Muita gente em Portugal, e muitos nas esquerdas, defendem a independência do Estado em relação ao poder financeiro e uma supervisão eficaz do sector bancário. Estão absolutamente certos. Consideram ainda que em grande medida a crise financeira, económica e política resultou de uma cumplicidade nada transparente entre governos e bancos. Mais uma vez, estou de acordo. No entanto, atribuem as virtudes da independência e da supervisão rigorosa à esquerda. A direita, sobretudo na versão “neo-liberal”, é acusada de cumplicidades duvidosas e interesseiras com a “banca”, uma expressão que gostam muito de usar. Obviamente, aqui, discordo. Para mostrar porque discordo recorro a dois exemplos e à realidade recente.

O primeiro exemplo: José Sócrates, primeiro-ministro de Portugal, entre 2005 e 2012, e então líder do Partido Socialista. E agora parece que se tornou mesmo uma referência da esquerda do PS. Como foi a relação do Primeiro Ministro socialista com a banca? Nomeou “camaradas” para o quadro executivo da Caixa Geral de Depósitos. Quando o maior banco privado da altura, o BCP, passou por uma crise profunda, aproveitou para tomar conta do banco, para onde transferiu os “camaradas” que estavam na CGD. Quanto à supervisão do sistema bancário, o então governador do Banco de Portugal ficará conhecido pelo que (não) fez no caso BPN.

Segundo exemplo: Pedro Passos Coelho, primeiro-ministro de Portugal desde 2012, tem respeitado de um modo absoluto a independência do governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, e este tem revelado eficácia e rigor nas funções de supervisão. Escolheu dois ministros das Finanças que podem ser criticados por várias razões, mas que ninguém isento pode acusar de relações próximas com a “banca”. Pelo contrário, mostraram sempre no exercício das suas funções uma independência absoluta em relação aos bancos privados. Por fim, o actual governo recusou intrometer-se na crise do BES, mostrando uma fidelidade total à separação entre o poder executivo e o sector bancário privado.

Ou seja, o governo socialista intrometeu-se na gestão de um banco privado e mostrou uma cumplicidade evidente com a “banca”. O governo de direita recusou essa cumplicidade e tem sido exemplar na sua supervisão. Num país onde muitas vezes as coisas não são o que parecem, um governo de direita praticou as virtudes que a esquerda apregoa; e um governo socialista seguiu o pior da suposta via “neo-liberal”. Percebo agora por que razão um dia Sócrates se apresentou numa entrevista como “o líder politico que a direita gostaria de ter tido”. Naturalmente, do que ele julga que é a direita. O que diz muito mais sobre ele e sobre uma certa esquerda socialista do que sobre a direita. Seria bom que aprendessem alguma coisa com as virtudes liberais do actual governo.

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