A afirmação de que a linguagem verbal constitui a forma de comunicação mais útil e eficaz entre seres humanos traduz um reconhecimento trivial de difícil contestação. No entanto, porque agregadora de um conjunto muito amplo e heterogéneo de conceitos cujos significados são nuns casos pacíficos e noutros discutíveis, pouco existe na vida capaz de suplantar o quão traiçoeira e, até, impercetível a linguagem verbal se pode revelar.
É comum assistirmos a debates públicos, sobretudo no domínio político (ainda que não necessariamente conduzidos por políticos), resvalarem em sofismações da realidade justamente porque as palavras – e a acutilância com que são proferidas – podem ser insidiosas.
Nuns casos, a parca densificação de um conceito abre espaço à construção de um cem número de teses falaciosas, e a sua defesa, por quem as deveria rejeitar, fere a clarividência daqueles que não dominam o tema.
Noutros casos, o conceito é, de facto, controvertido e deve, por isso, ser discutido com profundidade, isto é, com consideração dos diversos ângulos de análise. Sendo certo que os diversos ângulos de análise podem ser objecto de diferentes interpretações, é neste âmbito que intervêm por excelência a liberdade de expressão e de opinião, enquanto corolários de um dos mais nobres princípios democráticos: a Liberdade. Neste cenário, o consumidor, auscultador de um debate plural, só tem a beneficiar. Se não dominar o tema, significa que, à partida (a menos que o desinteresse o invada), o processo de formação da sua convicção foi iniciado, o que por si só é já representativo de um avanço. E mesmo que um só debate não seja suficiente para consolidar a sua convicção – geralmente, não é – ele tem sempre a possibilidade de explorar o tema em pormenor a posteriori.
Outras vezes (tantas vezes…) o conceito não oferece discussão, mas a conveniência em mistificar cenários ou resultados leva a que o mesmo seja deturpado. Com a mistificação do conceito visa-se mistificar factos. A mistificação de factos conduz, por sua vez, à mistificação do pensamento alheio e, por inerência, à mistificação da verdade: as árvores, tal como os humanos, têm braços, logo, as árvores são humanos.Silogismos à parte, a verdade é que, apesar de todos sabermos que uma mentira dita muitas vezes não se torna verdade, num tal cenário de repetição ela tende a aparentar-se com esta. Quem sofre? O ouvinte interessado.
Pior do que não se alcançar o significado de um conceito é, sem dúvida, julgar que se alcançou. Se no primeiro caso, a razão, não sendo convocada a intervir, poupa-nos ao exercício de discernir sobre ele; no segundo, pensando que o decifrámos, a razão intervém realmente, mas apenas para nos oferecer ilações obscurecidas pela incompreensão. A incompreensão assim provocada, e personificada na forma de erro, no qual ninguém gosta de incorrer, ceifa os caminhos para a descoberta da verdade. O problema é tanto mais grave quanto maior for a importância do tema em debate e tanto mais adensado quanto menor for o conhecimento daqueles que dele falam. Note-se que o emissor pode dar como certo o que diz erradamente sem sequer visar deturpar algo deliberadamente (diga-se com justiça que o problema nem sempre se coloca no plano das intenções. Mas é pelo facto de serem várias as áreas do saber que o conhecimento técnico especializado se afigura hoje como uma mais-valia).
É da confluência de todos estes factores que se criam conceitos sobre conceitos, verdades sobre mentiras e mentiras sobre verdades, dando-se à verdade uma aparência multidimensional que, no contexto em que é sofismada, ela não tem: para um facto, uma verdade; para vários factos, várias verdades.
Por isso, mesmo que a retórica pereça, o mais importante é que a verdade seja sempre tratada com verdade. Afinal, bem vistas as coisas, é só isso que nós, consumidores interessados, pedimos… Não é verdade?