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Ataques com ácido, o outro lado da Índia

Estima-se que todos os anos mais de mil mulheres são vítimas de ataques com ácido. A Índia é um dos países com mais casos e onde agora se chama a atenção para o crime.

A Índia, um país conhecido pela sua cultura, rica e ancestral, esconde uma realidade macabra. Todos os dias, mulheres por todo o país são vítimas de ataques com ácido. A facilidade de acesso aos químicos e a falta de legislação têm contribuído para que, de ano para ano, o número de casos aumente. As razões que motivam os ataques, que se têm tornado na forma preferencial de violência contra mulheres, são, muitas vezes, banais. Milhares de vítimas escondem-se no anonimato, tapando os seus corpos deformados e vivendo em sofrimento.

Desafiando os convencionais padrões de beleza, o fotógrafo Rahul Saharan, em parceria com a Stop Acid Attacks (uma organização que procurar criar uma maior consciencialização para a situação das vítimas destes ataques), fotografou cinco sobreviventes: Rupa, Ritu, Laxmi, Chanchal e Sonal. As fotografias, publicadas inicialmente no Facebook da organização, começaram rapidamente a circular pelas redes sociais, ganhando a atenção dos média. Quando questionado sobre a resposta positiva que tem recebido, Rahul disse ao Observador que “Não, não esperava esta resposta. Queríamos apenas mostrar algumas das roupas desenhadas pela Rupa”. (Rupa, uma das sobreviventes, foi a autora das roupas utilizadas na sessão fotográfica).

Laxmi recebeu o "International Women of Courage Award" (2014) pelo trabalho realizado na luta contra os ataques com ácido © Rahul Saharan

Mas mais do que isso, Rahul pretendia “mudar a perceção de beleza, baseada numa visão tacanha da sociedade”. “Sinto que cada mulher é bonita. Foi assim que as fizemos sentir”, ao mesmo tempo que procurou capturar “a coragem e determinação destas sobreviventes”. As vítimas vivem geralmente isoladas, escondendo os rostos mutilados da sociedade. Neste sentido, esta sessão fotográfica foi uma demonstração de grande coragem e a primeira vez que estas cinco mulheres se atreveram a mostrar as suas caras em público.

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© Rahul Saharan

Rahul tornou-se voluntário na Stop Acid Attacks há dois anos quando, ao ouvir nas notícias o relato destes ataques, se apercebeu que tinha de fazer algo para ajudar estas mulheres. “Sempre que ouvia estas coisas nas notícias sentia que queria fazer alguma coisa para as fazer sentir felizes e usar a minha profissão para as ajudar”, admitiu.

Mas a sessão fotográfica não serviu apenas para desafiar convenções ou alertar consciências. À CNN, Rupa disse que “depois do ataque nunca mais tirei fotografias. Quando as fotografias começaram a circular nos meios de comunicação, as pessoas começaram a telefonar-me para me questionarem sobre elas. Senti-me tão bem. Depois da sessão fotográfica, quis sair e conhecer mais pessoas”.

Rupa sempre sonhou em ser designer de moda. Mas a sua história é semelhante à de muitas outras mulheres por todo o continente asiático. Foi atacada em 2008 por ordem da sua madrasta que, na sequência de uma discussão sobre dinheiro, conspirou com dois homens para lhe atirarem ácido enquanto dormia. Foi apenas três anos depois do ataque que Rupa conseguiu finalmente olhar-se ao espelho. Nos anos que se seguiram, cortou laços com a família, deixou de usar o seu apelido e mudou-se para Nova Deli. Atualmente vive na Chhanv (“abrigo”), um centro de reabilitação para vítimas de ataques com ácido. Desde a publicação das fotografias, Rupa tem recebido várias encomendas. O próximo passo é abrir uma loja.

Rupa desenhou as roupas usadas na sessão fotográfica © Rahul Saharan

 

Um crime sem sentido

Os motivos por detrás de uma prática tão monstruosa são difíceis de compreender. A razão é geralmente trivial, motivada por uma ofensa ao orgulho do criminoso. Desde pequenas discussões do dia-a-dia a dramas amorosos, quase tudo serve. Mas independentemente da causa, o crime é sempre uma maneira de restabelecer a honra e o orgulho supostamente manchados pela vítima.

Aos olhos do fotógrafo Rahul Saharan é impossível compreender as motivações dos criminosos. A razão pode apenas ser compreendida por “mentes retorcidas”, disse ao Observador. “Algumas pessoas são tão doentes que nem conseguem pensar nos outros. Não sei como é que uma pessoa consegue amar alguém de forma a não conseguir lidar com a rejeição, que é um gesto honesto, e arruinar a cara e a vida dessa pessoa”.

"Não sei como é que uma pessoa consegue amar alguém de forma a não conseguir lidar com a rejeição, que é um gesto honesto, e arruinar a cara e a vida dessa pessoa."

Não existem números oficiais mas a percepção é que este tipo de prática está a aumentar. Quase todos os dias surgem novos relatos de ataques realizados em alguma parte do vasto país. Entre janeiro e abril de 2013, uma linha de apoio a mulheres em perigo sediada em Nova Deli recebeu 56 queixas de ataques de ácido e a Acid Survivors Trust, uma organização internacional sem fins lucrativos que estima que, todos os anos, mais de mil mulheres sejam vítimas deste crime. Mas a maioria escolhe sofrer em silêncio e grande parte dos casos permanece sem registo. Por vezes a história tem um final ainda mais trágico: algumas vítimas preferem a morte e acabam por cometer suicídio, como refere a Stop Acid Attacks.

E este não é um problema limitado às fronteiras indianas. A organização Acid Survivors Trust trabalha em parceria com outras seis associações, em países como o Camboja, o Paquistão, o Nepal e o Bangladesh, onde o número de casos levou o governo a aplicar a pena de morte à prática deste crime. Desde a década de 1990 que o Bangladesh tem sido referido como o país com o maior número de ataques com ácido.

© Rahul Saharan

 

A história de Shabana

Shabana Khatun não é uma das raparigas fotografadas por Saharan, mas a sua história é semelhante à de muitas. Ao contrário das modelos de Rahul, Shabana escolhe não mostrar a cara. Sofre escondida por um crime que nunca há-de compreender. Em 2013, Shabana foi vítima de um ataque com ácido, como conta a emissora televisiva Al Jazeera. Tinha 20 anos. Namorava há quatro com um rapaz de Kolkata, a cidade onde vivia, quando este a pediu em casamento. Pouco tempo depois, foi levada a casa dele para ser formalmente apresentada aos seus pais e à restante família. Mas aquela noite de domingo depressa se tornou num pesadelo que Shabana já mais irá esquecer.

Pouco depois de ter chegado a casa da família, Shabana começou a ser insultada. A discussão depressa evoluiu para a violência física. Na sequência destes ataques, foi forçada a beber uma garrafa de ácido. Depois de ter desmaiado, foi despida e o restante ácido foi atirado contra o seu corpo nu. Foi depois abandonada nas urgências de um hospital sob um nome falso. Durante todo o ataque, o namorado de Shabana observou em silêncio.

Os danos internos causados pelo ácido impedem Shabana de ingerir comida sólida, vivendo à base de uma dieta líquida. Enquanto isso, os seus atacantes continuam livres e ela vive com medo. Shabana vive a menos de dois quilómetros de distância dos criminosos e continua a ser vítima de inúmeras ameaças. “Para próxima não escapas com tanta facilidade”, dizem-lhe.

 

Uma nova lei

Os atacantes de Shabana, assim como os de muitas mulheres por toda a Índia, continuam em liberdade e impunes principalmente por não existir uma legislação adequada a este tipo de crimes. Para a Stop Acid Attacks, o aumento número de casos é um reflexo claro da falta de seriedade com que o governo indiano tem tratado o assunto. Em 2013, o Tribunal Supremo Indiano aprovou uma lei para controlo da venda de ácido. Mas a implementação tem sido fraca e os casos continuam a surgir. O principal problema encontra-se na mentalidade da sociedade indiana, ainda muito conservadora.

© Rahul Saharan

Quando questionado sobre a melhor maneira de parar os ataques de ácido, Rahul Saharan respondeu que “uma lei severa é a melhor forma de proteger as mulheres” e que “os casos têm aumentado porque as leis não levam suficientemente a sério este tipo de crime. O criminoso sabe que vai escapar”. Mas a sociedade também é responsável: “uma sociedade sensível nunca deixará este tipo de coisas acontecer. Existem muitas coisas que precisam de ser mudadas”.

"Uma sociedade sensível nunca deixará este tipo de coisas acontecer. Existem muitas coisas que precisam de ser mudadas."
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