(Artigo atualizado às 10:20 com a reação do Ministério das Finanças)

O Fundo Monetário Internacional (FMI) não acredita nas previsões do Governo e espera que não só o défice público seja de 3,2% do PIB em 2016, longe da última meta assumida publicamente pelo Governo, mas também que o esforço de consolidação já desapareceu no ano passado e que essa trajetória continua este ano, com um agravamento do saldo estrutural primário de 0,8 pontos percentuais. Mesmo com o efeito dos estímulos na economia, diz o Fundo, a economia vai crescer menos do que no ano passado, ou seja, apenas 1,4% em 2016.

Documentos na íntegra:
Portugal—Concluding Statement of the Third Post-Program Monitoring Discussions;
Portugal: Selected Economic Indicators

Não há ajustamento, o défice fica pior e o impacto dos estímulos é de tal forma moderado que a economia deve crescer menos este ano e menos, ainda, em 2017. A análise do Fundo às contas divulgadas pelo Governo no esboço do Orçamento do Estado para 2016, de acordo com o comunicado publicado nesta quinta-feira com as conclusões da terceira missão de avaliação depois do final do programa de resgate, falam por si e as notícias não são boas para o Governo.

Na vertente orçamental, o FMI estima que o défice, usando as medidas e as projeções do Governo no esboço enviado a Bruxelas há cerca de duas semanas, seja não de 2,6% mas de 3,2%. O FMI lembra que, no Programa de Estabilidade apresentado em abril do ano passado, a meta do (anterior) Governo para este ano era de 1,8%. Agora, o FMI espera que seja superior em 1,4 pontos percentuais.

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As previsões do Fundo incluem um agravamento do saldo estrutural primário (que para além de descontar os efeitos do ciclo económico e medidas temporárias, como sucede com o saldo estrutural, não inclui na despesa os encargos com juros) que já terá acontecido no passado, na ordem dos 0,5% do PIB potencial, mas que é ainda maior este ano, com um agravamento de 0,8 pontos percentuais. O Governo, em vez de um agravamento, previa uma correção de 0,2 pontos percentuais, mas contando com juros.

Os técnicos do Fundo consideram que faltam, no Esboço do Orçamento, “metas orçamentais suficientemente ambiciosas” e que, além disso, o Governo tem de construir uma margem de manobra em termos orçamentais para acomodar custos adicionais com medidas que o Governo pretende tomar – caso da mudança do horário de trabalho na Função Pública, novamente para 35 horas, e da intenção de reverter acordos de concessão e privatização -, e ainda de eventuais custos acrescidos que possa vir a ter com o setor financeiro.

Mesmo perante um Orçamento que considera expansionista, o FMI não vê a recuperação da economia como o Governo está a prever. O FMI antecipa que a economia cresça apenas 1,4% durante este ano, contra os 2,1% previstos no Esboço – o Governo transmitiu à troika, no final da missão, uma revisão em baixa para 1,9% do PIB, mas isso não é tido em conta nestas previsões -, e que o ritmo deverá baixar para 1,3% em 2017.

O Fundo vê como muito otimista a previsão do Governo sobre o impacto das medidas no consumo privado e, consequentemente, no estímulo que poderão vir a dar à economia em 2016, uma vez que, mesmo com um Orçamento expansionista no ano passado, a economia acabou por crescer menos, até, do que a previsão menos otimista, que era a do FMI. O impacto acrescido durante este ano não se espera que seja de tal forma maior que justifique as previsões que o Governo está a fazer.

Isso mesmo se pode ver não apenas no crescimento real esperado, mas no impacto do deflator, ou seja, o efeito dos preços no PIB, que o FMI espera que seja de 1,5% este ano, enquanto o Governo aponta para 2%. Com o deflator do PIB, é calculado o PIB nominal, ou seja, em euros, indicador é usado como base para calcular qual é o défice orçamental, por exemplo, em percentagem do PIB. Sendo o PIB mais baixo, não só por via de um menor crescimento da economia, como pelo efeito preço, isso prejudica a meta do défice que é paresentada em percentagem do PIB.

Novo Governo, os alertas de sempre

As preocupações do FMI não são de hoje e não deverão mudar tão cedo. É isso mesmo que o Fundo alerta no comunicado que faz, lembrando que a recuperação está em curso e que muito foi feito, mas que há ainda um longo caminho pela frente.

“De futuro, porém, as perspetivas de crescimento continuarão condicionadas pelos elevados níveis de endividamento e pelos estrangulamentos estruturais. A dívida pública elevada deixa pouca margem para a flexibilização da orientação da política orçamental. Também são necessárias novas reformas para aumentar o potencial de crescimento da economia, atenuar os riscos de deterioração e aliviar o peso da dívida do setor privado. Ademais, os balanços dos bancos têm de ser fortalecidos para evitar novas surpresas negativas”, diz o FMI.

A questão da elevada dívida na economia portuguesa é uma preocupação de longa data do Fundo e continua no topo dos avisos. É por isso mesmo, e pelas restrições estruturais ainda existentes na economia, que o “FMI prevê que o crescimento diminuirá gradualmente à medida que se dissipe o impacto das condições externas favoráveis”.

O FMI tem vindo a evidenciar nos seus relatórios que as condições atuais – baixas taxas de juro, depreciação do euro e baixo preço do petróleo – dão uma oportunidade para levar a cabo os ajustamentos necessários de forma menos penosa e de forma a permitir que a economia cresça no futuro. Mas também foi alertando que estas condições não vão durar para sempre.

Os riscos, diz, “continuam a ser significativos”. Entre eles está uma eventual subida dos juros da dívida pública portuguesa, eventuais retrocessos em relação ao crescimento mundial, dada a elevada incerteza, e ainda os desenvolvimentos recentes no setor financeiro.

Por tudo isto, o FMI deixa três blocos de recomendações para lembrar que ainda há muito a ser feito nos próximos anos:

  1. Uma solução mais ambiciosa para a elevada dívida privada. Durante o programa foi pedida, muitas vezes, mas surgiram apenas algumas medidas, não um plano ambicioso para resolver a questão. O FMI volta a ‘bater na mesma tecla’ e diz que uma boa parte dos recursos do sistema financeiro estão presos em setores de baixa produtividade, o que está a impedir a economia de crescer mais. O Fundo quer que estes recursos sejam redirecionados para empresas novas e com maior capacidade produtiva.
  2. Balanços dos bancos têm de ser reforçados. Também não é novo, mas o FMI faz alusão a casos recentes para defender que é preciso fazer mais para melhorar a qualidade dos ativos que os bancos têm nos seus balanços, a sua rentabilidade e a governação das instituições financeiras. O Fundo já tinha defendido, e agora repete, que os bancos não podem ficar à espera do crescimento económico para melhorarem a sua rentabilidade e precisam de intensificar esforços para reduzir custos operacionais, desinvestido de operações não essenciais e não lucrativas.
  3. Reformas estruturais são para continuar. “Um enfraquecimento do ímpeto reformista daqui em diante poderá diminuir as perspetivas de crescimento, emprego e rendimentos”, diz o Fundo. A mensagem é a de que as reformas têm de continuar, apesar daquilo que foi feito, e que há muito por fazer nos mercados de trabalho e de produto. Nisto, inclui-se que a reversão de todas as medidas que tornaram o mercado laboral mais flexível só vai fazer com que seja mais difícil criar emprego.

O comunicado publicado nesta quinta-feira diz respeito à opinião da equipa técnica do FMI que esteve em Lisboa até terça-feira a fazer a missão de monitorização pós-programa de ajustamento e ainda está algo aquém daquilo que deverá ser o relatório que a equipa vai fazer, já com mais informação relativa à proposta de Orçamento, mudanças entretanto efetuadas em relação ao esboço e plano de médio prazo que deve chegar com o Programa de Estabilidade em abril. O FMI sublinha que as considerações são feitas apenas pela equipa liderada por Subir Lall e que não representam necessariamente a posição da administração da organização, não sendo sequer sujeita a discussão como o eram os relatórios realizados após todas as avaliações do programa de resgate, já que também não envolvem qualquer desembolso por parte do Fundo.

Governo já reagiu

Pouco depois da publicação do comunicado do FMI, o Ministério das Finanças reagiu em comunicado, para garantir que a opinião do FMI “não reflete os desenvolvimentos negociais ocorridos no âmbito das consultas técnicas entre as autoridades portuguesas e os serviços da Comissão Europeia no que respeita ao Esboço de Orçamento do Estado de 2016”.

O Governo diz ainda que o FMI “não participou nas consultas técnicas mantidas entre Portugal e a Comissão Europeia sobre esta matéria”.