Rui Rio não teve direito a estado de graça. Desde a vaia a uma vice-presidente no Congresso que o novo presidente do PSD tem somado momentos difíceis: os efeitos da escolha de Elina Fraga, o veto à presença de Hugo Soares na Comissão Política Nacional, o falhanço de Negrão ao conseguir apenas 39% dos votos dos deputados, ou até o desconforto dos funcionários da sede do PSD. O que podia correr mal, correu mal.
Nas contas de Rui Rio não estavam, certamente, tantos problemas logo na primeira semana. O maior deles foi a humilhação que o candidato que escolheu para a liderança parlamentar (Fernando Negrão) foi alvo na quinta-feira. Em 88 deputados, só 35 é que votaram a favor, aos quais se juntaram 32 votos brancos e 21 nulos. Negrão ainda quis que os 32 votos em branco contassem como votos que lhe dão o “benefício da dúvida”, mas isso não impediu a leitura de que a bancada está contra a forma como Rui Rio está a gerir o partido.
Após saber do resultado, Fernando Negrão telefonou de imediato a Rui Rio. Estiveram quase uma hora ao telefone até ao momento em que Negrão apareceu pela primeira vez, perante os jornalistas, para uma conferência de imprensa nos Passos Perdidos, na Assembleia da República. Rio já estava no Porto. Dois dias (a juntar aos três de congresso) junto da “corte lisboeta” bastaram. A longa conversa ao telefone podia sugerir que Rio esteve a convencer Negrão a assumir o cargo, apesar do fraco resultado. Mas o novo líder parlamentar negou isso várias vezes. Voltou a reiterar esta sexta-feira ao Observador que foi ele que, num primeiro momento, se mostrou “totalmente disponível para continuar.” Ou seja: a conversa foi só para afinar a estratégia de como responder à hecatombe.
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Após o fraco resultado, Fernando Negrão não conseguia esconder o desconforto perante os jornalistas, mas fez questão de responder, educadamente, a todas as questões que lhe foram colocadas. As justificações que deu não colheram a simpatia da maior parte dos deputados. Paula Teixeira da Cruz e Sérgio Azevedo foram os mais agressivos publicamente: a ex-ministra da Justiça acusou Negrão de falta de “legitimidade”; o antigo vice-presidente chegou a comparar as suas declarações à constituição de 1933, documento que foi o suporte do regime fascista de Salazar.
Rio continuou em silêncio o resto da semana. Negrão continuou a falar às televisões, às rádios, aos jornais. Tanto na quinta-feira à noite, como na sexta-feira de manhã, à margem do plenário. Vários deputados contactados pelo Observador estavam ainda “magoados” e “revoltados” com as declarações de Negrão sobre a falta de ética ou de um plano “obscuro” para atingir Rio. Um antigo dirigente da bancada nem quis falar em “on” alegando: “A situação já está tão má, tão má, que se falar nem sei onde isto vai parar”. Ainda assim, o mesmo deputado admitiu que esteve na sexta-feira à tarde em reuniões com outros colegas de bancada, não a conspirar, mas a refletir sobre o que será o futuro da bancada. “Estamos todos com uma expectativa pessimista. Pelo que falei hoje [sexta-feira] com os meus colegas, se a votação fosse hoje, em vez de 35 votos, tinha 15. Foi tudo desastroso.”
Outros deputados, que votaram em Negrão, têm uma opinião contrária. Um deles diz mesmo que “o grupo agora vai acalmar, os deputados já deram este sinal de descontentamento, mas agora também já perceberam que, se continuarem, não estão só a prejudicar o Rui Rio, estão a prejudicar o PSD”.
Problemas até com os funcionários
Logo no domingo, Rui Rio comunicou aos funcionários do partido que deveriam apresentar-se na sede nacional, na rua de São Caetano à Lapa, às nove da manhã de segunda-feira. Cansados dos dias de trabalho no Congresso, os funcionários tinham a expectativa — como aconteceu sempre nos últimos anos — de folgarem no dia seguinte à reunião magna do partido. Aí houve logo desconforto, mas aconteceria pior: na segunda-feira, quando os funcionários chegaram à sede, foram informados de que a reunião era afinal na terça-feira e às dez da manhã. A reunião lá aconteceu, 25 horas depois, mas alguns funcionários ficaram ainda sem saber que funções lhes serão destinadas. A instabilidade é grande até entre os quadros do partido.
Na segunda-feira, Rui Rio teve a primeira audiência com o Presidente da República como líder do PSD, mas não conseguiu escapar às questões sobre a escolha de Elina Fraga, nas declarações aos jornalistas após o encontro. Nesse dia soube-se que a gestão de Elina Fraga à frente da Ordem dos Advogados estava a ser investigada pelo DIAP. Não havia como escapar do tema. Aos jornalistas disse pela primeira vez que Elina Fraga estava disponível para esclarecer tudo, mas que, naturalmente, não tinha discutido o assunto com Marcelo Rebelo de Sousa.
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O veto a Hugo Soares
A terça-feira foi pior para Rui Rio que a segunda-feira, dia em que reuniu em S. Bento com António Costa. É certo que a “nova fase” que decidiu iniciar com o primeiro-ministro pode irritar muita gente no PSD, mas não foi esse o maior problema de Rio. A Comissão Política Nacional reuniu e o presidente do partido não convocou o então ainda líder da bancada parlamentar, Hugo Soares. A presença do líder parlamentar está garantida nos estatutos do partido, mas nem isso demoveu o líder do PSD de o excluir do encontro. Rui Rio justificou a opção horas depois, explicando que considerava Hugo Soares um “líder demissionário” e que, por isso, não fazia sentido ele estar numa reunião onde se debatia o futuro do PSD. Hugo Soares — que à mesma hora da reunião representava o partido numa conferência de líderes no Parlamento — aproveitou para acusar Rui Rio de “desrespeito institucional grave”. Com isto, Rio só gerou ainda mais descontentamento, numa bancada que já não era entusiasta da sua liderança.
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Na reunião da Comissão Política Nacional, Rui Rio fez ainda questão de dizer que era agora possível haver acordos com o PS de António Costa, devido à “relação pessoal” que tem com o primeiro-ministro. Rio sugeriu assim que Passos Coelho era um entrave (“uma parede”) aos consensos entre os dois partidos. Esta ideia não caiu bem junto do partido e, muito menos, da bancada que — mais do que santanista ou anti-Rio — é, acima de tudo, pró-Passos.
Parte dessa reunião foi ainda ocupada por uma longa explicação de Elina Fraga, que esclareceu dúvidas sobre a sua gestão como bastonária da Ordem dos Advogados. A meio da reunião, Rio saiu para falar com os jornalistas, tal como Elina Fraga. Rui Rio não se atrapalhou a responder às perguntas, mas sugeriu estar a ser vítima de ‘campanhas negras’. “Vão aparecer mais histórias”, lamentou, em jeito de vitimização. Uma estratégia que outros líderes partidários já utilizaram no passado.
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Rui Rio andou, na segunda e na terça-feira, a pedir aos jornalistas que fizessem “todas, mas mesmo todas as perguntas à doutora Elina Fraga”, garantindo que a sua vice-presidente não deixaria nenhuma por responder. No entanto, durante a conferência de imprensa na sede do PSD, Elina Fraga esteve 15 minutos a contar a sua versão e quando chegou o momento das questões dos jornalistas só respondeu a quatro e dedicou apenas cinco minutos aos jornalistas. Ou seja: não cumpriu aquilo que Rui Rio tinha prometido.
Rui Rio prometeu “todas, todas, todas” as perguntas. Elina Fraga não cumpriu: só respondeu a quatro
Depois da “quinta-feira negra”, em que Rio percebeu que não tem mão na bancada parlamentar, seguiu-se uma sexta-feira em silêncio. Aguarda-se a reação de Rui Rio a uma semana que esteve longe de ser um “estado de graça”, tanto por culpa própria, como dos seus críticos internos, que também não lhe estão a dar tréguas.