Fernando Pessoa, no último ano de vida, em 1935, acusou Salazar de ter afastado de si “o resto da inteligência portuguesa, que ainda o olhava com uma benevolência, já impaciente”, numa carta que endereçou ao Presidente da República Óscar Carmona.
A revelação surge no livro “Fernando Pessoa – Sobre o Fascismo, a Ditadura Militar e Salazar”, com textos inéditos do poeta, organizado pelo historiador José Barreto, que é apresentado quinta-feira, na Casa Fernando Pessoa, em Lisboa.
Na introdução, o investigador atesta que, se alguma “simpatia” houve de Fernando Pessoa (1888-1935) pelo regime corporativista, claramente se distanciou dele, nos inícios de 1935, dois anos após a aprovação da Constituição da ditadura do Estado Novo, “para dar lugar a um pensamento coerente de oposição a Salazar e ao seu regime”.
Em relação a Salazar, numa fase inicial, segundo o historiador, “a confiança de Pessoa assentava, primeiramente, nas qualidades pessoais de clareza da inteligência e firmeza da vontade do ditador e, em segundo plano, na obra realizada (estradas, esquadra naval), no acréscimo do prestígio de Portugal no estrangeiro, e ainda na tentativa de dar um ‘ideal nacional’ a Portugal, país que notoriamente o carecia”.
Na fase final, o pensamento pessoano tomou uma direção “mais clara”, “entre o sentir liberal” e “as ideias individualistas e antiestatistas” do escritor, defende o investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.
José Barreto, que tem dedicado os últimos dez anos ao estudo e investigação, critica as “teses não documentadas, por vezes delirantes” que apontam Pessoa como “reacionário” e “adepto convicto” de Salazar. Uma “tentativa de ‘fasciszação’ póstuma do pensamento de Fernando Pessoa”, que, para o investigador, não passa de uma “intrigante campanha” que nunca ousou “classificar Pessoa como fascista, mas taxando o livro ‘Mensagem’ de ‘obra de exaltação nacional-fascista”.
Trata-se de “uma extrapolação não documental”, assevera Barreto, lembrando que, apesar de se notar uma “inegável constância de interesse do escritor pelas ditaduras do seu tempo”, sobre as quais chegou a projetar publicar um ensaio, “o pensamento político pessoano foi gradualmente tomando uma direção mais clara e coerente”, até atingir “uma certa estruturação” no ano em que morreu.
Por outro lado, afirma, “Pessoa nunca estudou nem analisou de forma aprofundada o fascismo”, designadamente em Itália, pois “aparentemente dispunha quase só de informação jornalística”. Além do mais, alerta, na época, “o termo fascismo ainda não tinha sofrido a dilatação semântica que posteriormente se verificou”.
Nesta fase final, o poeta viveu o contraditório de um pensamento político, “entre o seu sentir liberal e as suas ideias individualistas e antiestatistas”, escreve José Barreto, para quem o “continuado apoio a uma forma de governo ditatorial”, por Pessoa, se traduzia numa fase transitória, “de feições programáticas bastante particulares”, “que só existia, provavelmente, na imaginação do escritor”.
O livro “Fernando Pessoa – Sobre o Fascismo, a Ditadura Militar e Salazar” é publicado pela editora Tinta-da-China, no âmbito da coleção “Pessoa”, dirigida por Jerónimo Pizarro.