A escolha para o Ministério da Administração Interna recai sobre um dos mais próximos de António Costa neste Governo (e noutros). Eduardo Cabrita passa de ministro Adjunto do primeiro-ministro para a pasta mais fragilizada do Executivo, depois de dois anos entregue a uma figura com um perfil bem menos político do que o socialista, para quem estas andanças já não têm mistérios. O peso político tem sido notado por alguns dos seus colegas — e sobressaiu ainda mais nas últimas semanas, na negociação do Orçamento do Estado — sobretudo no braço-de-ferro que mantém com outro peso-pesado: o ministro das Finanças Mário Centeno.

Os combates entre os dois são classificados de “épicos” dentro do Governo. A relação é tensa, os dois ministros não se dão bem e têm tido alguns momentos de confronto, segundo apurou o Observador. Foi o caso do último Orçamento do Estado, numa altura em que Eduardo Cabrita lutava por uma verba mais robusta para as autarquias, tendo em conta o acréscimo de poderes que se preparam para ganhar no próximo ano, quando se efetivar a descentralização de competências. Neste Orçamento, Cabrita conseguiu algumas vitórias importantes perante Centeno, como por exemplo a redução, nos próximos dois anos, das contribuições dos municípios para o Fundo de Apoio Municipal, deixando-os com mais dinheiro disponível, ou o crescimento de 1,5%, das transferências para a administração local.

Cabrita valorizou publicamente estas conquistas, mas também disse, em declarações à Lusa, que o “Orçamento a caminho da descentralização” — que admitia ver — ainda apresenta “um diferencial de cerca de 70 milhões de euros” para se cumprirem os critérios da Lei das Finanças Locais. No braço-de-ferro com Centeno não ganhou tudo e pelo caminho ficou um confronto agudo entre os dois nas últimas reuniões do Governo para ultimar a proposta de Orçamento do Estado para 2018.

Agora, nas novas funções, tem um aliado do seu lado nesta matéria. Ainda esta terça-feira, o Presidente da República exortou o Governo a dar a folga orçamental que vier a existir à Floresta e a tudo o que envolve o combate aos fogos. E ainda esta quarta-feira, no Parlamento, Costa citou uma conversa privada com o ministro das Finanças, para o vincular a esta linha, garantindo o que Centeno lhe disse: “Não será o nosso empenho na consolidação orçamental que frustrará o que é prioritário para a floresta”.

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Se a relação de Cabrita com Centeno não é estreita, há uma que deixa o novo ministro da Administração Interna bastante confortável neste Governo, que é a longa amizade com António Costa. Aliás, a escolha de Eduardo Cabrita para esta pasta nesta fase é vista como um sinal de que “António Costa vai apostar tudo nesta área”, diz um deputado socialista. Isto tendo em conta a proximidade que os dois têm há muitos anos. “Conhecem-se há 40 anos, falam a mesma linguagem e pensam de forma semelhante”, acrescenta a mesma fonte. Aliás, o reforço do Executivo nesta fase de especial fragilidade, depois de duas tragédias relacionadas com incêndios, foi feito exclusivamente com pessoas da estrita confiança de Costa — para o lugar de Cabrita como ministro Adjunto entra um amigo do primeiro-ministro, o advogado Pedro Siza Vieira.

Tudo começou em Direito

Foram colegas da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa , ambos foram alunos de Marcelo Rebelo de Sousa que deu “15 ou 16 a Cabrita” em Direito Constitucional. Acabou por não ir à oral para melhoria de nota, apesar da insistência do professor. Desse tempo lembra, como uma das principais aventuras vividas com aquele que havia de ser o líder do PS, “o desafio associativo. Foi apaixonante retomar aquilo que foi uma ótica participada e que de algum modo antecipou a ‘geringonça’“, disse numa entrevista ao Observador em novembro de 2016. Antecipar a solução governativa porquê? É que naquela altura chegaram a estar “com as forças independentes à esquerda. Tivemos no nosso quadro associativo pessoas como António Filipe”, do PCP, recordou então Cabrita.

Eduardo Cabrita: “Não sinto necessidade de renovar os acordos” com os outros partidos

Faziam já parte da JS, mas esta primeira experiência ao lado dos comunistas nem acabou bem. A lista para a Associação Académica que integravam perdeu para a da JSD, em coligação com a Juventude Centrista, e Costa acusou António Filipe de ter contribuído para o resultado. Acabaram por se zangar e afastar-se. Muitos anos mais tarde os entendimentos com o PCP haviam de funcionar, noutro capítulo da vida de todos, e Costa e Cabrita estariam de novo no mesmo barco.

Eduardo Cabrita tem 56 anos e é do Barreiro, um bastião comunista até às últimas autárquicas, mas nunca foi do PCP. Dos tempos da juventude lembra-se de uma entrevista que deu em 1976 à revista Opção, que “na altura fazia o associativismo dos liceus”, conta na conversa já citada com o Observador. “Dei uma entrevista e fique tristíssimo. Falámos imenso tempo com o jornalista e depois eles pôs uma coisa pequeníssima. Não ligou nada ao que dissemos. Ao fim de uma conversa de muito tempo, saiu uma página, com uma foto que não era a do meu liceu, e com um título que me deixou triste: ‘Barreiro: associação de Direito em terra de anti-fascistas'”.

Três vezes com Costa no Governo, quatro cadeiras diferentes

Esta é a terceira vez que está no Governo com António Costa, mas a Administração Interna já é a quarta cadeira que Costa lhe estende. Esteve com ele quando, em 1999, o seu colega de Direito e já com pergaminhos na alta política (tinha sido secretário e ministro dos Estado dos Assuntos Parlamentares de António Guterres) o chamou para ser seu secretário de Estado da Justiça. O Governo acabou dois anos depois, no já conhecido “pântano”, numa noite autárquica de má memória para os socialistas. Nas eleições que se seguiram, concorre nas listas a deputado e entra no Parlamento pela primeira vez em 2002. Desde aí só não esteve nos corredores do Palácio de São Bento quando saiu para exercer funções governativas, como em 2005, quando Costa voltou a levá-lo para o Governo chefiado por José Sócrates, desta vez para a Administração Interna.

O Ministério com sede no Terreiro do Paço não é, por isso mesmo, um local estranho a Cabrita, que passou lá entre 2005 e 2007, quando ocupou a função de secretário de Estado Adjunto e da Administração Local. Nessa altura, Costa fez questão de rodear-se — mais uma vez — apenas e só de nomes da sua inteira confiança e, com Cabrita, entraram também para o MAI José Magalhães (secretário de Estado Adjunto e da Administração Interna), Ascenso Simões (secretário de Estado da Administração Interna) e Fernando Rocha Andrade (para subsecretário de Estado). Cabrita ficou com a área da Administração Local e, nessa altura, já andava a braços com a descentralização de competências para as autarquias em áreas centrais como a Educação, numa espécie de tubo de ensaio para a reforma em que pegaria mais tarde e que agora deixa nas mãos de Pedro Siza Vieira.

Cabrita tem um lugar cativo na coordenação política do Executivo de António Costa. Faz parte do núcleo que se reúne com o primeiro-ministro todas as terças-feiras e que inclui também outras figuras do PS que têm peso político significativo neste Governo, como os ministros José António Vieira da Silva e Augusto Santos Silva. Bem como o líder parlamentar do PS, Carlos César (entre outros), outro socialista com quem Costa se habituou a contar na sua carreira política. Eduardo Cabrita esteve também sempre por perto do líder do PS quando germinou a ideia da “geringonça” e em todo o processo que a antecedeu, mesmo antes das eleições de 4 de outubro de 2015. Foi uma das figuras que Costa quis ouvir ainda antes das eleições sobre os vários cenários que podiam vir a colocar-se em cima da mesa. É um dos que Costa foi sempre ouvido, em várias circunstâncias importantes da sua vida.

A corrida à liderança, o microfone e a mulher ministra

Durante a época de António José Seguro, e quando o então presidente da Câmara lisboeta começou a pensar avançar no terreno desafiando a liderança, foi um dos mais empenhados na ofensiva. Nos corredores parlamentares não disfarçava a impaciência com a liderança vigente e foi uma das primeiras vozes, em maio de 2014, a vir pedir a antecipação do congresso socialista e apoiar António Costa.

Nessa fase, ocupava no Parlamento um cargo que lhe dava algum gozo (e peso): era o presidente da Comissão Parlamentar de Orçamento, onde protagonizou um episódio caricato, estavam o PSD e o CDS no Governo. Paulo Núncio era então secretário de Estado dos Assuntos Fiscais e acabava de falar sobre a reforma do IRC — que esteve acordada com o PS no tempo de António José Seguro, mas que António costa rasgou quando tomou a liderança do PS. “O Sr. secretário de Estado faltou à verdade”, disse Cabrita, então presidente da comissão, a Núncio. O secretário de Estado não gostou e começaram a disputar o… microfone. A cena (que pode recordar no vídeo em baixo) termina com o socialista, já muito irritado, a agarrar o microfone para que o governante não usasse mais a palavra.

Em 2015, voltou a concorrer, pelo distrito de Setúbal, às legislativas. Entrou no Parlamento depois de uma derrota eleitoral do PS que acabou como já se sabe. Gravou uma videobiografia para o site do Parlamento onde já dizia esperar que “esta legislatura” significasse “um virar de página relativamente aos anos terríveis que os portugueses viveram nos últimos quatro anos” e também “elencava como “áreas de interesse”: “A afirmação do desenvolvimento, do combate da igualdade, o que me tem levado a estar muito ativo nas áreas das Finanças e da Economia”. Acabou por ser chamado para ministro Adjunto do primeiro-ministro, pouco depois disto, ficando com a tutela das Autarquias Locais e também a Cidadania e Igualdade. Ficou (até aqui) longe da segunda parte dos seus interesses.

Na troca de cadeiras que agora acontece, Eduardo Cabrita não perde a sua na grande mesa oval da sala onde todas as quintas-feiras se reúnem os ministros, no Conselho de Ministros. À mesma mesa tem sentada a sua mulher, Ana Paula Vitorino, que é ministra do Mar. Ao Observador, em novembro, era questionado se tratava a mulher por “ministra”, nesse contexto: “No Conselho de Ministros nós normalmente dirigimo-nos ao primeiro-ministro. Com a ministra do Mar temos um pacto na valorização territorial: ela trata do mar, da frente atlântica, eu trato do interior“. E em casa, falam do que se passa naquelas reuniões? “Tentamos ter o bom gosto de não o fazer”.