Luís Pedro Mota Soares, ministro da Solidariedade, Emprego e Segurança Social (MSESS) do Governo de coligação PSD/CDS, autorizou uma das viagens pagas à Huawei em 2014, realizada por João Mota Lopes, então vogal do conselho diretivo do Instituto Informático da Segurança Social. Um ofício assinado por Gabriel Osório de Barros, chefe de gabinete do então ministro, dava conta de que, no dia 27 de janeiro de 2014, o responsável pelo ministério tinha autorizado a deslocação daquele alto quadro do MSESS à China.
O ex-ministro do CDS justifica ao Observador a aprovação de viagens pagas por terceiros por entender que “é normal nas empresas e na administração pública a participação em congressos e seminários, que possam incorporar conhecimento” nos dirigentes. “É normal que estas visitas se façam”, diz Luís Pedro Mota Soares.
Outro argumento que levou o ex-governante a aprovar a deslocação paga pela Huawei tem a ver com o facto de a viagem ter sido proposta pelo presidente do conselho diretivo do Instituto de Informática da Segurança Social, Pedro Corte Real: “Para nós era relevante ter autorização do dirigente máximo do serviço, do conselho diretivo”. Quando eram justificadas com esta lógica, diz o ex-ministro, havia uma maior probabilidade de as deslocações serem aprovadas:
Perante esse crivo do presidente do conselho diretivo, que entendia que a viagem era relevante para o próprio serviço, podíamos autorizar. O presidente do conselho diretivo entendeu que a visita era relevante, e justificou-a”.
E não deveria ser o Estado a pagar, no caso de a viagem ser de interesse público? Mota Soares responde ao Observador que “em alguns casos isso aconteceu, mas noutros não”. O ex-ministro diz que os problemas financeiros do país também contribuíram para a aceitação das deslocações pagas por terceiros: “Tem a ver com a prática normal do mercado, e estávamos num quadro de enorme contenção financeira”.
A exceção no código de conduta
O atual deputado do CDS diz que até o código de conduta criado pelo Governo do PS em setembro de 2016 cria uma exceção para congressos e conferências, que ficam fora da alçada dos 150 euros de ofertas. No ponto três, alínea a) do artigo 10.º do Código de Conduta do Governo, pode ler-se: “[Excetuam-se] convites ou benefícios similares relacionados com a participação em cerimónias oficiais, conferências, congressos, seminários, feiras ou outros eventos análogos, quando correspondam a usos sociais e políticos consolidados, quando exista um interesse público relevante na respetiva presença ou quando os membros do Governo sejam expressamente convidados nessa qualidade, assegurando assim uma função de representação oficial que não possa ser assumida por terceiros.” No entanto, um adjunto do atual secretário de Estado das Comunidades foi forçado a demitir-se depois da notícia do Observador sobre uma visita à Huawei, em 2017, precisamente por ter violado o código de conduta. Mas o visado, Nuno Barreto, viajou a título pessoal e não enquadrado na atividade do ministério.
O Instituto de Informática da Segurança Social colocou a possibilidade da viagemà China à consideração do ministro, num ofício de 13 de janeiro de 2013, sobre a pertinência da “deslocação ao estrangeiro” de João Mota Lopes. Assinado por Pedro Corte Real, presidente do IISS, o interesse da visita era assim justificado ao ministro:
Na procura da melhoria contínua da qualidade e eficiência dos serviços que o Instituto de Informática disponibiliza aos seus parceiros e clientes, importa conhecer novos produtos, novas tecnologias e tendências.”
O pedido de autorização alegava que existia “todo o interesse” em estar presente naquele evento no estrangeiro, “atendendo à relevância da componente tecnológica” e informava o ministro de que era uma iniciativa mais alargada ao setor público português:
Este evento tem por objetivo a realização de um Summit com elementos da Administração Pública Portuguesa, por forma a dar a conhecer, em detalhe, a oferta da Huawei em termos de soluções e produtos.”
A agenda do evento fazia parte da informação apresentada ao gabinete ministerial e o ofício garantia que as “despesas com as deslocações e estadias” eram ”suportadas” pela entidade promotora.
João Mota Lopes também foi um dos convidados para o evento da Oracle nos Estados Unidos, quando estava no IISS, com Carlos Oliveira (outro dirigente do instituto). O parceiro que fez o convite, neste caso, foi uma empresa portuguesa também da área das Tecnologias de Informação, a Normática. Ao Observador, João Mota Lopes — que trabalhava para Oracle antes de ir para o IISS e voltou à Oracle após sair do IISS — confirmou que realizou a viagem, mas não quis fazer qualquer declaração, alegando que ainda trabalha na empresa. Este militante social-democrata já teve vários cargos como dirigentes do PSD em Lisboa. Esteve nas listas do partido à Câmara Municipal em 2013.
Quando o Observador publicou a notícia da sua viagem à China, Mota Lopes confirmou ao Observador que fez a viagem a convite da Huawei, mas garantiu: “Foi uma decisão de todo o conselho diretivo irmos à viagem. E acabei por ir eu, mas podia ir qualquer outra pessoa”. João Mota Lopes tinha o pelouro das tecnologias e sistemas de informação: “Não fui ver a bola. Fui trabalhar. Durante dois dias assisti a conferências, foram powerpoints atrás de powerpoints”.
O antigo dirigente da Segurança Social explicou ainda que “o Instituto de Informática recebe vários convites”: “Alguns declina. Noutros casos, quando há interesse, envia um administrador ou um técnico. Neste caso fui eu.”