Se andar pela Internet, não estranhe esbarrar com títulos noticiosos que, de tão surpreendentes, parecem irreais. Na verdade, são mesmo irreais. Nos EUA, o ano de 2016 foi produtivo nesse aspeto, com os seguintes títulos a surgirem em publicações desconhecidas mas que muitos norte-americanos tomaram como fidedignas: “Papa Francisco choca o mundo, apoia Donald Trump para Presidente, lança comunicado”; “Agente do FBI suspeito na fuga de emails encontrado morto em aparente homicídio-suicídio”; ou “Obama assina ordem executiva a banir o juramento da bandeira em escolas de todo o país”.

Na verdade, são notícias falsas — ou no termo em inglês, que está já no vocabulário global, fake news. Antes das eleições, a maior parte das notícias falsas eram favoráveis a Donald Trump e, sobretudo, desfavoráveis a Hillary Clinton e ao então Presidente dos EUA, Barack Obama.

“Trump é a última pessoa que se pode queixar de notícias falsas sobre ele”

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Porém, depois de ganhar as eleições e enquanto preparava a transição para o poder, Donald Trump sacudiu as acusações de ter construído a sua vitória (também) à custa dessas notícias falsas e acabou por acusar os seus adversários de usarem essa mesma ferramenta.

O uso de notícias falsas faz hoje em dia parte do combate político na Internet, sobretudo na arena das redes sociais. Mas, desde que subiu ao poder, o próprio Donald Trump e a sua equipa também já foram diretamente responsáveis pela divulgação de informações falsas, entre números mal calculados ou a puras invenções. Veja a lista, compilada pelo El Español:

O atentado (qual atentado?) na Suécia

“Vejam o que se passou ontem à noite na Suécia. Suécia! Acreditam nisto? Suécia!”

https://www.youtube.com/watch?v=t0tSLV3GGQc

Num discurso em que tentava estabelecer uma ligação entre a entrada de refugiados do Médio Oriente na Europa com a ocorrência de atentados terroristas no continente, Donald Trump escolheu enumerar alguns exemplos. Falou da Alemanha, de Bruxelas, tal como de Nice e Paris — tudo sítios onde houve atentados levados a cabo por terroristas islamistas. Mas, lá pelo meio, falou da Suécia. “Vejam o que se passou ontem à noite na Suécia. Suécia! Acreditam nisto? Suécia!”, disse. Mas não se tinha passado nada na Suécia.

O resto da história é conhecida (respostas sem fim dos suecos) e a descoberta da reportagem que passou na Fox (e com a qual Trump se justificou).

O “atentado” na Austrália que também não foi um atentado

E o risco de um país ser “liderado por pessoas ignorantes até à escuridão e ódio”

Donald Trump fez também menção à morte por esfaqueamento de uma jovem turista britânica, Mia Ayliffe-Chung, na Austrália. A última vez, aconteceu por intermédio da equipa de Donald Trump, que apresentou aos jornalistas na Casa Branca uma lista de 78 atentados que terão passado despercebidos nos media. Nessa lista, havia atentados altamente mediatizados, como em Paris, Bruxelas ou em Istambul. Também havia um conjunto de ataques ou emboscadas que não chegaram a resultar em feridos. Além disso, havia uma falta notória de atentados cometidos contra vítimas de nacionalidades de países do Médio Oriente, como o atentado do Estado Islâmico que matou mais de 300 pessoas em Bagdade a 3 de julho de 2016

O que é que a morte de Mia Ayliffe-Chung tinha a ver com isto? Nada, fora o facto de estar na lista de Donald Trump. É que as autoridades australianas descartaram na fase inicial a hipótese de a morte daquela jovem britânica ter sido um ato terrorista. A mãe da vítima, Rosie Ayliffe, escreveu uma carta aberta a Donald Trump, onde criticava a inclusão do homicídio da sua filha nessa lista e onde falava do risco de um povo ser “liderado por pessoas ignorantes até à escuridão e ódio”.

O veto de Obama inventado pela assessora de Donald Trump

Ou os ‘factos alternativos’ de Kellyanne Conway

“Aposto que para as pessoas é novidade a informação de que o Presidente Obama impôs uma suspensão de seis meses do programa de refugiados iraquianos”, disse à MSNBC a principal assessora de Donald Trump, Kellyanne Conway, que é também responsável pela expressão “factos alternativos”. E são de facto “factos alternativos”, estes que apostou serem novidade.

Embora Barack Obama tenha suspendido o programa de refugiados iraquianos em julho de 2016 em reação ao desmantelamento de um plano que dois requerentes de asilo iraquianos iam colocar em prática a partir de Bowling Green, no Kentucky — leia mais sobre isso no próximo ponto — a verdade é que a entrada de refugiados daquele país não foi cortada pela raiz. Nessa altura, os critérios de admissão passaram a ser mais restritos — o que não coloca lado a lado a decisão de Barack Obama com a de Donald Trump, que, além de ter fechado o país a visitantes de sete países de maioria muçulmana ao longo de 90 dias, suspendeu a entrada de refugiados durante 120 dias.

O “massacre” de Bowling Green

Que nunca chegou a acontecer, Kellyanne

Na mesma entrevista, Kellyanne Conway falou do “massacre de Bowling Green”, atribuindo-o “dois iraquianos que vieram para este país e foram radicalizados”. O problema desta afirmação é que ela é falsa — nunca houve um “massacre” ou qualquer tipo de atentado terrorista naquela localidade do estado do Kentucky. O que estava em causa era antes um esquema em que dois requerentes de asilo iraquianos pretendiam enviar armas e dinheiro para grupos fundamentalistas no Iraque.

“A maior vitória no Colégio Eleitoral desde Ronald Reagan”

Que afinal foi de 304 votos de Trump contra 364 de Obama

Também recentemente, e longe de ter sido a primeira vez, Donald Trump voltou a afirmar que a sua vitória na noite de 8 de novembro do ano passado foi “a maior vitória no Colégio Eleitoral desde Ronald Reagan”. Donald Trump teve 304 votos naquele órgão.

É, mais uma vez, uma informação falsa. Numa conferência de imprensa no passado dia 16 de fevereiro, o jornalista Peter Alexander, da NBC, confrontou o Presidente dos EUA com mais esta mentira. “Na verdade, o Presidente Obama teve 365 [votos] em 2008”, disse, para depois ser interrompido por Donald Trump, que respondeu: “Eu estava a falar de republicanos”. Mas também nos republicanos que se seguiram a Ronald Reagan (que saiu da Casa Branca em 1989) já houve quem tivesse mais do que os 304 votos no Colégio Eleitoral conseguidos por Donald Trump — mais propriamente, George H. W. Bush, com 486 votos no Colégio Eleitoral.

Donald Trump acabou por desculpar-se, dizendo “não sei, deram-se essa informação, vi-a por aí” e inverteu os papéis, colocando uma pergunta ao jornalista: “Mas foi uma vitória muito substancial, concorda com isso?”. “Você é Presidente”, respondeu-lhe Peter Alexander. E, pelo menos isto, não são fake news.