No Natal há pequenas mentiras com que por vezes se iludem as crianças. É o caso do Pai Natal. Nas eleições há muita dissimulação, para não dizer mentira, que ilude os eleitores. A estratégia que os mentores de marketing recomendam é que os partidos sejam ambíguos nas suas propostas de modo a poderem ser catch all, isto é, poderem alcançar o máximo de eleitores com perspetivas diferentes sobre as várias políticas. Isto significa, na prática, os partidos pedirem não só o voto, mas um cheque em branco, não apenas no sentido figurado, mas real. Em cada ano da legislatura os partidos recebem um financiamento que é função do número de votos em urna. As próximas eleições, não podem ser apenas a consagração de um novo parlamento que já sabemos vai ser mais fragmentado, e que, a muito custo e com provável instabilidade, dará um apoio a um precário novo governo da república. Se este é o desfecho político inevitável, ao menos que sirva para renovar o debate sobre as políticas públicas. Deixo aqui algumas, das múltiplas perguntas, que seria útil que os dois candidatos a primeiro-ministro (Pedro Nuno Santos e Luis Montenegro) respondessem – e também os partidos que com quem for primeiro-ministro firmarão um acordo (ou no mínimo viabilizarão o programa de governo) – sob pena de estarem a pedir aos portugueses um cheque em branco.
Saúde – O SNS não está um caos, mas apresenta vários sérios problemas. Está a iniciar-se a maior transformação do SNS das últimas décadas com a criação da Direção Executiva do SNS. É para prosseguir esta reforma? Como dar estabilidade ao corpo clínico do SNS, na presença de um setor privado mais atraente em termos remuneratórios e, por vezes, também em condições de trabalho sem fazer disparar a despesa pública?
Habitação – É das maiores crises que vivemos atualmente com os cidadãos nacionais a serem remetidos para a periferia dos centros urbanos e muitos a viverem em condições sub-humanas. A Habitação subiu, neste governo, o seu peso político a ministério. É para manter? Qual a política de atualização de rendas? Que medidas para o alojamento local? Que outras medidas para facilitar este direito constitucional?
Justiça e investigação criminal – A crise política atual mostrou sérios problemas na atuação do Ministério Público (MP) que agora afetou o governo de António Costa, mas antes já tinha bafejado Rui Rio. Que propostas para uma melhoria de desempenho do MP nomeadamente tendo em conta a experiência de outros países? Uma justiça demasiado lenta como a nossa não é justiça. Fez agora 9 anos que Sócrates foi detido e há agora risco de prescrição de crimes da operação Marquês. Que propostas para acabar com o excessivo uso de mecanismos dilatórios injustificados que arrastam processos, evitam julgamentos e fazem prescrever crimes? Que outras medidas para melhorar a eficiência do sistema judiciário?
Administração pública – Os partidos acham que o problema remuneratório é só dos professores do básico e secundário ou de todas as carreiras da administração pública? (é claro que é geral e não específico, mas era bom sabermos as opiniões). Tendo em conta que não há nenhum estudo sério sobre o impacto orçamental da reposição da contagem do tempo de serviço (a UTAO ainda não o conseguiu fazer), que promessas vão fazer para os professores e para os outros trabalhadores em funções públicas?
Ensino – Os resultados do PISA 2022 sobre a aprendizagem dos jovens de 15 anos foram muito maus. Pode-se justamente atribuir parte da explicação quer à pandemia quer à instabilidade permanente das escolas derivadas de persistentes greves intermitentes. Mas não chega. As políticas públicas também afetaram o desempenho. Curiosamente estes foram os primeiros jovens avaliados pelo PISA que não foram objeto de prova de 4º ano (abolida em 2015 nas primeiras medidas da “geringonça”). Será que fez sentido ou importa reverter essa decisão? Que propostas para a estabilidade da escola pública, a formação de professores e para a melhoria das aprendizagens?
Infraestruturas – Há duas infraestruturas que se discutem há mais décadas (Aeroporto) ou menos décadas (TGV). No que toca ao aeroporto foi acordada uma metodologia entre PS e PSD. Existe um sólido Relatório de uma Comissão Técnica independente (CTI) que permite fundamentar uma opção política. O partidos têm dois meses para estudar o relatório antes da campanha eleitoral o que é suficiente para dizer ao que vão aos portugueses. Confirmam, como diz a CTI, que a opção Alcochete, que tem várias vantagens sobre todas as outras, e como principal potencial desvantagem ser mais cara que Montijo, se paga a si própria não onerando os contribuintes? Ou têm outras contas? Nesse caso mostrem se faz favor. A criação de um “grupo de trabalho” pelo PSD, se disser algo apenas depois das eleições, não é proposta séria, é manobra dilatória e é o tal cheque em branco pedido aos portugueses. E sobre o TGV quais são as propostas concretas?
Investimento e crescimento – Deve o Estado ser empreendedor e ter uma estratégia industrial ou não? O que fazer do complexo industrial de Sines? Que tipo de incentivos devemos dar ao investimento estrangeiro? O PRR está a ser produtivamente utilizado? Como promover o crescimento económico que só ele financiará o estado social e a melhoria das condições de vida dos portugueses?
Finanças públicas – O conselho europeu acaba de aprovar novas regras orçamentais para as finanças públicas dos estados membros da UE e ter mandato para iniciar conversações com o parlamento europeu para alterar essas regras que dão um pouco de margem maior para os Estado Membros. À excepção de PCP e BE, que se opõem a quaisquer regras, que posição têm os restantes partidos sobre o saldo orçamental e o ritmo de redução do peso da dívida pública em Portugal nos próximos anos? (do PSD nada sabemos, do PS lembro que Medina fez um Programa de Estabilidade baseado nas velhas regras orçamentais).
Guerra da Ucrânia– Há basicamente duas posições sobre esta guerra. A dominante nos círculos europeus é a dos que acham que os ucranianos continuarão a ser enviados como carne para canhão (embora não o digam é um facto), financiados e armados pela NATO, os EUA, e os países europeus até uma vitória final sobre a Rússia que acabará por soçobrar face às sanções europeias. E a dos que acham que não há solução militar para esta guerra e que a via para a paz que deve ser seguida é a da diplomacia que exigirá cedências de ambas as partes (sublinho de ambas as partes!). Que posições têm os partidos sobre a política de negócios estrangeiros nesta guerra e na que envolve Israel e o Hamas?
Não teremos certamente respostas nos programas eleitorais a todas as perguntas que aqui formulo, mas era bom que tivéssemos de algumas para que não sejamos tratados como os eleitores que passam cheques em branco aos partidos para o exercício do poder político em Portugal.