Continua a lua-de-mel entre o governo e a Comissão Europeia. Depois de já o ter dito no Parlamento esta sexta-feira, o vice-presidente da Comissão, Pierre Moscovici, voltou a enumerar várias “boas notícias” ao lado de Mário Centeno no ministério das Finanças, e disse mesmo que “Portugal está a deixar a crise económica para trás, mesmo que a sociedade portuguesa continue a sentir os efeitos”.
“Boas notícias” foi uma expressão repetida mais de uma dezena de vezes na conferência de imprensa, algumas delas por Moscovici. Tal como tinha dito na audição da Comissão de Assuntos Europeus, o vice-presidente da Comissão Europeia destacou que “Portugal está no caminho de saída do procedimento por défices excessivos no próximo ano”. A decisão será confirmada “na primavera”, quando a Comissão tiver “os dados finais deste ano”, o que leva a uma segunda “boa notícia”: “Isto significa que o risco da comissão propor a suspensão parcial dos Fundos Comunitários em 2017 não existe”.
Moscovici voltou a reiterar também que Portugal está no grupo de países que estão em risco de não cumprirem o Pacto Orçamental, mas garante que “os riscos são contidos”. E, caso não se materializem, no Orçamento para 2017 “Portugal não precisa de medidas adicionais”. O comissário disse ainda que os “países com margem fiscal, devem investir mais”, advertindo que os países que “têm um défice e uma dívida elevada devem focar-se no cumprimento das metas orçamentais.” Moscovici deixou ainda uma mensagem de “encorajamento e de confiança”, destacando que “Portugal está a recuperar e a reformar-se” e, nesse processo, a Comissão vai estar ao lado do país.
Já o ministro das Finanças, Mário Centeno, garantiu à Comissão que irá dar “continuidade aos [bons] resultados em 2017 e nos anos seguintes” e deixou um aviso à Comissão, dizendo esperar que Bruxelas trate Portugal “de forma isenta, não distinguindo Portugal pelo seu tamanho e sem tomar decisões precipitadas”.
Não serão necessárias medidas adicionais ao Orçamento
Ao início da manhã, o vice-presidente da Comissão Europeia, Pierre Moscovici, já tinha admitido no Parlamento que o “otimismo português foi justificado” e teve ainda a “humildade para reconhecer” que “em 2016 os resultados foram melhores do que previa a comissão”. O comissário europeu responsável pela Zona Euro atribuiu ainda a Portugal o título de “melhor aluno” entre os países com problemas estruturais e garantiu que, se tudo correr bem, “não serão necessárias medidas adicionais ao Orçamento do Estado para 2017“. Adverte, no entanto, que o país “continua a precisar de fazer reformas estruturais”.
Moscovici começou por explicar aos deputados que, como ponto de partida, Bruxelas entendeu que havia um risco de não-conformidade no Orçamento do Estado para 2017, uma vez que existe uma tipologia que divide os países em três grupos: os completamente conformes, os globalmente conformes e os em risco de não-conformidade. É neste último grupo que Portugal está, mas é o melhor dos que estão em risco: “Portugal é melhor aluno, é de todos os que tem o risco menos elevado de não conformidade, de não cumprir as metas”. Moscovici admitiu ainda que “Portugal está no caminho de saída do procedimento por défices excessivos.”
Quanto à renegociação da dívida — defendida pelos partidos à esquerda do PS que suportam o governo — Pierre Moscovici disse aos jornalistas, no fim da audição, que um “haircut da dívida” não é uma questão que esteja na discussão entre o Governo e o Parlamento. Para o vice-presidente da comissão, “a primeira coisa que precisamos de fazer para resolver esse problema [da dívida elevada do país] é diminuir o défice. E a boa notícia hoje é que Portugal vai sair do procedimento por défices excessivos porque o défice está, neste momento, claramente abaixo dos 3% e vai ficar abaixo dos 3%”.
À partida, Bruxelas não vai exigir mais austeridade. Palavra de Moscovici: “Dizemos explicitamente que não queremos novas medidas em Portugal, enquanto esses riscos não se materializem. E esperemos que não se materializem.” O vice-presidente da Comissão Europeia acrescenta ainda que “se as atuais taxas de crescimentos se mantiverem, provavelmente não vão aparecer esses riscos.” Só mesmo se tudo correr mal e “os riscos se materializarem” é que Bruxelas terá de “falar novamente com o Parlamento e o Governo português para aplicar novas medidas.”
Numa intervenção inicial na Comissão de Assuntos Europeus que poderia ter sido retirada a papel químico do que o primeiro-ministro António Costa tem dito sobre o Tratado Orçamental, Moscovici explicou que a Comissão funciona hoje como “um ministério das finanças coletivo de toda a Zona Euro” e o que essa tutela defende é “uma abordagem inteligente das regras“. Ou seja: a tal leitura inteligente do Tratado Orçamental que o primeiro-ministro português sempre defendeu. Na resposta aos deputados, disse mesmo: “Não devemos aplicar o pacto [orçamental] de uma forma estúpida”.
A vitória de Trump e o crescimento de populismos na Europa é outro dos fatores que, garante a Comissão, vão fazer com que Bruxelas tenha mais cuidado na aplicação de austeridade e sanções.
A política orçamental hoje pretende reduzir os défices, mas também encorajar o crescimento (…) essa abordagem é importante, tendo em conta um contexto difícil político, económico. Não devemos estar indiferentes ao crescimento de populismos internos e externos da Europa. Temos de o combater. E, portanto, não é positivo para nós, nem para a zona Euro, voltar a apertar as regras orçamentais“, disse Moscovici.
O comissário ouviu críticas, principalmente de Bloco de Esquerda e PCP. Na defesa europeísta, Pierre Moscovi lembrou que a Comissão “decidiu não suspender os fundos” e “não aplicar sanções”, optando pelo “diálogo com os governos”. E isto só foi possível, no caso de Portugal, porque “as regras foram cumpridas.” O comissário europeu concordou ainda que, no contexto atual, as “sanções são perigosas”, já que os cidadãos europeus não devem olhar para a União Europeia como algo de “punitivo”.
Num piscar de olho à esquerda — a quem mostrou não dar hipótese na questão da renegociação da dívida — Moscovici defendeu que “tal como os Estados fizeram esforços por cumprir as regras e diminuir os défices, as grandes multinacionais não podem continuar a fugir aos impostos. Têm de começar a pagá-los. E a União Europeia é fundamental nisso”. É por isso que o comissário diz precisar do “apoio de Portugal” para aprovar medidas que ajudem a “levantar o sigilo bancário” e “fazer uma lista negra de paraísos fiscais”, de forma a que essas empresas não fujam ao fisco.
Moscovici negou ainda um acordo secreto entre França e Bruxelas para que o país pudesse falhar as metas do défice. “Deixemo-nos de brincadeiras. As regras para a França são iguais às regras de Portugal”. E depois justificou outras polémicas palavras de Jean-Claude Juncker: “O presidente Juncker disse que a França é a França porque gosta muito da França, mas fiquem descansados que ele também gosta muito de Portugal. Todos os países são tratados de forma igual, caso contrário não faria sentido existir a União Europeia”.
No que diz respeito à relação com o governo — após ser questionado pelos deputados de PSD e PS sobre quem tinha os louros dos bons resultados do país — Moscovici garantiu que “a comissão tem boas relações com este governo, tal como tinha com o anterior”. Acrescentou ainda que o importante para a comissão é que o país cumpra as regras e que “depois os portugueses, democraticamente é que têm de avaliar quem é que preferem no governo”.
Notícia atualizada às 16h25 com a conferência de imprensa de Pierre Moscovici com Mário Centeno no Ministério das Finanças