O opositor mais temido de sempre pela Frelimo por aliar uma inédita força moral ao vasto apoio popular, Venâncio Mondlane, anunciou a 5 de janeiro que chegará ao Aeroporto Internacional de Mavalane, em Maputo, Moçambique, nesta quinta-feira, 9 de janeiro, às 08h05m. Desembarcará pelo seu pé disposto a morrer por não continuar a suportar o assassinato pelo regime, desde 19 de outubro, de centenas de moçambicanos que o apoiam. Se o gatilho for puxado contra o seu corpo também indefeso, o cúmplice da tragédia moçambicana, o Regime Português d’Abril, será arrastado num merecido enterro.

1 Os Novos Pilatos entregaram Mondlane

Desde outubro em África, na Europa e pelo restante Mundo não falta quem escapou à obrigação de fazer muitíssimo mais pela proteção da vida e missão de Venâncio Mondlane em defesa dos moçambicanos, como demonstrou o Partido Chega no Parlamento Português a 18 de dezembro último. Como na época de Pôncio Pilatos, governador da província romana da Judeia, o destino não pede licença para moldar por si mesmo a glória de mais um Grande Homem raríssimo porque quem tem poder insiste em lavar as mãos há mais de dois meses. Mondlane desfez meias-tintas, o que torna o desfecho do processo de fraude eleitoral em Moçambique profundamente distinto do da Venezuela.

A sua decisão adensa o drama afro-europeu, ou euro-africano, de regimes políticos nascidos e vividos condicionados pelas mesmas ações e omissões que escondem o caos, empobrecimento, violência e muito derramamento de sangue pelos quais são direta ou indiretamente responsáveis. Como nas tragédias da moral humana desde a origem, não assumi-las leva o destino a impor a sua cobrança aos responsáveis onde, quando e da forma menos esperada. Aguardemos.

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A violência sanguinária pós-colonial foi sempre endémica no regime da Frelimo, em Moçambique, como no regime do MPLA, em Angola, mal desumano tão indisfarçável quanto impossível de ter perdurado no tempo sem a cobertura internacional ativa em muito assegurada pelo Regime Português D’Abril, a parte europeia dessa trilogia de gémeos. Com a sua lucidez e coragem, Venâncio Mondlane marcou no calendário e no mapa para o próximo dia 9 de janeiro de 2025, em Maputo, o fim de um ciclo desumano transcontinental afro-luso iniciado a 25 de Abril de 1974, em Lisboa.

O desembarque em Maputo de Venâncio Mondlane irá simbolizar o início do segundo ciclo de independências africanas, este entre irmãos africanos determinado pela maturidade moral dos povos que passarão a recusar a violência dos regimes políticos, isto é, o atual mal marxista-leninista-esquerdista instituído em complot internacional.

Venâncio Mondlane corre o risco de perder a vida, e se tal tiver de ser inevitável os poderes do mundo voltarão a sacrificar o Bom e escolher o Assassino. Isso porque já é impossível para sempre distingui-lo dos seus opositores, isto é, desviá-lo da genealogia dos que buscaram o estádio supremo da moral humana, dos que não desistem de lutar contra as injustiças dos donos do poder das suas épocas arrastando multidões, agora com irrefutável sacrifício pessoal, ainda assim recusando-se ao confronto violento, ao derramamento de sangue para cumprir a sua missão em vida.

Venâncio Mondlane segue a pulsão existencial de Mahatma Ghandi, Martin Luther King ou Nelson Mandela. Os últimos venceram e esperemos que também ele. Porém, a nenhum dos antecessores citados o destino impôs que enfrentasse, de peito aberto, um regime em peso dominado pela mais desumana das repressões, a pulsão assassina desenfreada contra pessoas indefesas, e que agora não terá obstáculos em apontar as armas diretamente à cabeça do seu mais temível opositor e, sem a mínima réstia de humanidade, sabemos que não hesitará em culpar o morto. Essa é a identidade originária da Frelimo desde a independência, em 1974-1975. Se mudar a partir de 9 de janeiro de 2025, Venâncio Mondlane terá conseguido completar o milagre em vida, unir a parte que falta dos moçambicanos contra a violência. Tentemos acreditar.

Em qualquer caso, os irmãos moçambicanos, africanos e além de África sabem que não será mais possível ignorar o dever de uma das maiores limpezas morais e existenciais desde que Cristo passou pela Terra para, acima de tudo, proteger os mais pobres entre os pobres, hoje os africanos, tratados pela Frelimo como se tratavam os escravos no circo romano. Por estes dias os referentes maiores salvadores do mundo são, precisamente, Venâncio Mondlane e os moçambicanos.

2 A tragédia grega tornada moçambicana-afro-lusa

Seria fácil compreendermos a origem do Mal Humano se fossemos gregos de há bem mais de dois mil anos, uma vez que nos nossos espíritos partilharíamos o modelo moral do Rei Édipo. Depois bastaria ajustá-lo ao julgamento moral do Rei Marcelo, português pináculo do último meio século de abraços e beijinhos aos irmãos governantes africanos de língua portuguesa, sempre cego à ininterrupta desgraça sanguínea que lhes escorre da alma.

O pai de Édipo, Rei Laio, soube pelo Deus Apolo que ou matava o filho recém-nascido ou o filho iria matá-lo e casar-se com a mãe, a Rainha Jocasta. Laio não tinha escolha fácil. Se cumprisse a ordem ficaria de bem com o Deus Apolo, porém o seu sangue iria ser perseguido para a eternidade pelas Irínias, divindades que não poupavam quem sujasse as mãos com o seu próprio sangue, a prevenção mitológica da guerra civil.

O coração de pai fez Laio escolher o inverso, desobedecer a Apolo, e a desgraça do destino abateu-se na mesma sobre quem mais queria proteger, o seu filho. Este, tornado Rei Édipo, apenas tomou consciência de ter ele mesmo dado cumprimento à profecia de Apolo, que o pai quis afastar do mundo visível, após consumados os factos, pois Édipo desconhecia que Políbio e Mérope não eram os seus progenitores biológicos, antes adotivos.

Édipo cegou-se a si mesmo, abandonou o poder, sem nunca negar as suas responsabilidades de autor do horror do parricídio e do incesto, independentemente das razões dos factos. Até ao fim da vida só se responsabilizou a si mesmo pelo sofrimento com que foi contaminando todos à sua volta, incluindo o seu reino, Tebas. Nunca responsabilizou sequer o seu pai, Laio, muito menos Deus Apolo que lhe impôs um destino terrível por razões insondáveis, porém divinas.

Perto da morte, Apolo perdoou Édipo por este nem sequer ter tentado escapar às desgraças que destino lhe impôs. O Rei Édipo tornou-se uma das figuras mitológicas mais veneradas pelos gregos, e até hoje, por se ter feito a si mesmo modelo de virtude moral, de respeito pela vontade suprema dos deuses ou das leis superiores à sede de poder e vontades circunstanciais dos homens. Isso porque há mais de dois mil anos, como hoje, sem tais garantias a paz e a prosperidade coletivas são impossíveis.

Portugal e as antigas colónias recriaram a mesma tipologia de dilema moral em 1974-1975. Havia que romper com uma ditadura insuportável na metrópole, no Portugal europeu, mas existia também um império de meio milénio em África em guerra. Por breve que fosse, a desordem na metrópole concentraria aí todas as atenções para evitar derramamento de sangue, porém isso obrigaria a entregar depressa os territórios africanos com riscos de orgias sanguinárias. Qualquer decisão seria o menor dos males, para mais naquela época da guerra fria (1945-1991) onde a mão genocida soviética provocaria a fúria das Irínias por causa do derramamento de sangue irmão na parte que ficasse desprotegida.

Como o Rei Laio, houve uma escolha moral: salvar a Metrópole e entregar o Império ao martírio. Todavia, ao contrário da dignidade do Rei Édipo, ao longo do meio século seguinte o regime português sempre tutelado por governos do PS e do PSD que acabariam por coroar o Presidente-Rei Marcelo, nunca parou de cavalgar em omissões e mentiras para escapar à busca livre e genuína da verdade. Em conluio com os regimes pós-coloniais africanos, a Frelimo, em Moçambique, e o MPLA, em Angola, tudo foi moldado para silenciar e esconder os erros próprios, o mal pelo qual são responsáveis.

Tal compromisso imoral uniu-os no descalabro. Portugal falhou e empobreceu no contexto europeu, Moçambique e Angola no contexto africano, com a agravante dos povos destes últimos países não mais pararem de sangrar.

A razão é só uma: continuam por saltar dívidas pesadíssimas à moral e dignidade humanas. Isso porque os donos dos regimes luso-africanos impuseram ou cederam à distopia da «revolução pacífica», quando o 25 de Abril de 1974 legou um lastro das maiores tragédias humanas da história. Para escondê-la, a mesma geração de governantes apagou «convenientemente» do radar da consciência social europeia e africana o sofrimento bíblico de meio milhão dos então portugueses ultramarinos martirizados nos processos de transição para as independências africanas, assim como essa geração de governantes radicalizou a violência do «colonialismo português» até à náusea – com a conivência de académicos, jornalistas e artistas – para camuflar a violência crescente, mil vezes mais sanguinária e socialmente destrutiva dos regimes pós-coloniais africanos de inspiração esquerdista. Bastaria não terem escondido cadáveres, e terem contado e comparado números de todas as variantes de violência antes e desde as independências.

Como que de repente, Venâncio Mondlane fez desabar para sempre esse insustentável falhanço moral transcontinental. Esse Homem tem de continuar vivo por muitos e bons anos.