Mais do que o horror daquele sábado, foram algumas das coisas ditas e escritas nos dias seguintes, aqui perto de nós, que me motivaram a um gesto de solidariedade com amigos. E foi a resposta deles que me recordou quão perto estamos sempre de regressar ao inferno.

O horror do ataque terrorista do Hamas, no sábado passado, devia ser tão evidente que a ninguém ocorreria hesitar na reacção. Seja o que for, seja em que circunstâncias for, a brutalidade, desumanidade, violência e, sobretudo, a intencionalidade têm de ser rejeitadas. Sem mas, sem contexto, sem mais nada. Como no dia seguinte ao ataque às Torres Gémeas. Podíamos pensar o que quiséssemos sobre a América, o Ocidente, a política externa americana. Sobre o que fosse. Mas no dia seguinte ao ataque bárbaro e intencional a civis indefesos, estamos solidários com as vítimas, as famílias das vítimas, os amigos das vítimas.

Pensava que era aqui que estaríamos. Numa espécie de 12 de Setembro, de dia seguinte. Com a particularidade de que este ataque ainda não acabou. O Hamas continuou a disparar rockets e, sobretudo, de novo, a fazer dos civis reféns. E, consequentemente, Israel a defender-se desse ataque. É uma guerra. E isso – a guerra – faz outras vítimas.

Podemos em breve chegar a 13 de Setembro, aos dias depois do ataque, em que é normal discutir, duvidar, criticar a resposta ao ataque, a reacção. E nada disto nos impede de ter criticado e de voltar a criticar os erros, defeitos e males em Israel. Se os israelitas o fazem, quem seríamos nós para não o fazer? Mas – agora, sim, mas – nada disso diminui a repulsa pelo que aconteceu, o nosso horror e a nossa empatia. Pensava eu. Mas estava enganado.

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Nos dias seguintes ao ataque do Hamas houve mesmo quem o defendesse. Quem dissesse que os palestinianos tinham o direito de se defender “por qualquer meio”. Incluindo aquele que tinha acabado de acontecer, portanto. Houve quem cantasse a morte aos judeus, em Sidney, e quem fizesse grafitis numa sinagoga em Portugal, no Porto.

São poucos, representam pouco, não serão consequentes? Talvez. Mas não podem passar em silêncio. Incitar ao ódio é crime. Não reagir a quem o faz, é crime de omissão.

No meio desta obscenidade, lembrei-me de mandar um abraço público aos meus amigos judeus, e aos que têm amigos ou família em Israel. Todos bem, ou não, não sei. Nem sei se eles sabem. Tive vergonha de perguntar porque serem os amigos e familiares deles ou não, não faz diferença nenhuma.

Na volta recebi a mensagem de uma amiga a dizer que essa palavra inconsequente tinha, ainda assim, significado e importância. Como se fosse preciso dizer aos meus amigos judeus que aqui não toleraremos que sintam medo? Sim. Porque é preciso dizer-lhes isso. Quase oitenta anos depois do Holocausto e de termos prometido que nunca mais.

O que aconteceu no fim de semana passado em Israel, e que ainda não terminou porque os ataques prosseguiram e os reféns continuam lá, lembrou-nos que o objectivo de um grupo terrorista como o Hamas é matar judeus. Todos. E, pior que isso, lembrou-nos que esse ódio tanto chega a Sidney como ao Porto.

Podemos discutir tudo, mas se não recusamos isto estamos indefesos perante a barbárie. De novo. E se estivermos em silêncio, somos cúmplices.