Hannah Arendt é a mente mais esclarecida que tive o privilégio de conhecer. Já anteriormente a evoquei, nomeadamente, na reflexão que ela fez sobre as ideias de Francis M. Cornford acerca da separação entre os homens do pensamento e os homens da politika. Nos parâmetros aqui considerados, voltar a referenciar The Human Condition (1958) é pertinente.

Mas foi noutro num texto de Hannah Arendt, “Truth and Politics“, que me inspirei para escrever esta crónica. Datado de 1967, este texto foi originalmente publicado no The New Yorker, e posteriormente incluído no livro de ensaios Between Past and Future (1968). Nesta reflexão, a autora nota, e bem, que “a marca distintiva da verdade de facto está em que o seu contrário não é nem o erro nem a ilusão, nem a opinião, nenhuma delas tendo a ver com a boa fé pessoal, mas a falsidade deliberada ou a mentira”.

A verdade e a política nunca tiveram boas relações. Ao longo dos tempos, a mentira tem sido percepcionada como um instrumento necessário, quiçá até legítimo, à condução dos assuntos públicos. Em determinados contextos, e nunca em proveito do interesse pessoal e/ou partidário, pode, eventualmente, ser necessária. Porém, como regra é inaceitável. É facilmente comprovável que a prática da mentira, por aqueles que nos governam, não é novidade nenhuma.

Antes de abordar as implicações do uso da mentira, convém realçar que o comportamento e os processos mentais dependem unicamente duma escolha individual. Essa escolha pode depois ser praticada apenas por um ou pelo grupo, sendo bastante plausível que o exemplo do líder incentive e amplifique esse comportamento.

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Não há ninguém que seja 100% moral e/ou verdadeiro. Essa possibilidade é impedida pela própria natureza e pela condição humana. Até por amor mentimos. Por outro lado, penso que todos seremos 100% humanos. Como tal, a distinção reside na decência e na possibilidade para aprender com os erros, pois a opção pela mentira afasta-nos dos factos que fazem a realidade e conduz-nos às narrativas alternativas das ilusões. Há uma diferença substancial entre uma ilusão e um sonho. É na realidade que vivemos. E é a realidade que é afectada pelas decisões dos nossos governos. Consequentemente, quem sofre somos nós.

Ovídio estava errado. Os fins não justificam os meios. Mas, aparentemente, também os pressupostos de Aristóteles já não são integralmente aplicáveis. Aparentemente.

A mentira assume outra dimensão e outra relevância quando é praticada pelos governantes. Estes, tal como os restantes cidadãos, possuem deveres e direitos. Contudo, ao serem democraticamente eleitos, os representantes da população nos cargos públicos adquirem poder e responsabilidade acrescidas, pois cabe-lhes decidir pelo todo da sociedade, desejavelmente, porque nem sempre o fazem, em conformidade com a lei.

José Sócrates e António Costa são dois mentirosos compulsivos. Seja por excesso, seja por defeito, perverteram as virtudes aristotélicas. E o pior é que o fizeram, e fazem, conscientemente, pois é deliberadamente que optam por mentir. Infelizmente, fizeram escola. A mentira é hoje a prática oficial do partido socialista e do governo português. Só a contragosto, e mesmo assim só depois da pressão da opinião pública, é que assumem alguma responsabilidade.

“Desde a I República que não aparecia um cacique da envergadura do Dr. Costa na cena política portuguesa, pronto a meter o país no fundo por vaidade pessoal ou conveniências partidárias”. Vasco Pulido Valente tinha razão. Pobres de nós!

Completamente absorvido pela mentira que criou, qual muro divisório que alimenta, António Costa colocou à frente do bem-estar dos portugueses os interesses pessoais e partidários. A manutenção do poder é o seu único objectivo. E este é o problema. António Costa nem por amor mente. Mente para o seu interesse próprio.

A mentira é um autêntico cancro. E é através da ramificação das suas metástases – a partidarização da administração pública, principalmente aquela que está a tomar conta dos reguladores – que António Costa, com a cumplicidade do Presidente da República, está a consolidar o seu projecto de poder.

Numa altura em que a abundância da cornucópia europeia vai voltar a ser sentida, é fundamental que os reguladores cumpram as suas obrigações. Caso contrário, será mais uma oportunidade perdida. E, como habitualmente, enquanto uns beneficiarão com os fundos europeus, o país continuará a ser pobre.

Portugal não precisa de mais mentiras e ilusões. Portugal precisa de quem saiba que os portugueses lidam com qualquer realidade, por mais difícil que seja. Portugal precisa de quem acredite na individualidade, capacidade e liberdade dos portugueses. E é aqui que está a base da mudança imprescindível para um melhor governo de e para todos: urge ter nas autarquias, nos parlamentos e nos governos regionais e nacional pessoas confiáveis e que confiam, para repor a confiança como eixo fundamental do equilíbrio de poderes, como o cimento do Estado de Direito.

Mas nada disto será possível sem governantes responsáveis e responsabilizáveis. Esta é que é a verdade!