Durante praticamente uma hora, Ursula Von der Leyn fez um breve balanço do que fez nos últimos 4 anos e falou longamente do que acha que a Europa precisa de fazer nos próximos tempos. E do que a sua Comissão Europeia ainda fará, nos 9 meses úteis que lhe restam. Mas não só.

A primeira nota do discurso do Estado da União da presidente da Comissão Europeia, feito esta quarta-feira, em Estrasburgo, tem de ser para registar a quantidade de temas que têm e só podem ter escala europeia. Por mais que alguns insistam na irrelevância internacional da Europa, como se só se pudesse ser superpotência ou coisa nenhuma, o que Von der Leyen indicou como prioridades prova o óbvio: a maior parte do que condiciona o nosso mundo e o nosso modo de vida é discutido à escala europeia e à escala global. Onde países como Portugal, isoladamente não teriam grande coisa a dizer. E mesmo países como Itália, França e Alemanha, todos do G7, teriam menos do que têm.

Os governos nacionais ainda contam. A política, boa ou má, que escolhemos, conta. E muito. Mas da relação com a China à relação com os Estados Unidos da América, da reacção à invasão russa da Ucrânia à procura de aliados entre os países do continente europeu e nos parceiros próximos e distantes, da regulação da inteligência artificial ao acesso a matérias primas raras, dificilmente mais alguém no mundo, para além de nós, prestaria atenção se fosse proposto pelo nosso governo ou decidido na Assembleia da República.

Isto tem duas consequências. Uma, percebermos que fazemos parte desse processo. A outra, fazermos de facto.

Nada do que ali foi dito nos é irrelevante. Mesmo que muito seja demorado, decidido num processo longo e muito negociado, e que os alemães, os franceses, os italianos, os espanhóis ou os polacos contem mais que nós. De resto, lendo o discurso vemos bem como algumas das suas preocupações foram ter directas ao discurso da presidente da Comissão. A investigação anunciada aos subsídios chineses aos veículos elétricos, que os tornam artificialmente mais baratos, foi um exemplo manifesto do empenho do governo francês. O pacote sobre energia eólica há-de ter deixado interessados muitos dos países do norte da Europa. Ao mesmo tempo que o custo da produção solar – onde temos vantagens e interesses – corre o risco de se agravar. Precisamente por causa da relação com a China. Assim como é a pensar na China e na transição verde que se fala tanto de matérias primas, como o lítio, que temos, que pode ser crucial na estratégia europeia e que nos pode fazer mais relevantes do que normalmente somos.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

A consequência desta conclusão deveria ser, portanto, discutirmos isto tudo cá. Não para nos convencermos de que somos nós que decidimos tudo. Mas para não deixar que pareça que não decidimos nada. Nem sequer a nossa posição.

Consideramos estratégico o alargamento da União Europeia? (Espera-se que sim.) Compreendemos e queremos o efeito da posição em relação à China, que fala de reduzir o risco, mas não toda relação comercial? Estamos de acordo com a estratégia de subsidiar investimentos europeus? E com que fundos? Os que cada país tiver? Achamos necessário adaptar o progresso das políticas da resposta às alterações climáticas à capacidade da indústria e da agricultura? Há que fazer escolhas entre uns e outros? E que papel temos na necessidade de renovar a relação da Europa com África e a América Latina, onde estão tantas matérias primas raras e, ao mesmo tempo, interesses concorrentes e desestabilizadores?

Ursula Von der Leyen explicou que a Europa geopolítica, que defendeu no início do seu mandato, se concretizou. Por mérito ou força das circunstâncias, tanto faz.

De resto, a nossa relação com África e, sobretudo, com o Brasil, foi obviamente um critério que contou para a entrevista que o Presidente Zelensky deu à RTP. Chegar em português a África e ao Brasil. Isso pode nos dizer alguma coisa sobre a nossa posição no lugar que a Europa quer ocupar no mundo.

Seria uma pena que só olhássemos para os fundos.