“A ESFG (Espírito Santo Financial Group) não cumpriu as determinações do Banco de Portugal como evidenciam
os factos conhecidos do seu aumento de exposição ao GES (Grupo Espírito Santo)”, afirmou António Souto, ex-administrador do Banco Espírito Santo, esta terça-feira na comissão de inquérito aos atos de gestão do BES e do GES. O gestor, que tinha a seu cargo o pelouro da compliance (função que avalia o cumprimento de regras), disse na sua intervenção inicial que este incumprimento é “da exclusiva responsabilidade do seu conselho de administração”.

No final de 2013, as administrações da ESFG e do BES tinham cinco elementos em comum, a maioria eram membros da família Espírito Santo, designadamente Ricardo Salgado, José Manuel Espírito Santo, José Maria Ricciardi e Manuel Fernando Espírito Santo. Outro membro comum era Jorge Martins.

Na administração da ESFG esteve também até ao primeiro trimestre de 2014, João Martins Pereira, que desempenhou a função compliance no banco, área que era tutelada por António Souto. Martins Pereira foi administrador e responsável pela compliance também na própria holding financeira que era a dona da participação do GES no banco. O responsável, que vai ser ouvido na comissão de inquérito a 28 de janeiro, demitiu-se da administração da ESFG em março, antes de terem sido realizadas as principais operações que terão sido feitas à revelia das instruções do Banco de Portugal.

Ao contrário do BES, e segundo o depoimento de António Souto, “ao nível da ESFG não funcionavam os mecanismos de “ring-fencing” (anel de proteção), não tendo a sua administração promovido a constituição de comissões e ou procedimentos que impedissem o aumento de exposição ao GES.” Para António Souto este foi um dos factos que, entre maio e junho de 2012, veio a ser determinante para o “colapso financeiro da ESGF com a consequente desvalorização das garantias prestadas ao BES”, no quadro do financiamento concedido pelo banco à sua maior acionista.

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O BES, através da comissão de controlo de transações, recusou pedidos de aumento de exposição à ESFG e exigiu a redução dos financiamentos, designadamente pelo reforço das garantias. Só que as garantias prestadas pela ESFG acabaram por não valer.

António Souto defende que o tema dos conflitos de interesses entre o banco e o grupo terá sido controlado até 2013, quando foi detetada a adulteração de contas da Espírito Santo Internacional (ESI), a empresa que era dona da ESFG.

Até à auditoria da ESI nunca foi comunicado à comissão executiva qualquer problema na área não financeira por parte dos membros ligados ao Grupo Espírito Santo que estavam neste órgão, o que teria sido o seu dever de diligência, caso tivessem conhecimento.

Os administradores do banco deviam ter avisado dos problemas no GES, se isso tivesse sido feito, não se teria emitido o papel comercial da ESI e que foi vendido aos balcões do BES, defendeu António Souto.

E se o banco tivesse recusado comercializar o papel comercial da ESI ao seu balcão? Teria havido um problema grave no fundo, mas não teria acontecido toda a situação que levou ao colapso do banco, admite António Souto, apesar de reconhecer que houve surpresas de última hora, como as operações Eurofin.

Petróleos da Venezuela era e continua a ser o maior cliente do banco

A Venezuela tem sido um cliente extraordinário do Banco Espírito Santo e continua a ser cliente do Novo Banco, revelou António Souto, em resposta ao deputado socialista José Magalhães. Isto apesar das garantias emitidas a favor das entidades venezuelanas (detidas pela Petróleos da Venezuela), e assinadas por Ricardo Salgado e José Manuel Espírito Santo, não terem sido pagas.

Souto admite que o risco de implosão do grupo era elevado se se cumprisse a linha de ring-fencing defendida pelo Banco de Portugal. Mas acreditou que teria sido possível salvar o banco. No pior cenário, de falência do GES, o BES tinha de provisionar dois mil milhões de euros, o que dava margem para manter os rácios mínimos e preparar um aumento de capital.

O que destruiu parte importante do anel de defesa foram as operações da Eurofin e das cartas de conforto à Venezuela. A alternativa ao ring-fencing envolvia outros intervenientes.

Goldman Sachs envolvida em financiamento do BES à PDVSA

Questionado sobre uma operação de financiamento a uma construtora na Venezuela, no quadro da construção de uma refinaria para a Petróleos da Venezuela (PDVSA), António Souto esclarece que o risco era assumido pela empresa pública. A “PDVSA era e continua a ser o maior cliente do banco.”

A Goldman Sachs esteve envolvida nesta operação em que o BES atuou como intermediário. A liquidez era assegurada pelo banco americano, que pagava ao banco português o financiamento dado à tal empresa de construção que era chinesa. O banco de investimento, admite, não queria aparecer associada a um negócio na Venezuela, por causa do governo americano. António Souto diz que a Goldman Sachs aparece em 2014.

Luís Filipe Vieira vendeu ativos a empresas do grupo BES para baixar dívida

A Promovalor de Luís Filipe Vieira, presidente do Benfica, esteve em todas as amostras selecionadas pelo Banco de Portugal no quadro das auditorias ao crédito promovidas durante a era da troika. Os créditos as grandes empresas imobiliárias foram sempre avaliadas nestas auditorias que calculavam imparidades.

A regra era sempre a venda de ativos, mas houve grupos que tiveram de propor dações aos bancos e a empresa de Luís Filipe Vieira terá vendido ativos com muito significado a fundos geridos pelo BES Vida e outras empresas do banco como a Esaf, confirmou António Souto. Estas vendas terão ocorrido em 2012 e permitiram a diminuição da divida do grupo ao banco, que de acordo com dados avançados por Mariana Mortágua ascendia a 600 milhões de euros. No entanto, assegura Souto: a Promovalor, “nunca saiu do radar do Banco de Portugal, esteve sempre na primeira linha do escrutínio”.

Esta quarta-feira, Sikander Sattar volta a ser ouvido, mas como presidente da KPMG Angola e à porta fechada, para salvaguarda do sigilo fiscal angolano.