Os factos são estes, para quem não acredita: um acórdão do Tribunal da Relação do Porto, com data de 11 de outubro, justifica a pena suspensa dada a um homem que agrediu a mulher com uma moca de pregos com o argumento de que “o adultério da mulher é uma conduta que a sociedade sempre condenou (são as mulher honestas as primeiras a estigmatizar as adúlteras), e por isso vê com alguma compreensão a violência exercida pelo homem traído, vexado e humilhado pela mulher”. Para fundamentar esta afirmação, o juiz cita a Bíblia e o Código Penal de… 1886, em que o agressor era punido com uma pena meramente simbólica se matasse a mulher adúltera. O caso foi noticiado este domingo pelo Jornal de Notícias, chegou rapidamente às redes sociais, e causou perplexidade entre juristas. Algumas associações de mulheres já apresentaram queixa.

É o caso da UMAR — União de Mulheres Alternativa e Resposta –, que, de acordo com a edição desta segunda-feira do Jornal de Notícias, afirma que a “argumentação é inadmissível”. Segundo a jurista Elisabete Brasil, presidente daquela associação, a única justificação para manter a pena suspensa seria alegar que o arguido “tem uma depressão comprovada clinicamente, que é primário, que mostrou arrependimento, enfim, com aquilo que, em cada caso, estivesse em consonância com as atenuantes que a lei apresenta”. Mas não. Para a presidente da UMAR, a argumentação usada é “inadmissível”, “parada no tempo”, e “vai contra as próprias normas nacionais e internacionais”.

Também a associação Capazes já deixou claro que vai apresentar queixa ao Conselho Superior de Magistratura, segundo o jornal Público. A Associação Portuguesa de Mulheres Juristas deverá fazer o mesmo.

O caso remonta a 2014 e refere-se a um casal de Felgueiras, em que o marido (e o amante) agrediram a mulher com uma moca com pregos porque ela tinha tido um relacionamento extraconjugal. O Tribunal de Felgueiras condenou os dois homens a um ano e três meses de prisão, com pena suspensa. O Ministério Público recorreu para o Tribunal da Relação do Porto, mas a pena suspensa foi mantida, num acórdão muito polémico que agora se tornou público. O acórdão é datado de 11 de outubro deste ano, redigido pelo juiz desembargador Neto de Moura, e assinado por Maria Luísa Arantes.

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A agressão foi feita pelos dois homens. Segundo se percebe do relatório, em junho de 2015 a mulher foi sequestrada pelo ex-amante, que insistia com ela para retomarem a relação. Como a mulher não aceitava, o ex-amante chamaria o o ex-marido para juntos a confrontarem com a situação. Foi nesse contexto que, usando uma “moca com pregos”, os dois homens a agrediram.

O caso chegou aos tribunais, e a pena foi ligeira perante a gravidade dos factos. Mas é a justificação do juiz o que está a causar maior indignação. “Ora, o adultério da mulher é um gravíssimo atentado à honra e dignidade do homem. Sociedades existem em que a mulher adúltera é alvo de lapidação até à morte. Na Bíblia, podemos ler que a mulher adúltera deve ser punida com a morte. Ainda não foi há muito tempo que a lei penal [de 1886] punia com uma pena pouco mais que simbólica o homem que, achando a sua mulher em adultério, nesse ato a matasse”, lê-se no acórdão.

De acordo com o jornal Público, a advogada da vítima ainda não decidiu que medidas vai tomar, sendo que o caso ainda não transitou em julgado.

Além da onda de indignação que se gerou nas redes sociais este domingo, também a eurodeputada bloquista Marisa Matias reagiu no Facebook, sem saber bem por onde começar. “Pelo conceito de que o adultério feminino é mais censurável que o masculino? Pelo recurso à justiça bíblica para fundamentar a atenuaçãoo de um pena prevista pelo Código Penal português? Ou pelo facto de se continuarem a tirar coelhos da cartola para não condenar a violência doméstica?”, escreve.

Por onde começar? Pelo conceito de que o adultério feminino é mais censurável que o masculino? Pelo recurso à justiça…

Posted by Marisa Matias on Sunday, October 22, 2017

De acordo com o Jornal de Notícias, a recém-eleita secretária de Estado da Cidadania e da Igualdade, Rosa Monteiro, também reagiu ao relatório, mas sem mencionar o caso concreto. “Qualquer forma de normalização da violência é inaceitável”, disse.