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© André Correia

© André Correia

Até quando devem os filhos dormir no quarto dos pais?

A pergunta reflete uma dúvida que persegue muitos pais. Há quem escolha passar o bebé para um quarto próprio com poucos dias ou meses de vida. Ou quem durma com ele, na mesma cama, durante anos.

Ao terceiro dia de vida a pequena Irene estava a dormir num berço e quarto próprios. Não que Joana Gama, a mãe, fosse uma ávida defensora de que as crianças devem dormir longe dos pais o mais cedo possível, mas porque a radialista não sentiu uma ligação emocional com a filha assim que ela veio ao mundo. Já a mãe de Isabel, Joana Paixão Brás, esperou três meses e cinco dias. Sabe a data de cor e salteado porque há pouco tempo pôs-se a recordar o texto que escreveu sobre o dia em que mudou a filha de quarto.

Joana Gama e Joana Paixão Brás são as “Joanas” que gerem o blogue “A mãe é que sabe”, um espaço criado no final de 2014 e onde imperam as mais díspares opiniões maternais — independentemente dos argumentos, no final é mesmo a mãe que sabe. As filhas de ambas têm a mesma idade, 11 meses, e são exemplos de bebés que saíram cedo do conforto da divisão dos progenitores. Uma realidade que nos leva para a seguinte questão: afinal, até que idade devem os filhos dormir no quarto dos pais?

Joana Gama e Joana Paixão Brás

© André Correia

A pergunta colocada reflete uma dúvida real, até porque o sono dos mais novos pode ser assustador, sobretudo para uma mãe de primeira viagem. Cátia Costa, encarregue do site De Mãe para Mãe (que tem cerca de 4 milhões de visualizações por mês), assegura que muitas visitantes perguntam qual a altura mais adequada para o bebé ir para o seu quarto: fazem-no nos fóruns ou em formato consultório, disponibilizado na página, dirigindo questões à médica de serviço (Dra. Marcela Forjaz).

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E são também muitos os pais que se interrogam sobre o assunto junto de Filipa Sommerfeldt Fernandes. Apesar de não ser médica, é especialista em ritmos de sono e trabalha exclusivamente com bebés e crianças. Ao contrário do que se possa pensar, faz terapia para pais e não para filhos. “Não considero que haja uma data limite, mas acho bem que nos primeiros meses de vida o bebé durma no quarto dos pais, até por uma questão de vigilância”, argumenta.

“Seis meses.” Quem o diz é um dos suspeitos do costume, isto é, o pediatra Mário Cordeiro. “Pessoalmente, defendo que as crianças deverão sair do quarto dos pais até aos seis meses; de preferência por volta dos quatro meses, tirando raríssimas exceções”, explica ao Observador o também autor do livro Dormir Tranquilo. Já Rosa Gouveia, membro da direção da Sociedade Portuguesa de Pediatria do Neurodesenvolvimento (da Sociedade Portuguesa de Pediatria), alega que não existem regras fixas, antes uma recomendação: “Depende de muitos fatores; quando um bebé está a ser amamentado é mais prático para a mãe que ele durma no seu quarto. (…) Será até aos seis meses em alguns casos.” A pediatra com 30 anos de serviço explica ainda que “há estudos que dizem que há menos casos morte súbita de bebés que dormem no quarto dos pais”.

"Muitos pais sentem - e como isto não quer dizer que não seja natural, normal e saudável - uma 'orfandade' quando os filhos saem do quarto. É normal porque os pais são, hoje, muito responsáveis, gostam de estar presentes na vida do bebé e tudo passa muito depressa."
Mário Cordeiro, pediatra

Mudar de quarto não é um bicho-de-sete-cabeças, pelo menos para os filhos. Filipa Fernandes explica que para os mais pequenos esta é uma transição pacífica. O mesmo não acontece com os pais: “Se as mães estiverem muito aflitas, mais vale não mudar logo o bebé.” Diz ainda que as crianças, por norma, dormem melhor num quarto a elas destinado, e que durante o sono fazem muitos barulhos que, caso continuem no quarto dos pais, não deixam os progenitores descansar. É também uma questão de (des)conforto: a Filipa Fernandes chegam muitos pais que lhe contam que, tendo os filhos no berço ao lado, tossem debaixo da almofada e têm um cuidado extra ao mexerem-se na cama, tudo em prol do sono tranquilo do bebé.

O pediatra concorda quando diz que a mudança de quarto é encarada pelos mais novos de forma natural e que é aos pais que custa mais: “Muitos pais sentem — e como isto não quer dizer que não seja natural, normal e saudável — uma ‘orfandade’ quando os filhos saem do quarto. É normal porque os pais são, hoje, muito responsáveis, gostam de estar presentes na vida do bebé e tudo passa muito depressa.” Os progenitores masculinos, diz, são os que sofrem menos com a situação.

E dormir na cama dos pais?

De volta às Joanas, Joana Gama conta que, apesar de 70% da decisão de colocar a Irene a dormir no seu próprio quarto tenha tido a ver com a falta de apego, hoje em dia faria tudo diferente. Agora que se diz apaixonada pela filha, afirma que praticaria o co-sleeping nos primeiros dias. “Sinto que não é tão fácil que ela adormeça perto de mim, nunca ganhou esse hábito porque ao terceiro dia foi dormir para o quarto dela”, diz. “Um segundo filho vai dormir na nossa cama até nós conseguirmos dormir. Acho que não existe uma idade certa para tirar os miúdos da nossa cama, acho que existe instinto maternal e paternal”. E se há risco em relação aos pais, como esmagar a criança ao partilhar o mesmo colchão, também há formas de os contornar, argumenta.

Joana Paixão Brás, por seu turno, admite que leva a filha Isabel para a sua cama em condições excecionais, quando está com dificuldade em dormir, embora nunca fique a noite toda. “É falta de hábito nosso. A cama também não é muito grande e temos sempre receio de cair em cima dela e de nos esquecermos que ela está ali. Acho que se o co-sleeping fosse um hábito esses medos desapareciam”, argumenta a blogger, que trabalha na área da comunicação.

Joana Paixão Brás

© André Correia

Por co-sleeping entende-se uma criança que dorme na cama dos pais, esclarece Mário Cordeiro, que se apressa a contrariar a ideia: “Quanto a mim, salvo casos diagnosticados como patológicos em termos de saúde mental por pedopsiquiatras, acho profundamente errado.” E porquê? Numa mesma resposta mete os perigos de asfixia e o aumento da incidência de morte súbita, mas também o facto de não favorecer a autonomia da criança — “Para o bem ou para o mal, ela está ‘cá fora’ desde que nasceu, pelo que tudo o que seja ‘branquear’ essa realidade funciona como um impedimento ao crescimento saudável e tranquilo das crianças.”

Dormir numa cama partilhada pelos pais mais tempo do que o devido — sobretudo a partir dos 18 meses — pode “alimentar a fantasia de que [as crianças] poderão seduzir e conquistar afetivamente o progenitor do sexo oposto e, ao mesmo tempo, invadir o espaço íntimo dos pais, que representa poder e autoridade, numa idade em que pretendem fazer vingar o seu narcisismo e omnipotência”, esclarece Mário Cordeiro. A necessidade de ensinar uma noção de privacidade aos mais novos também entra na equação, até porque, alega o pediatra, qualquer relação tem zonas interditas, íntimas e privadas: “As crianças têm de sentir que no triângulo pai-mãe-filho elas estão no vértice de baixo e que os pais ocupam os dois vértices superiores.”

Maria e José são um exemplo de um casal que tem a intimidade condicionada há mais de dois anos. O único filho de ambos dorme na cama dos pais desde os nove meses, altura em que transitou de um berço num quarto próprio para a cama king size. E é mesmo o rei de um trono onde dorme profundamente, sem acordar a meio da noite, e ao lado dos pais. A mudança deveu-se a um conjunto de fatores: a criança entrou para a creche e passou por um período em que estava frequentemente doente. Por uma questão de comodismo, Maria e José começaram a deixar que o filho fosse dormindo na sua cama. Até hoje. Tem três anos de idade.

O casal procurou solucionar o problema, para que o filho adquirisse mais autonomia e visse com bons olhos o quarto que foi desenhado de raiz para si — e, como benefício, pai e mãe esperam recuperar a intimidade de uma vida em comum. Apesar de estarem a partilhar a cama com o menino, asseguram que lá em casa todos dormem e descansam, embora estejam dispostos a seguir os conselhos de quem sabe. Solucionado o problema, o filho deixará de ser tão inseguro perante a ausência dos pais. E apesar de tanto José como Maria reconhecerem que têm amigos e conhecidos que ficam “admirados” quando descobrem que fazem co-sleeping, o casal foge à regra no que a vergonha alheia diz respeito.

Filipa Fernandes explica: a maior parte dos pais que vão às suas consultas, e que falam em co-sleeping, fazem-no com vergonha, como se fosse uma coisa errada. Fernandes não se diz fundamentalista, mas também não se assume fã do “método”. “Não sou fã porque acho que os pais precisam de ser preservados enquanto pessoas. Depois, aquilo que vejo acontecer e que contraria muitos estudos, é que as crianças que dormem com os pais são mais inseguras, estão sempre à procura da mão do pai ou da mãe porque aprenderam que estar seguro é ter o toque dos pais.”

"Não é exclusivamente por isso [co-sleeping] que os pais se separam, tem que ver com as divergências para lá das saudáveis e normais entre pais, em termos de modelos educativos, e principalmente no abandono da relação conjugal quando um filho nasce"
Mário Cordeiro, pediatra

Mas o que faz com que os pais deixem que as crianças durmam nas suas camas? Pode ser que, como no caso de Maria e José, seja mais conveniente para os progenitores e que, de facto, as crianças durmam melhor aí. Mas há outras situações, tal como descreve Rosa Gouveia da Sociedade de Pediatria do Neurodesenvolvimento: “Conheço muitas situações de miúdos que sigo cujos pais estão ausentes, seja por motivos profissionais ou devido à separação do casal. Aí é muito frequente a criança ir dormir para a cama da mãe, mas não é uma solução muito boa. A criança não substitui o pai, mesmo que a mãe precise desse suporte afetivo.”

Mário Cordeiro conhece muitos casais cuja intimidade foi interrompida pelo simples facto de o filho ou a filha serem o terceiro elemento na sua cama. No entanto, advoga que os casos que acabam em divórcio não derivam apenas desta situação em modo isolado. “Não é exclusivamente por isso que os pais se separam, tem que ver com as divergências para lá das saudáveis e normais entre pais, em termos de modelos educativos, e principalmente no abandono da relação conjugal quando um filho nasce.”

O pediatra admite que, na maioria dos casos, a criança ocupa lugar na cama do casal devido à exaustão dos pais. “Porque terem de acordar ‘n’ vezes durante a noite e ir ao quarto dos filhos, por vezes em noites frias, estar muito tempo ao pé deles, tentar não perder a compostura e não entrar numa espiral de gritos e berros, é muito difícil.” E continua: “Saber que ‘aterram’ na cama dos pais e se calam e adormecem no preciso instante é muito tentador, sobretudo quando o despertador não perdoa e tocará daí a escasso tempo.” Apesar disso, o pediatra deixa o aviso — aberto o precedente, vai ser difícil de explicar quando o cenário não for o mesmo.

Irene e Isabel

© André Correia

Para uma noite bem dormida, no que aos mais novos diz respeito, Rosa Gouveia distribui alguns conselhos:

  • É importante que haja uma rotina antes de ir para a cama;
  • Quando a criança vai para a cama é bom que tenha um objeto de transição, seja um boneco, a chucha, a fralda ou algo com que esta adormeça todas as noites, porque vai dar-lhe segurança e tranquilidade;
  • Se a criança adormecer na sua própria cama, a mãe deve-se ir afastando progressivamente sem lhe tocar (se o fizer, a criança vai precisar sempre desse suporte);
  • Permita à criança fazer escolhas, como decidir o pijama que vai vestir ou a história que vai ouvir. É uma questão de facilitar a autonomia;
  • Se a criança resistir em ir para a cama é preciso negociar com ela. Cada família tem de encontrar as estratégias mais adequadas;
  • É preferível que uma criança adormeça com a chupeta e não a chuchar no dedo, o que pode provocar mal formações do maxilar superior;
  • Há crianças que têm medo do escuro. Nesses casos deve-se deixar uma luz de presença acesa ou então a porta do quarto aberta com a luz do corredor ligada;
  • Há uma diferença entre pesadelos e terrores noturnos: os primeiros assustam muito e a criança tem consciência deles, pelo que se acordar a chorar deve-se conversar com ela e tranquilizá-la; os segundos não são memoráveis e, nestas situações, não se deve acordar os mais novos.

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