina testada por, tão-somente, 38 pessoas remuneradas é precoce e irresponsável, não será menos contestável verificar, num mundo em que a esmagadora maioria dos eventos púbicos foi cancelada ou adiada, que existe um partido democraticamente eleito a transpor os limites do razoável, como se de um Deus sentado na Acrópole se tratasse.

Jerónimo de Sousa, esse ser incompreendido pelo comum dos mortais, veio indicar que a Festa do Avante “não se fará por questões financeiras, mas para dar esperança”. Não quero desconfiar deste “camarada”, até porque se há coisa que me costuma dar esperança são boas festanças. E se me dá esperança a mim, gostaria de saber o que daria a todos aqueles que ficaram com as suas empresas em suspenso, bem como àqueles que perderam o seu emprego em múltiplos setores relacionados com o da organização de festas e eventos. Estes seres – menores e com outra carta de direitos e deveres, na visão dos deuses do PCP – estão proibidos de exercer no seu ramo de atividade e pagar as suas contas, porque existe algo que se estabeleceu como prioridade maior: a saúde comunitária – termo perfeitamente incógnito no dicionário comunista.

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Quem acredita que a discussão sobre esta temática é uma medição de forças entre distintos quadrantes políticos, é porque, infelizmente, é insensível e se move por interesses consideravelmente tenebrosos. Na minha opinião, tão grave quanto vir a realizar-se este evento é o cariz de exceção altamente desrespeitoso que se espoleta face a tantos milhares de pessoas que estão impedidos, recreativa ou profissionalmente, de organizar os seus próprios eventos.

O mais curioso sobre toda esta situação, é o facto de ter ficado indiscutivelmente provado, que o Partido Comunista Português harmoniza duas visões para a economia, que se revelam diametralmente opostas. Uma visão – perpétua e ultrapassada pelo descrédito inerente à repetição excêntrica – é a dos patrões, exploradores e obcecados pelos rendimentos, que farão de tudo para exponenciar o seu lucro. Outra é a do desrespeito pela sociedade em geral e, sobretudo, pela maioria do seu eleitorado envelhecido, ao insistir na realização de um festival que lhe concede uns milhões de lucro anualmente, mesmo que ponha em risco, com esta medida, a saúde de 90% dos seus votantes – idosos que são grupo de risco comprovado desta epidemia.

Apesar do PCP parecer que sai a rir de toda esta situação, o caso ainda pode mudar de figura para estes seres auto-endeusados. Como a maioria das pessoas anda neste mundo há já alguns anos, não será difícil entender que, além do distanciamento social, resultará um distanciamento ao partido. Posto isto, não seria de estranhar se começasse a existir uma transferência de votos mais acentuada entre o PCP e outros partidos, após as últimas questões conturbadas e caso o número de pessoas infetadas suba depois da Festa do Avante. Aliás, a analisar pelo passado recente de outros países europeus, nem anormal seria que o próprio Chega obtivesse votos via perda de eleitorado do PCP. Em França, diferentes análises concluíram que o Partido Comunista Francês perdeu votos que se transferiram para o antigamente designado de Front National, sem passagem pelo centro. Na Alemanha, concluiu-se também, que o partido AfD obteve uma subida expressiva em inúmeros territórios germânicos que, antes, eram dominados pelo ex-RDA. A acrescer a isto, inclusive, algumas sondagens recentes revelam uma subida do Chega em municípios alentejanos.

É lastimoso sempre que identificamos entidades ou indivíduos, que numa sociedade democrática acreditam que têm o rei na barriga. Mas, como nos dizia Carl Sagan: “Não é possível convencer um crente de coisa alguma. As suas crenças não se baseiam em evidências; baseiam-se numa profunda necessidade de acreditar”. Porém, Jerónimo e o PCP apresentam-se, ainda, num estágio superior de fé: já que, para embolsar uns trocos, precisam não apenas de “acreditar”, como pôr outros a acreditar na asnice juntamente com eles.