“Na Suécia, o assédio é visto como perseguição, [mas] nos países do sul é entendido como elogio“. A palavra inglesa usada pela comissária Věra Jourová foi compliment. A plateia que participava na conferência em Malta sobre “Respostas da União Europeia à Violência de Género” ficou perplexa, conta ao Observador a eurodeputada Liliana Rodrigues (PS). “Tive de por os pontos nos is”.
O episódio foi relatado na conta de Facebook da socialista. “Pedi de imediato a palavra”, escreve Liliana Rodrigues.”Estou farta de ouvir o argumento de que é tudo uma questão cultural quando a própria estereotipia é uma questão cultural”, sublinha, em declarações ao Observador. “Nós também somos um país do sul”. A eurodeputada interveio de imediato — ao lado, uma eurodeputada alemã pedia-lhe calma na sua intervenção — para lembrar à comissária europeia com a pasta da Igualdade de Género, mas também da Justiça, que Portugal tem legislação sobre assédio, um ato considerado “um crime“, clarifica.
“A senhora comissária conhece mal a lei e conhece mal os países“, insiste Liliana Rodrigues, que destaca o “excelente trabalho” que tem sido feito em Portugal pelo parlamento e pelas próprias organizações que combatem a violência contra as mulheres. Perante a interpelação da eurodeputada portuguesa, Věra Jourová ainda insistiu, dizendo que se estava a referir a situações de assédio. “Também eu”, respondeu a socialista. No final da conferência, uma das conselheiras da comissária dirigiu-se à eurodeputada portuguesa. “Foi forma infeliz de se expressar”, justificou-se.
O gabinete da comissária Jourová reagiu, entretanto, ao episódio. Numa declaração enviada ao Observador por e-mail, é sublinhada a ideia de que a responsável europeia “tem conduzido uma campanha de sensibilização para a violência contra as mulheres alargada a toda a União Europeia” porque, “infelizmente, a violência contra as mulheres continua a ser uma realidade em todos o países europeus“.
“Ao mesmo tempo”, prossegue a declaração, “estudos mostram que as atitudes e perceções sobre a violência de género variam ligeiramente entre os países“. O objetivo da comissária checa é “garantir que as mulheres europeias têm poder para falar abertamente e procurar ajuda quando confrontadas com qualquer forma de violência, incluindo assédio, independentemente das atitudes e perceções sociais”. Um objetivo que “requer que todos trabalhem em conjunto”, sublinha, a terminar.
No encontro desta sexta-feira, organizado pela presidência maltesa do Conselho da União Europeia, participavam representantes dos movimentos de defesa dos direitos das mulheres, sindicatos, eurodeputados e deputados de vários parlamentos nacionais. A comissária europeia foi convidada para intervir na sessão de abertura do encontro. “Teve uma má prestação“, ressalva Liliana Rodrigues, que sublinha não estar em causa neste episódio uma consideração sobre as instituições europeias mas apenas sobre a própria comissária.
Um estudo da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego, apresentado há menos de um ano, mostrava que 16,7% das mulheres admitiam ter sido vítimas de assédio moral e 14,4% tinham sido alvo de assédio sexual. A realidade nacional é distante da europeia, onde, em média, 2% dos inquiridos em estudos semelhantes admitiam ter sido alvo de assédio sexual e 4% de assédio moral.
Ainda assim, o primeiros estudo do género feito em Portugal, em 1989, mostrava uma realidade mais desfavorável. Nesse ano, mais de um terço das mulheres (34,1%) diziam-se vítimas de assédio sexual no trabalho.
[Atualizado às 17h42 com as declarações do porta-voz da comissária Věra Jourová]