Há nove anos, Oliver Sacks descobriu que tinha cancro. Na altura, o neurologista , autor de livros como “Musicofilia”, fez o que podia para remover o tumor que tinha num olho. Fez radioterapia e um tratamento a laser, que o deixou cego desse mesmo olho. Durante nove anos pensou que tinha sobrevivido ao cancro. Acreditava que estava de boa saúde, com uma “saúde robusta”, como ele próprio descreveu. Mas tudo mudou quando, há algumas semanas, descobriu que o tumor que pensava que tinha curado há nove anos tinha formado metástases no fígado. “Apenas em alguns casos raros este tipo de tumor forma metástases. Estou entre os infelizes dois por cento”, escreveu no New York Times.

O cancro já ocupa um terço do fígado e Sacks sabe que vai morrer. Apesar disso, sente-se grato por lhe terem “sido concedidos nove anos de boa saúde”. Nove anos produtivos, em que escreveu e publicou cinco livros, terminou uma autobiografia e outras tantas obras. “Sinto-me grato por me terem sido concedidos nove anos de produtividade e boa saúde desde que foi feito o diagnóstico original, mas agora estou cara a cara com a morte”, explicou. “Agora cabe-me escolher como viver os meses que me restam”.

E Sacks sabe bem como quer viver esses meses que lhe restam. Encorajado pelas palavras de um dos seus filósofos favoritos, David Hume, Sacks tem a certeza que o tempo que tem de vida deve ser aproveitado ao máximo, da forma mais “rica, profunda e produtiva”. À semelhança do neurologista, também Hume descobriu que tinha uma doença mortal com uma idade avançada. Aos 65 anos, o filósofo escocês morreu daquilo se acredita ter sido uma forma de cancro na região abdominal. Mas, antes de dizer o último adeus, Hume escreveu uma pequena autobiografia, chamada My Own Life (A Minha Vida).

Nesse ensaio, Hume escreveu “é difícil estar mais separado da vida do que estou neste momento”. Mas, ao contrário do seu filósofo favorito, Sacks está longe de ter desistido de viver. “Pelo contrário”, escreveu, “sinto-me intensamente vivo. Quero e espero que, no tempo que me resta, consiga aprofundar as minhas amizades, dizer adeus àqueles que amo, escrever mais, passear se tiver forças e alcançar novos níveis de entendimento”.

Aos 81 anos, Sacks tem vindo a assistir ao desaparecimento da sua geração. A cada morte, uma pequena parte dele também desaparece. “Não irá existir ninguém como nós quando desaparecermos”, escreveu para o jornal norte-americano. “Quando as pessoas morrem, não podem ser substituídas”. São como “buracos que não podem ser preenchidos”, acredita. Mas esse é o destino de todos os homens, e Sacks tem consciência disso.

Admite ter medo, mas acima de tudo diz-se grato. “Amei e fui amado. Recebi muito e dei alguma coisa. Li, viajei, pensei e escrevi”. Ao longo de 81 anos, teve uma “relação com o mundo”, o tipo de relação que existe apenas entre “escritores e leitores”. “Acima de tudo, tenho sido um ser consciente, um animal pensante, neste planeta belo e isso por si só tem sido uma enorme aventura e privilégio”. E, para ele, isso é suficiente.

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