A violência intrafamiliar é um padrão de comportamento que envolve agressão ou outro tipo de abuso perpetrado num contexto doméstico (num ambiente de intimidade) por parte de uma pessoa relativamente a outra, como um elemento do casal, crianças, adolescentes ou idosos.
Segundo dados estatísticos sobre a Violência Doméstica (Portal Portugal.gov.pt), os crimes registados no período entre outubro e dezembro de 2023, cometidos em contexto de violência doméstica e homicídios voluntários em contexto de Violência Doméstica, na Rede Nacional de Apoio a Vítimas de Violência Doméstica dizem respeito a 1296 pessoas, sendo 50,8% mulheres, 47,5% crianças e 1,7% homens.
Sendo um fenómeno transversal a toda a sociedade, independentemente da idade, sexo, etnia, orientação sexual, classe social ou localização geográfica (Richards, Letchford & Stratton, 2008), a violência doméstica é hoje amplamente reconhecida como um grave problema em matéria de direitos humanos e de saúde pública (Organização Mundial de Saúde, 2005).
Infelizmente, este tipo de violência sempre existiu, foi até tolerada ou aceite pela sociedade, durante séculos, como forma de educação e promoção de determinados valores sociais. Nos últimos anos, tem-se assistido a um crescente interesse e preocupação pelo tema da violência intrafamiliar, o qual passou a ser alvo de estudo de medidas de intervenção, nomeadamente na procura de formas eficazes para a sua prevenção.
A violência sofrida por um individuo no seio da sua família de origem tem um forte impacto na sua vida, não apenas nas suas relações afetivas, nomeadamente afetando o seu modelo de relacionamento amoroso, mas também noutras dimensões, permitindo, por exemplo, que este legitime a violência como estratégia de resolução dos conflitos com que se confronta.
Se a violência entre adultos não é um comportamento aceitável na sociedade em que vivemos, também não é possível admiti-la nas relações entre pais e filhos. No entanto, a avaliar pela nossa experiência, a maioria esmagadora das famílias portuguesas considera que” quando é necessário”, o castigo físico é uma forma legítima de educar. Muitos pais continuam a acreditar que, tanto o castigo físico (“umas palmadas”) como a agressão verbal (gritos, insultos e humilhações) podem ou devem fazer parte da educação dos seus filhos. A utilização destes comportamentos agressivos baseia-se na crença de que são relevantes para mostrar a sua autoridade como pais.
Ao usar a violência física ou psicológica na relação com os filhos, os pais ensinam-lhes que a humilhação e a prepotência são meios para se alcançar o que quer que seja. Fazem-no, muitas vezes, sem que se apercebam de que através deste modelo de comportamento violento, os pais reforçam nos filhos o sentimento de uma baixa autoestima, prejudicando a sua saúde física e emocional, o seu desenvolvimento cognitivo e o relacionamento que estabelecem com outras pessoas.
A punição física pode desenvolver nas crianças dúvidas sobre a consistência do amor dos pais, o sentimento de não serem amadas e a tentação de se atribuírem a si próprias a responsabilidade dessa rejeição – “os meus pais não gostam de mim porque eu não presto”, ou “os meus pais não gostam de mim porque eu não me porto bem”. Os pais usam a punição física pensando que é uma solução rápida de um problema, mas o castigo corporal faz com que a criança julgue que o amor parental lhe vai ser retirado. Os castigos “não corporais” e o diálogo são sempre melhores do que o uso da punição física.
A Constituição da República Portuguesa, refere no seu nº 2 do Artigo 13.º, referente ao Princípio da Igualdade, refere: “Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual” (cit.).
O código penal português, no seu artigo 152.º refere que exerce violência doméstica: “Quem de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações de liberdade e ofensas sexuais” (cit.).
A violência doméstica engloba diferentes tipos de abuso, podendo assumir diferentes formas de privar a pessoas dos seus direitos e recursos fundamentais, como a sua liberdade e a segurança. A violência emocional corresponde a qualquer comportamento que cause danos afetivos, de um companheiro em relação ao outro, de pais para com os filhos, de pais para com os avós, que vise fazer o outro sentir medo ou sentir-se inútil, incluindo comportamentos como ameaçar o outro, humilhá-los na presença de amigos, familiares ou em público, entre outros efeitos.
Outra forma é a da violência social que corresponde a qualquer comportamento que procure controlar a vida social do outro, por exemplo, impedindo que este(a) visite familiares ou amigos, inibindo o uso do telefone ou realizando o controlo das chamadas e das contas telefónicas, ou mesmo prender/trancar o outro em casa.
Na violência física, ocorrem agressões intencionais ou impulsivas, causando prejuízos físicos a outro, um agressor(a) inflige dor física a outro, através de comportamentos como o esmurrar, pontapear, estrangular, queimar, induzir ou impedir que o outro obtenha acesso a medicação ou a tratamentos.
A violência sexual corresponde a qualquer comportamento em que um agressor força outro indivíduo a consumar atos sexuais que não deseja. São exemplos deste tipo de violência, o pressionar ou forçar o companheiro para ter relações sexuais quando este não quer, ou tentar que o companheiro mantenha relações sexuais desprotegidas, ou ainda forçar o outro a ter relações sexuais com terceiras pessoas.
A violência financeira é qualquer comportamento que intente controlar o dinheiro do outro quando este dele necessita. Alguns exemplos destes comportamentos podem ser o controlar o ordenado do outro, recusar dar dinheiro ao outro, forçá-lo a justificar qualquer gasto, ou ameaçar retirar o apoio financeiro, como forma de controlo.
A perseguição é qualquer comportamento de vigilância relacional, que visa intimidar ou assustar o outro. Por exemplo, telefonemas, envio de mensagens constantes, monitorização da atividade online, seguir o outro para o seu local de trabalho ou quando este(a) sai sozinho(a), controlar constantemente os movimentos do outro, quer esteja ou não em casa, gerando um clima de medo e terror na vítima.
A definição de violência doméstica envolve a adoção de comportamentos de agressão, abuso de poder ou omissão, nos quais uma pessoa inflige algum tipo de sofrimento e procura o controlo da outra. A violência doméstica é um grave problema em matéria de direitos humanos e pode ser associada à alienação parental.
A violência intrafamiliar é um problema de alta complexidade, uma vez que os agressores não são pessoas desconhecidas, mas adultos, pais, mães, membros da família extensa ou outros responsáveis, que mantêm com as vítimas relações próximas e vínculos afetivos. O enfrentamento desse problema requer ações preventivas, nomeadamente por meio da dinamização de grupos de pais, educadores, profissionais da área da saúde, que possibilitem a troca de experiências e reflexões sobre as relações familiares, para se procurarem soluções para uma transformação construtiva de comportamentos e atitudes neste tipo de dinâmica familiar violenta, com o objetivo de proporcionar aos pais uma prática educativa mais saudável para o bem-estar físico, social, emocional, cognitivo e comportamental das vítimas, nomeadamente das crianças (Delgado-Martins, E., 2019).
A violência doméstica é um problema de elevada gravidade, que afeta negativamente a integridade física e emocional da vítima e o seu sentimento de segurança, que deve ser constantemente combatido por todos, num compromisso coletivo, através da prevenção, planeada e estruturada, da implementação de políticas públicas.
Em Portugal, a violência doméstica é crime público e denunciá-la é uma responsabilidade coletiva de toda a sociedade.