É frequente sermos confrontados com situações que nos impedem de manifestar, livre e espontaneamente, as nossas convicções e os nossos pensamentos.

Se em contexto profissional é pacífico que muitas das nossas ideias devem ser temperadas e não difundidas tal como as pensamos, sob pena das consequências que daí poderão advir e que, no limite, poderão ditar o nosso despedimento, não menos pacífico é que, em certos círculos de pessoas, designadamente familiares, muitas das nossas convicções devem ser transmitidas de forma igualmente cautelosa, de modo a que a divergência entre as mesmas e os valores de quem nos educou e tentou incutir não seja ostensivamente denunciada.

Até aqui – por mais que nos irrite não poder exprimir “o que nos vai na alma” de forma intelectualmente honesta e sincera – tudo bem. Não há volta a dar. É um esforço de adaptação constante aos mais distintos contextos sociais que temos de envidar ou, noutra perspetiva: Um sacrifício a que temos de submeter a nossa liberdade de expressão, em prol das denominadas “regras de etiqueta”.

Situação distinta, mas comum, é aquela em que deixamos de exprimir a nossa opinião simplesmente pelo medo da reacção que certa pessoa teria se o fizéssemos, em virtude do seu ínfimo, ou mesmo inexistente, poder de encaixe. Ou, mais precisamente, por força da sua personalidade “ultra-sensível”.

A abundância destas personalidades ultra-sensíveis na sociedade portuguesa é na minha opinião elevada. Não o afirmo por divertimento, tão-pouco por lazer, mas pelo que a minha – ainda singela – experiência de vida me vai mostrando, nomeadamente quando, ao conviver com cidadãos de outros países me apercebo que dificilmente encontro semelhantes figuras.

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O problema não está, porém, em ser-se ultra-sensível, por si só, mas sim, quando procuramos decalcar a fundo o impacto deste indivíduo no seio da sociedade em que nos inserimos: É que o sensível, ou melhor, o ultra-sensível, é aquele que constantemente nos manipula e instrui a não sermos verdadeiros, que apenas está disponível para ouvir a verdade com panos quentes ou eufemizada, a diva que, do alto da sua imaginária poltrona, denota sérias dificuldades em lidar com a validade de opiniões contrárias à sua e que facilmente resvala numa crise de ansiedade quando essa opinião distinta surge.

Em suma, o irascível detentor da razão que coage moralmente muitos a não ousarem enfrentá-lo e que, por essa razão, se revela um fiel inimigo da liberdade de expressão (quem não conhece alguém a quem não ousaria emitir certas opiniões, levante a mão!).

Ora, este problema pode assumir contornos sérios, quando percebemos que algumas destas figuras de proa, a quem pouco, ou nada, se pode dizer, têm a veleidade de ostracizar e difamar aquele que, com toda a serenidade e cuidado, se limitou a expressar um mero ponto de vista.

Não sou estatístico, muito menos senhor da razão, mas creio que o ressentimento e a aversão constantes a opiniões contrárias à sua fazem do ultra-sensível um dos mais bem-sucedidos na prática de hostilizar, em Portugal.

E isto porque, na ótica do ultra-sensível e dos seus mais devotos seguidores, o mal nunca deriva da total ausência de poder de encaixe da sua parte, mas antes, do que lhe foi transmitido.

Dito isto, não ponho num pedestal aquele que sempre se recusou a sucumbir ao temor reverencial de expressar livremente a sua opinião ao ultra-sensível, pois o mero exercício de um direito constitucionalmente consagrado jamais poderá representar motivo para enaltecimento de quem quer seja.

Contudo, num País em que o exemplo que nos é dado pelas suas mais altas instâncias é o de considerar ofensiva a pronúncia da palavra “vergonha”, registo a sua firmeza.

Na verdade, sendo várias as situações em que, pela sua natureza e contexto, nos temos inevitavelmente de conter, não estou disponível para compactuar com mais nenhum obstáculo à minha (à nossa!) liberdade de expressão.

E embora deva, claro, existir delicadeza na forma como tecemos algumas considerações ou manifestamos certas ideias, esse cuidado deve ser preservado nas relações que estabelecemos com qualquer indivíduo, e não apenas quando lidamos com o ultra-sensível, já que este não goza de um estatuto especial ou superior a ninguém.

Desenganem-se os ultra-sensíveis e todos aqueles que o acham, de uma vez por todas!