Segundo a Comissão Europeia, e a maioria dos políticos europeus, a transição verde é suposto ser tanto uma forma de combater e mitigar o efeito das alterações climáticas, como uma estratégia de crescimento económico. Para os defensores da bondade económica do Green Deal (e a escolha do nome não é acidental), ao antecipar-se ao resto do mundo e impor primeiro regras que obrigarão as indústrias europeias a emitir menos CO2, a consumir menos energia, a produzir produtos menos poluentes, a Europa conseguirá liderar e dominar nas indústrias, tecnologias, e normas de uma nova economia verde.

Mesmo admitindo que o raciocínio está correcto e, até, que é inevitável porque a resposta às alterações climáticas é necessária, pelo que mais vale chegar primeiro e liderar, sobram dois grandes problemas: quem paga, e quem de facto beneficia dessa nova economia? Ou, dito de outra forma, de onde vêm os 520 mil milhões de euros que a Comissão estima serem necessários investir todos os anos, durante os próximos dez anos, e quem é que vai comprar o quê a quem, com esses euros todos? As respostas a estas duas perguntas são tudo menos irrelevantes.

Comecemos pelo fim. Se amanhã passarmos todos a andar de bicicleta, a benefício do clima, da saúde e do que mais seja, ainda assim há uma enorme diferença entre quem as vende e quem as compra. Uns, serão os produtores da dita nova economia verde, os outros serão os consumidores. Uns, ficam a ganhar. Os outros, não necessariamente. É aqui que começa o outro problema. Tanto para uma coisa como para outra é preciso ter dinheiro. E saber gastá-lo.

Desde a assinatura do Memorando de Entendimento com a Troika que as imensas virtudes de aderir à União Europeia passaram a ser vistas em Portugal com muito maiores reservas. Perante a enorme dívida do país e a dificuldade em financiá-la, houve mesmo quem desenvolvesse a teoria de que na verdade a culpa da nossa miséria era de Bruxelas, e em particular dos terríveis alemães, que nos tinham inundado de dinheiro fácil, gratuito ou barato, para nos endividarmos a comprar os carros e as máquinas deles. Ora, se não queremos estar daqui a dez ou vinte anos a dizer que nos obrigaram a comprar os carros elétricos, a energia eólica, o hidrogénio, as baterias, ou o aço, tudo muito verde, que eles produzirão, temos de usar o dinheiro que venha a haver para produzir, e não apenas para consumir. Essa é a primeira grande pergunta que se devia estar a fazer ao uso do dinheiro do Plano de Recuperação e Resiliência, que obriga a que uma parte do dinheiro seja gasta na transição verde e outra na transição digital. No final, vamos ser mais competitivos na economia verde e na economia digital, ou vamos ser mais consumidores? Não é nada a mesma coisa.

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A segunda pergunta tem obviamente que ver com esta. Consumidores ou produtores da economia verde e da economia digital, em todo o caso será necessário dinheiro, para investir ou para gastar. E onde está o dinheiro?

Tradicionalmente, o dinheiro está com quem o tem. Ou seja, o dinheiro está nos países que têm orçamentos que lhes permitem gastar e empresas privadas com capacidade para investir. Duas coisas que Portugal tem pouco. Como é que isso resolve? Depende, em grande parte, do que os alemães e os outros europeus decidam.

O Next Generation EU era suposto ser uma vez sem exemplo. Numa circunstância excepcional, a União Europeia endividava-se sozinha para que os Estados membros todos pudessem gastar conforme as suas necessidades, e não apenas conforme as suas possibilidades. Solidariedade excepcional perante uma crise excepcional. E foi assim que se conseguiu. Há, porém, uma discussão em curso, em Bruxelas, mas em Paris e Berlim também, que pode levar à repetição do irrepetível.

Para os países endividados até ao limite, a possibilidade de contribuir para os tais 520 mil milhões por ano é, no mínimo, duvidosa. Não tendo orçamento nem se podendo endividar, o mais provável é que não consigam investir. E, talvez, nem mesmo comprar.

Para os países ricos, porém, e excepcionalmente, pode haver dois incentivos para que se repita o exercício da dívida comum. Os alemães, apesar de não terem os nossos problemas, longe disso, também estão impedidos de se endividar (a diferença é que é porque não querem, não é porque não podem). E, por isso, admitem recorrer ao mesmo mecanismo do Next Generation EU. Isto é, em Berlim começa a admitir-se que para fugir à proibição de endividamento para lá dos limites da Constituição, a solução passa por se endividar a União Europeia (e, de caminho, fazer chegar dinheiro a quem lhes pode comprar). Uma ideia que, sem surpresa, portugueses, espanhóis, italianos, e mesmo franceses, vêm com bons olhos. Ao contrário dos holandeses e outros frugais, claro. Isto significa que quando se começar a discutir a revisão das regras do Pacto Orçamental, muito provavelmente ao longo do próximo ano, se vai discutir, também, esta possibilidade de usar dívida europeia para pagar o investimento europeu na transição verde. Mas, desta vez, o critério para distribuir esses fundos não será certamente o da necessidade. E voltamos ao problema inicial.

Haja ou não mais dinheiro, é melhor começarmos a ver se estamos a gastar bem o pouco que há. Se não queremos acabar, muito ecologicamente, a comprar o que os outros europeus produzem. Tudo verde, claro.