“Convergência”, “diálogo” e “estratégia comum para o futuro do país”. É o que António Costa quer e foi isso que disse quer à saída da reunião que teve esta manhã com uma delegação do PSD, na sede dos sociais-democratas, quer à saída da reunião que teve com os bloquistas uma hora depois. Mas tudo só depois das eleições legislativas. Antes, não há qualquer possibilidade de diálogo com o PSD. Depois, e no caso de sair vitorioso das eleições mas sem maioria, “todos os partidos contam”.

António Costa tem uma agenda preenchida esta semana, com encontros com os vários partidos políticos e parceiros sociais, como parte de uma formalidade pós-congresso que o consagrou como líder do Partido Socialista. Por coincidência ou não, o primeiro dia ficou reservado para a direita (PSD) e para a esquerda (Bloco de Esquerda), sem tempo de intervalo. Costa, juntamente com Ferro Rodrigues, Carlos César e Porfírio Silva, estiveram reunidos com ambas as delegações durante cerca de uma hora e, no final, o discurso foi semelhante: primeiro os portugueses vão ser chamados a decidir em eleições e depois, e só depois, deverá haver “diálogo”, entendimentos e estratégias comuns. Disse-o na S. Caetano à Lapa como o disse na rua da Palma, na sede do Bloco de Esquerda.

Já no congresso do PS, no final de novembro, Costa tinha deixado a porta aberta à esquerda, apesar dos recados que deixou pelo caminho ao Bloco e ao PCP por continuarem “na posição confortável do protesto”. Uns dias depois, no entanto, Costa reuniu-se com Pedro Passos Coelho e, à saída, falou na necessidade de acabar com a crispação entre os dois maiores partidos e de haver um diálogo com todos. “É essencial que o país tenha condições de diálogo”, disse Costa na altura. Até hoje, as duas portas mantém-se aparentemente abertas.

Mas quer do PSD quer do Bloco de Esquerda, esta segunda-feira António Costa recebeu apenas críticas. Críticas do PSD por considerar que os socialistas continuam a adiar entendimentos parlamentares e recusam um diálogo concreto e “construtivo” nos dez meses que faltam até às eleições. Do Bloco, por o PS não se definir e não prometer “medidas concretas” que mudem a “vida concreta das pessoas”.

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Rumo ao fim da crispação

No final do encontro com o PSD, António Costa criticou logo a “crispação” que diz que tem existido entre os partidos ao longo dos últimos anos, nomeadamente entre PS e PSD, e pediu para “virar a página nesse sentido”. Isto é, no sentido do diálogo. Falou de entendimentos, de convergências e na necessidade de haver uma “estratégia comum sob pena de o país não conseguir sair da crise”. Mas só daqui a dez meses, depois de os portugueses decidirem quem deve estar na Governo.

Para António Costa, além das eleições legislativas que vão decorrer este ano, onde os portugueses serão chamados a fazer uma escolher, 2015 será necessariamente um ano de entendimentos. “Com as eleições, o país vai ter não só um momento de escolha, mas também um momento de convergência em torno daquilo que deve ser o futuro do país”.

Fazendo lembrar a mensagem de Ano Novo do Presidente da República, António Costa criticou ainda a “crispação e incomunicabilidade muito negativas” que diz que tem persistido ao longo dos últimos anos entre os vários partidos, e afirmou que é preciso “virar a página” rumo ao diálogo. E por isso voltou a apelar ao entendimento entre as “diferentes forças políticas”, mas sempre para depois das eleições: o PS não aceita que “por via de um acordo partidário antecipado, se subtraia aquilo que devem ser os eleitores a escolher”, afirmou.

Ou seja, primeiro as eleições, depois as conversações. Já na sede do Bloco de Esquerda, com quem o PS esteve reunido por sensivelmente uma hora, António Costa voltou a falar aos jornalistas para repetir o discurso que já tinha feito uma hora antes junto ao PSD. Isto é, para repetir a abertura ao diálogo e disponibilidade para entendimentos pós-eleições.

Em território bloquista, Costa sublinhou que “o PS não exclui ninguém” e que “em democracia, todos os partidos contam”. Deixou por isso um sinal de abertura ao diálogo com o Bloco de Esquerda, recusando o conceito de “arco da governação” – um conceito “que muita gente utiliza e que até o Presidente da República utiliza” – e que serve para definir os partidos que habitualmente estão no poder, excluindo dessa forma as forças políticas mais à esquerda.

“O PS recusa o conceito de arco da governação, como se, por direito divino, só três partidos tivessem direito a ser partidos de Governo e que os portugueses estavam impedidos de escolher quem os governa. Em democracia todos os partidos têm a mesma legitimidade democrática, todos os partidos contam e os portugueses é que decidem como se formam as maiorias. O PS deseja ter maioria, mas fala com todas as forças políticas”, declarou o líder socialista.

Questionado sobre se existe alguma base viável para haver uma convergência com o Bloco de Esquerda após as eleições, António Costa não quis ser perentório: “É sabido que entre o PS e o Bloco de Esquerda há pontos de vista muito diversos, mas também há matérias sobre as quais houve convergências”. “O futuro dirá como é que as coisas se passarão”, rematou.

“Plataforma de diálogo permanente” (e pré-eleitoral)?

Contrariando a ideia de entendimento generalizado que Costa procurou transmitir para o médio e longo prazo , o porta-voz do PSD apontou o dedo ao PS por recusar qualquer diálogo antecipado, isto é, antes das eleições. Em declarações aos jornalistas à saída do encontro com o PS, Marco António Costa afirmou mesmo que o PSD propôs uma plataforma de diálogo permanente com representantes dos dois partidos – “e de todos aqueles que quisessem participar” – para discutir consensos durante os dez meses que faltam até às eleições legislativas. Mas Costa disse “categoricamente que não”, afirmou.

“Nós apresentámos uma proposta no sentido de os dois partidos reunirem numa plataforma de diálogo permanente que fixasse uma agenda comum e que permitisse imediatamente iniciarmos um trabalho em conjunto de fixação de objetivos e de uma estratégia subjacente a esses objetivos relativamente ao futuro do país. Com o PSD e com o PS”, declarou Marco António Costa.

“O PS tem medo de se comprometer com soluções concretas sobre temas concretos”, disse Marco António Costa, dando como exemplo a reforma da segurança social ou até mesmo a reforma do Estado, como sendo temas que os sociais-democratas consideram de urgente entendimento pré-eleitoral. “A Assembleia da República continua à espera da disponibilidade do PS para debater estes temas”, disse.

Já na sede do Bloco de Esquerda, com quem António Costa se reuniu minutos depois de se ter sentado à mesa com o PSD, o líder socialista rejeitou de forma perentória a tal “plataforma de diálogo permanente”, alegando discordância com as políticas do atual Governo e defendendo por isso que, primeiro, os portugueses devem ser chamados a decidir sobre a continuidade ou a alternativa e só depois o PS está disposto a conversar.

Numa altura em que faltam cerca de dez meses para as eleições, Costa alega que a proposta de diálogo do PSD é de curto prazo, enquanto a do PS assenta numa “visão estratégica para país a médio e longo prazo”. “Quanto ao futuro do país, aí sim é importante que haja plataformas alargadas de convergência”, afirmou o secretário-geral socialista. Mas isso é conversa só para depois das eleições.