Os medicamentos homeopáticos são água com açúcar e não curam coisa nenhuma, sendo um mero placebo. Há tratamentos detox efetuados em várias clínicas e gabinetes de estética que só servem para enganar as pessoas. As campanhas de anti-vacinação são perigosas para a sociedade e, nesta mesma sociedade, há quem tenha escolhido o glúten como inimigo número um a abater, mesmo sem ter qualquer intolerância à proteína. A Comunidade Céptica Portuguesa lançou o seu primeiro livro e é nele que desmonta várias medicinas alternativas e teorias da conspiração, sem qualquer medo de represálias ou processos.

Quem sintoniza a TV portuguesa de manhã tem fortes probabilidades de acabar a ver uma senhora a dar conselhos e previsões com base num baralho de cartas ou numa bola de cristal. Pelo meio, até é capaz de produzir uma espécie de “feitiço” contra o mau-olhado. Embora haja quem acredite em fenómenos paranormais, estes são menos credíveis para as novas gerações. Atualmente, o grande problema está em filtrar o excesso de informação, e em diferenciar conclusões e estudos sustentados cientificamente de outros menos sérios.

Há dois anos, por exemplo, foram publicadas várias notícias sobre um estudo que concluía que comer chocolate “aumenta significativamente” as hipóteses de emagrecer durante uma dieta. O estudo não passava de uma criação do jornalista John Bohannon, que inventou mesmo um instituto, o “Institute of Diet and Health”. Depois, foi só enviar as conclusões para publicações duvidosas, esperar que alguma publicasse e aguardar que jornalistas pouco especializados não percebessem. Foi precisamente o que aconteceu.

Notícia publicada no Huffington Post sobre o falso estudo, depois substituída por outra que desmascarava o exercício dos autores.

Todos os dias, a Comunidade Céptica Portuguesa (Comcept) escreve textos onde desmonta a pseudociência. Tratamentos detox que parecem milagrosos, dietas sem esforço nenhum, medicinas alternativas sem sustentação científica, enfim, tudo a que os seus 24 membros se puderem dedicar nos intervalos do trabalho do dia-a-dia. Diana Barbosa, Leonor Abrantes, Marco Filipe e João Lourenço Monteiro foram mais longe e escreveram Não Se Deixe Enganar. Editado pela Contraponto, pretende “munir as pessoas de ferramentas que lhes permitam defender-se destas armadilhas”, explica Diana Barbosa, que esteve no Porto a apresentar o livro.

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Em primeiro lugar, é importante não confundir ceticismo com negacionismo. São termos opostos, uma vez que o negacionismo recusa aceitar um facto mesmo diante de todas as provas. Ser cético significa procurar essas mesmas provas e fundamentos antes de acreditar nas verdades fáceis, que circulam cada vez a uma maior velocidade. Por isso, Diana Barbosa e João Lourenço fazem questão de frisar ao Observador: “Não acreditem em nós, acreditem nas fontes que citamos e noutras, desde que fundamentadas cientificamente.”

O ceticismo ajuda as pessoas a desconfiar da banha da cobra, explicam os autores. A desconfiarem de dietas milagrosas, de tratamentos detox quase mágicos. Se parece bom demais, é porque provavelmente é. Os jornalistas têm, aqui, um papel fundamental, ao terem o dever de selecionar entre o que é verdade e o que é uma farsa, entre o que é uma opinião sustentada e o que é uma opinião. Como tem acontecido, por exemplo, com as correntes recentes de anti-vacinação, baseadas num estudo feito com apenas 12 crianças que toda a imprensa divulgou em 1998.

O livro foi lançado em junho pela Contraponto. Tem 240 páginas e custa 16,60€.

“Percebo a intenção dos jornalistas de quererem mostrar o contraditório, mas há outro objetivo que se deve sobrepor, que é o de informar. Principalmente quando o contraditório não vem de fontes fidedignas nem credíveis. As crenças não têm o mesmo peso que informação científica”, afirma João Lourenço.

Apesar de procurarem repor a verdade perante negócios e organizações poderosas, garantem que nunca foram alvo de “ameaças reais”. “Só os insultos típicos de redes sociais”, conta Diana. O post que mais reações negativas gerou foi sobre os “chemtrails”, teoria da conspiração que defende que o rasto branco deixado no céu pelos aviões é uma pulverização química ou biológica propositada sobre as populações, que ameaça a sua saúde.

O que pode de facto ameaçar a saúde das pessoas são pseudotratamentos e artefactos que prometem tratar da saúde dos utentes, em troca de dinheiro, fazendo-as desconfiar de tratamentos médicos comprovadamente eficazes. O Observador mergulhou nas 240 páginas de Não Se Deixe Enganar e reuniu aqui algumas respostas a perguntas que tanta gente tem.

Os tratamentos detox são fundamentais à nossa saúde?

“Com a exceção dos metais pesados ou outras substâncias venenosas, o nosso corpo é perfeitamente capaz de dar conta do recado”, escrevem os autores. O recado é a desintoxicação, se a quisermos chamar assim. O fígado é o orgão-chave neste processo, por ter como função processar as substâncias nocivas através de reações químicas, eliminando-as de seguida. Os rins também dão uma ajuda na purificação do organismo. A resposta é, por isso, negativa.

Mas eu já vi um tratamento detox de pés e a água ficou suja, por causa das toxinas que saíram.

As primeiras perguntas a fazer a quem fornece tratamentos detox são: que toxinas específicas é que o “tratamento” vai eliminar? E que sintomas causam essas toxinas para termos de nos livrar delas? Para atestar os efeitos do tratamento, seria importante medir a quantidade de determinada toxina no corpo antes do tratamento e depois do tratamento, e saber que consequências reais essa eliminação teve no bem-estar do cliente. Ninguém o faz.

Um dos “tratamentos” que se está a popularizar é o detox de pés. Estes banhos aos pés consistem em adicionar à água sais e aditivos à base de ervas. Preparada a água, o utente só tem de colocar os pés. De seguida, o funcionário coloca um dispositivo no recipiente, que depois se liga a uma máquina. Passados uns minutos, a água começa a ganhar cor: amarelada, acastanhada, preta. A sujidade só pode ser das toxinas que estão a sair do corpo, certo? Errado.

É apenas uma reação química entre os elementos. E a água fica com ferrugem. Na prática, o cliente paga por um banho em água com ferrugem. Não há estudos científicos que provem que o corpo liberta qualquer impureza com este método. Contudo, em caso de dúvida, basta fazer o preparado, ligar a máquina mas não colocar os pés lá dentro. Se a água ficar suja na mesma, é porque se trata de um esquema.

E o tratamento de cera?

Há velas conhecidas por “ear candling”, de formato cilíndrico e interior oco, utilizadas para fazer detox. O “tratamento” consiste em colocar a extremidade mais fina no ouvido e acender a extremidade oposta, que não tem pavio. A orelha fica protegida por um pano, ou por um prato de papel, de modo a evitar que a cera quente caia para o canal auditivo. À medida que a chama vai queimando a vela, o terapeuta vai removendo a parte já queimada.

“Segundo os praticantes desta modalidade, o ar quente faz com que se crie uma diferença de pressão, levando a que as toxinas do corpo saiam pelo canal auditivo e fique retidas no interior oco da vela”, explicam os autores no livro. Para provar que as toxinas saíram do organismo, no final do tratamento abre-se a vela e verifica-se que estão lá uns grânulos de uma cor que varia entre o amarelado e o castanho escuro.

“Na realidade, são partículas resultantes da combustão da vela”, desmascaram os autores, após terem queimado duas velas iguais, uma colocada junto do ouvido de uma pessoa e outra colocada no orifício de um objeto inanimado semelhante ao canal auditivo, como um castiçal. No final, ambas tinham o mesmo conteúdo no interior. Toxinas não são, certamente.

Os autores referem que o glúten não é prejudicial a quem não tem a doença celíaca. © Fiery-Phoenix via Visual hunt

Todos devemos fazer uma dieta sem glúten ?

Há uma autêntica caça ao glúten atualmente, razão pela qual, por brincadeira, a contracapa do livro Não Se Deixe Enganar refira que não contém glúten. É verdade que esta proteína provoca sérios problemas para os celíacos mas, para o resto da população que não possui esta doença auto-imune, a proteína é inofensiva e deve ser incluída numa alimentação que se quer variada.

Há ainda pessoas que dizem sofrem de sensibilidade não celíaca ao glúten, uma condição ainda controversa que carece de consenso científico. A moda do sem glúten é cada vez mais um grande negócio e os alimentos “gluten free” são mais dispendiosos. “Uma breve pesquisa na Amazon revela mais de 12.400 livros sobre dietas sem glúten e é até possível encontrar produtos tão absurdos como champôs e desodorizantes sem glúten”, escreve a Comcept. Por um lado, faz com que muita gente passe a acreditar que esta proteína é prejudicial à saúde. Mas há uma vantagem em tudo isto: os doentes celíacos passaram a ter muito mais restaurantes onde ir e uma maior oferta de produtos que têm em conta a sua condição.

As vacinas fazem parte de uma conspiração para a indústria farmacêutica lucrar milhões?

Não. A indústria farmacêutica lucra milhões em algumas áreas, mas as vacinas representam apenas uma pequena parte do lucro. Na verdade, se as pessoas não estivessem protegidas pelas vacinas, aí sim a indústria farmacêutica ia começar a lucrar a sério, com os tratamentos necessários para enfrentar doenças que, graças às vacinas, estavam já erradicadas. E que têm reaparecido devido a movimentos anti-vacinação sem qualquer fundamento científico.

Nesta fase, a patranha que mais enfurece João Monteiro e Diana Barbosa é precisamente a da antivacinação. “Porque tem consequências muito graves, não só para as pessoas que não são vacinadas como para a sociedade em geral. Porque se muita gente deixar de se vacinar, perde-se o efeito de proteção de grupo”, diz João. “E porque afeta a vida de pessoas inocentes, as crianças, que podiam não estar doentes ou não morrer”, acrescenta Diana. “Já houve mortes em Portugal e na Europa e começou a ressurgir a tosse convulsa, que é uma doença horrível para os bebés e que pode levar à morte. É revoltante vermos bebés a sofrerem por causa de uma campanha de desinformação total, com os pais a serem enganados.”

O reacendimento das dúvidas em relação às vacinas deve-se a uma relação feita entre o autismo e a vacina tríplice, que inclui a vacina contra o sarampo, feita em 1998 por Andrew Wakefield. Muitos cientistas questionaram a opção de publicação de um estudo que incluía apenas 12 crianças e que, portanto, não poderia ser conclusivo. Ainda assim, várias equipas diferentes tentaram replicar o estudo sem nunca terem obtido o mesmo tipo de resultados. Mais tarde descobriu-se que os dados apresentados tinham sido manipulados e que o autor tinha recebido dinheiro de partes interessadas para publicar esta informação corrompida. O artigo científico foi considerado fraudulento e o autor perdeu a licença para exercer. Ainda assim, há quem continue a usar esta publicação para fazer valer os seus argumentos, que não têm fundamentação científica.

Os medicamentos homeopáticos são mais saudáveis porque não têm químicos?

Se há tema que cria divisões atualmente é a homeopatia, uma forma de terapia alternativa à medicina que defende que as doenças se curam recorrendo às mesmas substâncias que a provocaram. O princípio ativo dos “medicamentos” homeopáticos é retirado de animais, vegetais ou minerais, mediante o problema de saúde do doente. Se, por exemplo, este foi mordido por uma cobra, o tratamento homeopático receitado deverá ter veneno de cobra. O princípio ativo é depois diluído em água ou álcool. Os homeopatas acreditam que quanto mais diluídos, mais potentes são os remédios. O produto dessa diluição é tão alto que, sujeitos a análises independentes, os medicamentos homeopáticos revelam que na solução já não resta qualquer vestígio do princípio ativo. Sobra água e açúcar.

Há grupos em todo o mundo que se reúnem um dia por ano para tomar caixas inteiras de comprimidos homeopáticos, como prova de que são inócuos. © Richard Craig via Visualhunt.com

A terapia tem mais de 200 anos e não evolui desde então. Mas a ciência tem evoluído. Os homeopatas não negam que as diluições em série removem o ingrediente ativo, conforme provado pela química com o Número de Avogadro. Como resposta, passaram a defender que a água consegue lembrar-se dessa substância. “Mas porque é que a água se lembraria da substância original, mas não de ter passado pela bexiga de alguém?”, questiona a Comunidade Céptica Portuguesa.

Desde que começou a ser avaliada de forma objetiva, a homeopatia tem falhado consistentemente em demonstrar efeitos superiores ao de um simples placebo. É legal vender produtos homeopáticos em Portugal, vendendo-se até em farmácias. Contudo, de acordo com a lei portuguesa, o rótulo e o folheto informativo devem conter a indicação “medicamento homeopático”, posta de forma bem visível e legível, em maiúsculas e em fundo azul, seguido da menção “Sem indicações terapêuticas aprovadas“.

Todos os anos, há grupos que se juntam publicamente em várias partes do mundo e tomam dezenas de comprimidos homeopáticos de uma vez, para mostrarem a ausência de princípio ativo. Os investigadores Carlos Fiolhais e David Marçal, que assinam o prefácio de Não Se Deixe Enganar, já o fizeram em Portugal. Quanto ao facto de os medicamentos terem “químicos”, toda a natureza tem elementos químicos. É simplista utilizar a expressão “químicos” sem compreender quais são e quais as consequências.

Mas eu conheço quem se tenha curado com homeopatia…

As experiências pessoais contam pouco para a ciência. Há pais que dizem só tratar os filhos com soluções homeopáticas e estas melhoram. O que vemos é mais forte do que aquilo que lemos, mas nem sempre analisamos uma experiência pessoal de forma correta. É preciso ter em conta que, por exemplo, as constipações têm uma durabilidade curta e acabam por passar, mesmo que a pessoa não tome nenhum medicamento. E que problemas como alergias ou asma têm ciclos. Por vezes parecem desaparecer na infância, podendo regressar na idade adulta. Para eliminar fatores como coincidências é que existem estudos científicos, que fazem testes em ambiente controlado e apresentam resultados objetivos. A homeopatia tem falhado sempre nesta parte.

A pulseira do equilíbrio funciona?

Apenas como placebo, tal como a homeopatia ou o reiki, para citar alguns exemplos. Estas pulseiras, assim como a nova moda dos autocolantes que se colam ao corpo, fazem parte do lote de produtos que normalmente são apresentados com linguagem científica, mesmo se depois aplicam os termos erradamente. A esmagadora maioria das pessoas não compreende os conceitos e o produto passa por credível ao tentar parecer científico.

A resposta é um redondo não. As Power Balance, marca pioneira nas pulseiras do equilíbrio, custavam 37€ e justificavam o valor elevado por terem “dois hologramas quânticos de Mylar que estão especificamente programados com frequências que interagem, de forma natural, com o campo eletromagnético do corpo humano. Uma tecnologia exclusiva e patenteada que tem uma forte influência holística, uma vez que a Pulseira Power Balance foi concebida para otimizar a energia natural do organismo humano.”

Em vez de provas científicas, este tipo de patranhas costuma valer-se, para além da linguagem complicada onde são frequentes os termos “quântico”, “eletromagnético” e “energias”, de testemunhos pessoais que atestam o seu bom funcionamento. Se forem celebridades, tanto melhor para a marca, que consegue convencer assim mais gente a comprar o produto.

Vários testes independentes foram feitos em grupos onde algumas pessoas usavam a pulseira com o holograma e outras uma pulseira falsa. Em nenhum se provou que as pulseiras melhoravam o equilíbrio do utilizador e a sua força. Em 2011, a Power Balance foi obrigada pela justiça australiana a admitir publicamente que as pulseiras não funcionavam e a reembolsar os compradores que quisessem devolver a pulseira.

A pseudociência mascara-se de ciência, mas sem provas

Finalmente… Como é que as pessoas podem distinguir melhor um site credível de outro com textos e informações sem fundamento científico?

“No livro damos algumas dicas para ajudar a perceber se a informação é credível ou não. Parte dessas dicas vem de propostas do Carl Sagan, a que ele chamava o kit da deteção da treta, e que são uma série de perguntas que a pessoa deveria fazer, não perante tudo o que lê e vê, mas perante algumas coisas que despertem dúvidas”, afirma Diana Barbosa, licenciada em Biologia. Sobretudo, perante tudo o que parece demasiado bom para ser verdade. “Realmente, às vezes é difícil perceber se um artigo científico vem de uma revista fidedigna ou não, se o trabalho está bem feito ou não, e aí era importante ter jornalistas de ciência especializados nessa área, que saibam ver as diferenças”, defende.

João Lourenço dá mais algumas dicas: “Não é com um só artigo que se vai obter a aproximação à verdade. É preciso ler vários artigos dessa equipa para compreender o contexto, e isso dá algum trabalho. Depois, tentar perceber a que resultados é que chegaram outras equipas independentes.” Mais: “Estudos na área da saúde com uma amostra muito pequena e que analisam várias causas em simultâneo” não são de fiar.