As contas dos sete partidos com assento parlamentar já conheceram melhores dias. PS e CDS estão tecnicamente falidos; o PSD tem um passivo de 8,4 milhões de euros; o PCP, apesar de ser o partido com maiores receitas (por uma larga margem) regista um passivo de 3,3 milhões e tem manifestado muitas preocupações em relação ao seu futuro financeiro. Bloco de Esquerda, Verdes e PAN são pontos (timidamente) coloridos num cenário muito cinzento.
Num momento em que se discutem as polémicas alterações à lei do financiamento partidário, as contas apresentadas — as últimas conhecidas são relativas ao ano de 2016 — mostram que os partidos vivem uma situação de fragilidade financeira. De entre todos, o PS, mesmo depois de ter renegociado a dívida à banca, é o partido que enfrenta mais dificuldades de tesouraria, apesar da ligeira recuperação registada no último ano.
PS. Um partido tecnicamente falido
De acordo com a informação divulgada pela Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (ECFP), os socialistas terminaram o ano de 2016 com um passivo de mais de 20 milhões de euros. Se a este valor forem subtraídos os ativos dos partidos (na ordem dos 14 milhões de euros), é possível concluir que o PS terminou o ano com um capital próprio negativo de 6 milhões de euros — ou seja, em falência técnica.
Em 2015, a situação era ainda mais alarmante: os socialistas registavam um passivo de mais de 21 milhões de euros. Quando os dados foram conhecidos, o partido apressou-se a contrariar as notícias de falência técnica. “Há uma enorme diferença entre uma situação financeira complexa e uma falência. [O PS] está a honrar, em plenitude, os seus compromissos financeiros e iniciou mesmo, no ano corrente, um processo de amortização de dívida negociado com as instituições de crédito que permitirá uma redução sustentada do seu endividamento”, esclareceu nessa época Luís Patrão, secretário nacional para a administração e presidente da comissão de gestão do PS.
De qualquer forma, as contas dos socialistas têm vindo a melhorar. Graças ao esforço de contenção da direção do partido, os socialistas registaram o ano passado e pela primeira vez em quatro anos um resultado líquido positivo de 255 mil euros — algo que não acontecia desde 2012. Quando foram conhecidos estes resultados, Luís Patrão explicou ao Público que a estratégia de contenção assentou sobretudo em três pilares: a renegociação da dívida aos bancos e aos credores, diminuição da despesa corrente e cortes nas despesas com o pessoal. Um verdadeiro programa de austeridade.
Ainda segundo os dados que constam na ECFP, os militantes socialistas são os segundos que mais pagam ao partido, depois dos comunistas — são quase de 1,9 milhões de euros em quotas. Já do lado dos donativos, o PS foi o partido que mais os recebeu no ano de 2016: cerca de 178 mil euros.
Nada que afastasse por completo a delicada situação de tesouraria do partido. Em setembro de 2016, o Jornal de Notícias avançava com a informação de que havia iniciativas políticas a serem canceladas por falta de dinheiro e militantes e dirigentes locais do PS a pagarem as contas de água e de luz das respetivas sedes do próprio bolso — uma informação confirmada pelo Observador, que alertava para o facto de o Tribunal Constitucional já ter considerado ilegal esse tipo de ajudas.
Em outubro, a direção do PS pedia um novo esforço aos seus militantes: que ajudassem a pagar as despesas da campanha eleitoral autárquica. Numa carta enviada a todos os autarcas eleitos pelo partido (vereadores incluídos), Luís Patrão pedia um “contributo solidário” que permitisse “divulgar e promover o trabalho feito e as nossas propostas para o futuro”.
Em dezembro de 2016, nova mensagem de apelo e desta vez dirigida a todos os militantes: “Neste período de final de ano, vimos pedir-lhe um apoio adicional ao nosso partido, através do pagamento de uma quota anual extraordinária de 12,00 € (ou um valor superior, se assim entender)” que “permitirá ao partido apresentar melhores contas e preparar-se para os grandes desafios eleitorais que se aproximam”, escrevia Luís Patrão, numa notícia avançada pelo jornal i.
No início deste ano, em janeiro de 2017, o Jornal de Negócios dava conta que o PS estava a exigir a devolução de milhões de euros de IVA gasto nas campanhas eleitorais. Em causa está o diferendo que os socialistas mantêm com a Autoridade Tributária — e com a ECFP — sobre a devolução deste imposto. Segundo o entendimento do fisco e da entidade das contas, os partidos não têm direito a devolução do IVA nas despesas relacionadas com as campanhas eleitorais. É que o artigo que enquadra os benefícios do IVA diz respeito à primeira parte da lei, que regula as contas dos partidos políticos. Na segunda parte da mesma legislação, que se refere às campanhas eleitorais não há qualquer referência ao IVA. O PS é o único partido que entende o contrário e tem vários litígios nos tribunais administrativos e fiscais com a Autoridade Tributária. Qual é o problema? É que a legislação das campanhas também abrange os movimentos de cidadãos e os independentes que concorrem a Presidente da República, e esses não têm qualquer benefício fiscal em termos de IVA.
E é neste ponto que a nova lei de financiamento partidário pode assumir contornos mais polémicos: subsistem muitas dúvidas sobre o possível carácter retroativo da lei, como explicava aqui o Observador.
PSD. Sem motivos para alarme — para já
Os sociais-democratas terminaram o ano de 2016 com um passivo total de mais de 8,4 milhões de euros. Ainda assim, os ativos do partido, cerca de 9,6 milhões de euros, continuam a superar o passivo, pelo que o PSD continua a ter cerca de 1,2 milhões de euros em capital próprio.
Mas os primeiros sinais de alarme estão aí: de 2015 para 2016, o PSD perdeu mais de dois milhões de euros em ativos e o passivo recuou apenas 200 mil euros. E o resultado líquido continua negativo: em 2015, esse resultado foi quase de 2,4 milhões de euros negativos; em 2016, resultado foi igualmente negativo, de 1,8 milhões de euros.
Os donativos também recuaram de um ano para o outro. Em 2016, o PSD declarou 61 mil euros em donativos. No ano anterior, os sociais-democratas tinham declarado 94 mil euros. As quotas e as contribuições dos militantes, por outro lado, aumentaram de 1,17 milhões para 1,22 milhões de euros.
CDS. Tecnicamente falido — mas por pouco
Tal como o PS, o partido liderado por Assunção Cristas também não tem razões para sorrir — embora a situação financeira do CDS esteja longe de ser tão negativa como a dos socialistas. Os democratas-cristãos terminaram o ano de 2016 com um passivo superior aos ativos: 663.585 mil contra 762.102 mil euros. Ou seja, com um capital próprio negativo de 98.517 mil euros, o CDS está tecnicamente falido.
A comparação com o exercício do ano anterior é preocupante: em 2015, o CDS tinha ativos na ordem dos 954.215 mil e um passivo de 738.639 mil euros. Em 2016, essa tendência inverteu-se: os ativos recuaram para os 663.585 mil e o passivo aumentou para 762.102 mil euros. De um ano para o outro, os democratas-cristãos passaram de um total de capital próprio positivo de 215.576 mil para um valor negativo de 98.517 mil euros.
Os democratas-cristãos não discriminam nas suas últimas contas os valores que receberam de donativos ou de quotas pagas por militantes. Mas quase todos os indicadores são pouco animadores: as receitas recuaram mais de 400 mil euros, as despesas com fornecimentos e serviços externos aumentaram mais de 100 mil euros e os gastos com pessoal cresceram mais de 150 mil euros.
PCP. O partido mais rico e com os militantes mais generosos
De entre os sete partidos com assento parlamentar, o PCP é aquele que regista o maior capital próprio (diferença entre ativos e passivo). Em 2016, os comunistas registaram um total de ativos de 21 milhões de euros e apenas 3,3 milhões de passivo. Ou seja, terminaram o ano com um capital próprio de 17 milhões de euros — um resultado sem paralelo no panorama partidário português.
Este resultado deve-se em grande parte ao facto de os comunistas serem o partido com maior volume de receitas em Portugal, mais de 10 milhões de euros. Os militantes do partido pagaram mais de 3 milhões em quotas, os candidatos e representantes eleitos entregaram mais de 1 milhão, houve mais de 17 mil euros donativos e quase 3 milhões de euros em angariação de fundos.
Um valor de angariações que pode disparar se Marcelo Rebelo de Sousa promulgar a nova lei de financiamento partidário: na prática, estas novas alterações determinam o fim do limite para angariações dos partidos.
Apesar dos dados positivos, o PCP apresentou em 2016 um resultado líquido negativo de 245 mil euros, uma situação que se arrasta há anos e que só tem sido possível de contornar com venda de ativos e contenção de custos. Nas teses que levou ao último congresso, o Comité Central do PCP alertava para a “situação financeira insustentável” do partido.
Os comunistas reconheciam que a situação da tesouraria do PCP estava longe de ser a mais animadora: entre 2008 e 2012, o prejuízo médio anual cifrava-se nos 200 mil euros; entre 2012 e 2015 esse valor médio anual passou a ser superior a um milhão de euros. E só com o recurso às “receitas extraordinárias e institucionais” (“gestão de património, subvenções, entre outras”), que aumentaram desde 2012, “foi possível fazer face à situação deficitária, obtendo-se um resultado financeiro global nos quatro anos de um milhão e 261 mil euros”.
Sinais preocupantes, que os comunistas não ignoram: uma das prioridades identificada pelo partido em dezembro de 2016, no seu congresso, passava pelo equilíbrio das contas, através da “contenção de despesas”, da “rentabilização do património” do partido e por uma campanha de regularização das quotas em atraso.
Esta última prioridade era, de resto, uma das maiores preocupações do PCP: de acordo com as estimativas dos comunistas, apenas “43% dos membros do partido” estavam a pagar quotas e continuava “por clarificar a situação de dezenas de milhares de inscritos anteriores a 2003”. O Comité Central do PCP também não ignorava a redução do número de militantes desde o último levantamento: o partido tem hoje “54 280 membros” — em 2012, o partido contava com 60 484 militantes filiados.
BE. Contas no verde
Dos cinco principais partidos, o Bloco de Esquerda é o que regista o menor passivo. Apesar do nível de receitas modesto, os bloquistas têm uma passivo de 158 mil euros, bem longe dos milhões de passivo que os outros partidos registam. Receberam 65 mil euros em quotas e 830 euros em donativos.
Com ativos na ordem dos 2,6 milhões de euros, isto significa que o Bloco tem um capital próprio de cerca de 2,4 milhões de euros, o que faz dele o segundo partido com maior diferença entre ativos e passivo. Os bloquistas só ficam atrás (e por larga margem) dos comunistas.
Em 2016, o Bloco de Esquerda terminou o ano com um resultado líquido positivo de 257 mil euros, uma melhoria face aos 174 mil euros de 2015, sinal de uma tendência positiva que se tem consolidado ao longo dos anos.
PEV. Um partido com a tesouraria em ordem
Os ecologistas, que no Parlamento são representados por Heloísa Apolónia e José Luís Ferreira, têm as contas em dia. Têm um passivo residual — cerca de 11 mil euros — e ativos avaliados em 212 mil euros. Ou seja, um capital próprio positivo de cerca de 200 mil euros.
Mas nem tudo são boas notícias. Em 2016, o Partido Ecologista “Os Verdes” terminou o ano com um resultado líquido negativo de 8.524,25 euros negativos, contra os 28 mil euros positivos de 2015.
Grande parte da receita própria — excluindo a subvenção estatal — é compensada pelas contribuições de candidatos e representantes eleitos (mais de 48 mil euros) e pelo pagamento de quotas e outras contribuições (mais de 5 mil euros).
PAN. O estreante sem problemas com as contas
O partido Pessoas, Animais e Natureza (PAN), que nas últimas eleições conseguiu, pela primeira vez na sua história, eleger um deputado, tem ativos avaliados em cerca de 239 mil euros e um passivo de 11 mil, o que faz com que tenha capitais próprios na ordem dos 228 mil euros.
Além disso, o PAN conseguiu terminar o ano de 2016 com um resultado líquido positivo de 68 mil euros. Para tal, contribuíram os apoios do Estado, mas também o pagamento de quotas dos militantes (9 mil euros) e os donativos (504 euros).