“O meu obituário vai estar cheio de Bogart, tenho a certeza”, afirmou Lauren Bacall à Vanity Fair em 2011. A convicção é de quem viveu uma das mais memoráveis histórias de amor dentro e fora da grande tela. Apesar de o casamento ter durado apenas 12 anos, devido à morte do ator em 1957, com 57 anos, Lauren Bacall e Humphrey Bogart ficaram ligados eternamente.
O galã do cinema Humphrey Bogart já ia no seu terceiro casamento quando desempenhou o papel de Harry “Steve” Morgan no filme Ter ou não ter, de 1944, mas apesar disso ainda não tinha encontrado a parceira ideal. Até que conheceu Lauren Bacall, que assumiu o papel de Marie “Slim” Browning, e por quem Bogie se perdeu de amores quase instantaneamente.
Com 19 anos, Lauren Bacall era uma jovem lindíssima de longos cabelos loiros e um olhar único – que ficou conhecido como The Look. Queixo caído sobre o peito, olhos para cima, mirando Bogart. A pose mítica, sinónimo de sensualidade, mais não era do que a forma encontrada pela jovem e estreante atriz para controlar o nervosismo durante a filmagem das primeiras cenas.
Conheceram-se ainda antes do início das rodagens. Quando o futuro realizador de Lauren Bacall, Howard Hawks, a levou a conhecer Bogart enquanto rodava o filme Passagem para Marselha. Sem química, nem chama, trocaram apenas palavras cordiais. Humphrey Bogart duvidava mesmo que ela soubesse representar.
Envolvidos pelas personagens e pela rodagem do filme, deixaram-se envolver também na vida real. Mas a relação que Bacall e Bogart mantinham evoluiu tão gradualmente que passou quase despercebida entre os colegas e restante pessoal envolvido na realização do filme. Ainda que isto pareça impossível para todos aqueles que lembram a cena do apito.
“Sabes assobiar, não sabes, Steve? Basta juntar os lábios e soprar”. Os olhos de “Steve” (Humphrey Bogart), quando “Slim” (Bacall) deixa o quarto… Temos a impressão de estar a assistir a um momento único. Leonard Maltin, historiador de cinema, explicou à Vanity Fair o ambiente dessa cena. “É um daqueles instantes em que, muito provavelmente, somos testemunhas de um ator ou de uma atriz a apaixonarem-se. Ainda que os bons atores nos façam acreditar nisso muitas vezes, quando é real tem algo de especial”.
O primeiro beijo surgiu ainda antes disso. Numa das conversas animadas de camarim que tantas vezes juntavam Lauren Bacall e Humphrey Bogart, ele pegou-lhe no queixo, inclinou-se sobre ela e beijou-a. Depois pediu-lhe que escrevesse o número de telefone no verso de uma caixa de fósforos. Quando Howard Hawks percebeu que os dois atores mantinham uma relação deixou-se vencer pelo ciúme e ameaçou que enviava a atriz para outro estúdio. O conflito que se gerou entre o realizador e o ator que tinha tomado o coração de Bacall ameaçou a concretização do filme.
Quando a relação deixou de ser segredo, andavam de mão dada para todo o lado e as pausas que se queriam de 15 minutos durante as filmagens eram por vezes mais longas para estes dois atores. Fechados num ou noutro camarim, saiam de lá muito felizes, contam A. M. Sperber e Eric Lax no livro Bogart (1997), os diretores da companhia, conforme revelou a Vanity Fair. “Era como uma explosão”, afirma, também no livro, Walter Molnar, que desempenhou o papel de Paul De Nursac no filme.
Lauren Bacall seguia Humphrey Bogart para todo o lado, ia ter com ele onde quer que fosse. Ele escrevia-lhe cartas ternas prometendo-lhe amor eterno, mesmo que a perdesse. Tratavam-se carinhosamente pelas alcunhas das personagens do filme, Slim e Steve. Steve, diminutivo de Stephen que viria a ser o nome do primeiro dos dois filhos do casal.
O sucesso da relação pessoal dos atores acompanhou, até certo ponto, o êxito do filme, mas Bogart ainda era um homem casado, com uma mulher atormentada pelo álcool, Mayo Methot, que jurara deixar de beber. O ator não teve como não tentar recuperar a relação conjugal. “Tenho de respeitar a decisão dele, mas não tenho de gostar dela”, escreveu Bacall, segundo a Vanity Fair. Porém, o sucesso de Ter ou não ter levou o realizador Howard Hawks a juntar os dois protagonistas no filme À beira do abismo.
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As promessas não cumpridas de Mayo Methot, as separações e reconciliações com a esposa e o facto de estar aterrorizado com a relação com Lauren, 25 anos mais nova, acabaram por transtornar Bogart ao ponto de lhe mudar o humor e de o fazer chegar atrasado às filmagens, como nunca antes acontecera. O desespero levou-o a beber sem parar na noite de Natal de 1944 e a bater à porte de Mayo Methot num estado preocupante. Ao contrário do que ela esperava, neste momento assinalava-se o fim da relação do casal Bogart.
Lauren e Bogie casaram no dia 21 de maio de 1945. Ela tinha 20 anos, ele tinha 45. “Penso muitas vezes na sorte que tive”, disse à Vanity Fair em 2011. “Conheci toda a gente porque estava casada com ele. Aquela diferença de 25 anos foi a coisa mais fantástica que me aconteceu na vida”.
O casamento nem sempre foi fácil. O problema de alcoolismo de Bogart era conhecido em Hollywood. Sem saber o que fazer, Bacall começou por desvalorizar, pensando tratar-se de um resquício negro do anterior casamento. Com o tempo, aprendeu a lidar com o marido. É a ela que geralmente se atribui o facto de Bogie ter reduzido o consumo. “Ele mudou a forma como bebia. Nunca parou de beber, mas não se tornou alcoólico. Bebia nas festas e para se divertir, mas não tocava em álcool quando estava a trabalhar”, disse Lauren Bacall.
O filho Stephen tem uma visão diferente. No livro Bogart: In Search of My Father, descreve a “fricção” existente entre duas pessoas “inseguras”. “A minha mãe não bebia muito. Mas Bogie sim. Quando ele bebia, geralmente sobrava para a minha mãe. Ela diz que quando Bogie bebia muito costumava sentir remorsos e que quando ele bebia demasiado ficava mal humorado. Às vezes ele ficava tão bêbedo que não sabia onde estava ou quem era”.
Na entrevista à Vanity Fair em 2011, Lauren Bacall admitiu, sem rodeios, que a sua carreira foi prejudicada pelo casamento. “Sim, claro. Ele queria uma esposa. Não queria uma atriz”. Isto porque Bogart tinha estado casado com três atrizes antes e não queria casar com uma quarta. À jovem, disse: “Eu amo-te e, se tu quiseres uma carreira, farei tudo o que puder para te ajudar, mas não caso contigo”. Bacall queria uma família. “Fui feliz enquanto mulher dele. Adorava. Eu amava-o verdadeiramente”.
O simples facto de Bacall ser a mulher ao lado de Bogart era um problema. “Penso que muitos realizadores nunca pensaram em mim como atriz. Eu era a mulher de Bogie. Billy Wilder só me via desta forma. Isso não conduz a uma grande carreira e eu não lutei por essa carreira”. Mas Lauren era ambiciosa e essa ambição é muito difícil de “apagar”, disse. Afinal, era nos cenários de rodagem ou em cima dos palcos que se sentia à vontade. Depois da morte de Bogart, venceu dois prémios Tony pelos papéis que desempenhou em Applause e Woman of the Year.
No livro By Myself, Lauren Bacall descreve a noite antes de Bogart morrer. Bacall lembra com grande detalhe um odor específico. “Primeiro pensei que era medicinal. Depois percebi que era um cheiro de desintegração. Perguntei à enfermeira o que era. Aquele odor forte, como um desinfectante que se torna amargo…”.
No funeral de Humphrey Bogart, Lauren Bacall levava um apito dourado, que deixou na campa do marido. “Sabes como assobiar, não sabes Steve?”.
A morte de Bogart deixou Bacall viúva com 32 anos e com um grande vazio. “Até aquela altura podia contar com o Bogie ou a minha mãe para me apoiarem. Agora não havia ninguém”. Estar sozinha era demasiado duro. Todas as semanas, Bacall acordava a meio da noite aos gritos: mais um pesadelo sobre a morte do marido.
Durante algum tempo, Lauren Bacall tentou não evocar Bogart, não fazer da memória deste o centro da sua vida. Mas essa revelou-se uma tarefa difícil, impossível. A atriz contou com o apoio de Frank Sinatra nos momentos mais difíceis que acabou por pedi-la em casamento em 1958. Mas quando o cantor soube que a novidade tinha chegado à imprensa cancelou o noivado e não voltou a falar com Lauren Bacall durante 20 anos. Sozinha novamente deixou que Jason Robards Jr. preenchesse o vazio que sentia em 1961. Ainda tiveram um filho, mas o alcoolismo do ator levou a que o casamento acabasse em oito anos.
Verdade é que não se pode falar de Bacall ou com Bacall sem falar de Bogart. E Bacall acaba sempre por lembrar Bogie. Como em 2009, quando aos 85 anos aceitou o Óscar honorário. Bacall contou a história desde o início. “Com 19 anos fui escolhida por Howard Hanks para trabalhar num filme com um homem chamado Humphrey Bogart”. E fez de Bogie o centro do discurso. “Ele não era apenas um ator maravilhoso, era um homem extraordinário. Ele deu-me uma vida, mudou a minha vida e avisou-me sobre todos os altos e baixos. Não houve muitos pontos baixos com ele”. Três anos mais tarde, na mesma entrevista à Vanity Fair, Bacall confessou que odeia esse dia e essa estatueta dourada. “Aquilo que devia ter sido um dos melhores dias da minha vida foi um dos piores. Só falei de Bogie. Acho que foi uma das piores coisas que fiz”.
No dia da morte de Lauren Bacall, a sombra de Bogart está em todo o lado, como se ele voltasse a morrer. Ela sabia isso. “Se é assim que tem de ser, é assim que tem de ser”.