Índice
Índice
Assinado por Rui Pedro Antunes, jornalista do Observador, Opus Dei: eles estão no meio de nós é o retrato da organização religiosa católica criada há quase 90 anos e que desde então tem vindo a expandir a sua influência social, política e cultural. É também uma abordagem que incide de forma particular na sociedade portuguesa: onde se manifesta, quem a representa e que efeitos tem.
Neste capítulo que o Observador publica (o livro está à venda desde quinta-feira), o autor aborda as regras relativas aos castigos corporais, às relações com as ideologias políticas e ao papel das mulheres no mundo idealizado pelo Opus Dei.
Chicotadas e cilício para sofrer como Cristo
«Bendita seja a dor. Bendita seja a dor, santificada seja a dor…
Glorificada seja a dor!»
Caminho: 208
“No início, era a dor. João levantou‑se, carregado de culpa, e depois de ter relações sexuais com a namorada, pegou nos seis bagos de milho que trazia num estojo de camurça. Colocou‑os em forma de triângulo e ajoelhou‑se sobre eles a rezar qualquer coisa parecida com uma ave‑maria. A mortificação corporal tem várias formas – algumas mais ou menos violentas.
Ajoelhar‑se sobre o milho não é a prática mais comum. E muito menos depois do sexo, até porque os numerários, as numerárias e os agregados são, obrigatoriamente, celibatários. Relações sexuais, nem pensar. Na obra, o sofrimento e as penitências são incentivados de forma a que os seus membros sofram como Jesus sofreu, sendo o ato entendido como uma dádiva a Deus.
Como é normal no Opus Dei, embora haja liberdade no tipo de mortificação que cada um aplica, há duas formas mais institucionalizadas, e também mais habituais, de os membros se autopenitenciarem: o uso de cilício e a chamada disciplina (chicotadas). Tudo autoflagelação, até porque como está bem explícito em Caminho, a «Bíblia» do Opus Dei:
«Nenhum ideal se torna realidade sem sacrifício.
– Nega‑te a ti mesmo.
– É tão belo ser vítima!»
Sofrer para ser herói
«Serviam». Após saltarem da cama com um piparote, sem ponta de moleza («não sejas mole», aconselhou Escrivá), é em latim – língua morta, mas a favorita da obra – que é dita a primeira palavra do dia dos numerários. Em português e em linguagem do Opus Dei significa: «Servirei!»
Na obra, chama‑se a este ato «minuto heroico», muitas vezes acompanhado por um beijo numa moldura, quando há na mesa de cabeceira uma foto do fundador Josemaría Escrivá de Balaguer.
Segue‑se pelo menos meia‑hora de reza ainda antes do pequeno‑almoço, sendo a Consagração a Nossa Senhora uma oração tipicamente matinal, que começa precisamente com um: «Ó senhora minha, ó minha mãe, eu me ofereço todo a vós, e em prova da minha devoção para convosco vos consagro neste dia os meus olhos, os meus ouvidos, a minha boca, o meu coração…»
E se o pequeno‑almoço também pode ter pequenas mortificações – como beber café sem açúcar ou comer pão sem manteiga –, antes disso ainda pode haver uma outra aproximação a Deus: o «duche frio». «Somos incentivados a tomar o duche de água fria, mesmo que seja no inverno mais rigoroso», conta um dos antigos membros.
Mas a prática (diária) mais violenta é mesmo o uso de cilício na coxa durante duas horas. «Torna‑se tão habitual, que ao fim de uns tempos já nem dói, já nem pensamos, é quase tão normal como lavar os dentes», diz o mesmo numerário. O cilício é uma corrente de metal, uma espécie de arame farpado soft, que se crava na pele e que tem como objetivo criar desconforto. Quando retirado o arame desconcertado, o sangue encarrega‑se de tatuar a perna. A organização defende‑se, dizendo que não é suposto fazer sangue, mas há relatos de que Escrivá de Balaguer se orgulhava de deixar as sanitas ensanguentadas sempre que se sentava nelas. Por norma (e é uma regra escrita), o cilício deve ser utilizado todos os dias, exceto ao domingo.
Mas há outros rituais igualmente violentos. Um deles é a «disciplina», que deve ser aplicada uma vez por semana, e consiste em os membros massacrarem as nádegas com um pequeno chicote de cordas com nós cegos nas pontas. A organização deita água na fervura. O responsável pelo gabinete de comunicação do Opus Dei em Portugal, Pedro Gil, desvaloriza as penitências dizendo que «não são obrigatórias e nada têm a ver com as chicotadas relatadas no livro e no filme de Dan Brown». Não desmente, no entanto, a existência destes rituais, embora garanta que «os membros certamente se riem quando ouvem essas descrições [de que existe muita dor e provoca sangue]».
Um contabilista do Porto, João Pinto – que apitou (termo utilizado para definir o dia em que se aderiu ao Opus Dei) com 22 anos e foi agregado do Opus entre 1976 e 1992 –, aceitou dar a cara para dizer que praticava a mortificação corporal, que diz não ser «uma coisa do outro mundo». Admite, no entanto, que as práticas eram incentivadas.
Um outro ex‑membro, que não se quis identificar, explicou que saiu do Opus Dei por perceber que «o que era praticado dia a dia chocava com os direitos fundamentais da pessoa humana».
No entanto, o antigo numerário considera que «quaisquer chicotadas ou cilícios não eram nada comparados com a violência psicológica a que os membros são sujeitos». E conclui: «Sentíamos que éramos um zero à esquerda com todas as obrigações que tínhamos e com a liberdade que não tínhamos». O mesmo ex‑membro utiliza uma metáfora para explicar como são tratados os membros numerários nos centros: «São como os alimentos no supermercado que são colocados em câmaras com pouco oxigénio para se aguentarem mais.»
Paulo Andrade foi numerário dos 15 aos 33 anos, tendo abandonado a obra em 1993. Desde 2004 tem sido o seu principal crítico, pelo menos dos que não se escondem no anonimato. Diz que não tem mais a acrescentar ao que disse nos últimos anos. Em dezembro de 2007, confessou à revista Sábado como o clima era verdadeiramente controlador e sexista: «Toda a gente vigia toda a gente. Parti uma perna a jogar futebol e era a minha irmã que me levava à fisioterapia. Fizeram‑me uma correção fraterna, porque não era bom um numerário entrar num carro com uma mulher.»
Os chicotes e os cilícios podem ser pedidos aos membros da obra ou comprados, por exemplo, no Convento de Santa Teresa, em Coimbra. A irmã Lúcia praticava este tipo de mortificações, que continuam a ser incentivadas entre as carmelitas coimbrãs. Há membros da obra que ali se dirigem para comprar estes instrumentos de dor que podem também ser adquiridos na internet e custam entre 31 e 101 euros.
A mortificação corporal não se fica, no entanto, pelo cilício e a disciplina. Há pequenas mortificações praticadas no dia a dia, como, por exemplo, beber o café sem açúcar, não comer entre as refeições ou não pôr manteiga no pão. O próprio fundador tem vários escritos a incentivar aquilo que chama pôr «uma cruz em cada prato» e o próprio – quando era vivo – tentava espaçar o tempo em que bebia água ao longo do dia (para sentir sede) e às refeições servia‑se mais do alimento de que menos gostava e menos do que mais gostava. No Caminho que quis impor aos membros, tem naturalmente várias máximas dedicadas à mortificação; numa sobre o pequeno‑almoço, dá mesmo o exemplo da manteiga:
«Oxalá nós vivamos também – tu e eu –
a nossa “tragédia” da manteiga.»
Caminho: 205
O juiz conselheiro jubilado, Messias Bento, atual membro supranumerário, defende que a mortificação corporal «é um ato voluntário que cada um quer oferecer a Deus» e considera que «ninguém se devia impressionar com este tipo de práticas». Embora pareçam atos medievais, o antigo juiz tenta até justificá‑las com práticas da sociedade moderna: «Se ninguém se impressiona que se façam dietas e sacrifícios para que se fique elegante, porque se hão‑de impressionar que se façam coisas similares como ofertas a Deus?»
Messias Bento dá ainda outros exemplos de mortificação que os membros podem oferecer a Deus: «Para um fumador, pode ser não fumar durante a manhã ou não beber vinho a uma das refeições». O antigo juiz ressalva ainda que «as mortificações não são feitas por puro masoquismo, são uma oferta a Deus».
Estas práticas de mortificação estão longe de ser consensuais na Igreja Católica e – mesmo no Opus Dei – nem todos as defendem. O antigo presidente da Assembleia da República João Bosco Mota Amaral confessa que, embora as compreenda, não é adepto deste tipo de práticas: «Sou mais pela alegria. Pela manhã do domingo de Páscoa.»
Proibida a aproximação à geringonça
Participar em eventos públicos como jogos de futebol, peças de teatro ou ir ao cinema é absolutamente proibido para os numerários. Manifestações, nem pensar. Mas há uma exceção em matéria de participação pública: os comícios políticos. «Os membros são autorizados a ir aos comícios para se informarem, mas devem ir apenas àqueles que não vão contra os princípios cristãos: os do PSD ou do CDS», explica um antigo membro que também não se quis identificar. O mesmo ex‑numerário conta que a proibição em assistir a peças de teatro é muitas vezes contornada com «a participação em ensaios gerais, que as companhias fazem na véspera de estrearem a peça». O autor apurou que foram abertas exceções para alguns membros do Opus Dei poderem ir ao cinema ver o filme Encontrarás Dragões, que fabuliza a juventude do fundador Josemaría Escrivá de Balaguer.
Mas há relatos públicos em sentido contrário. Um antigo numerário, Paulo Emiliano, contou em 2007 à revista Sábado que, quando saiu o filme Guerra das Estrelas, pediu ao diretor do centro para ir ver a estreia ao cinema. «Prometo que nunca mais vou ao cinema. Mas desta vez não posso deixar de o fazer. Só desta vez». De nada serviu. Não o deixaram.
O primeiro choque de Paulo com a realidade do Opus Dei, como descreveu à revista, foi quando tinha 17 anos e aderiu à obra. Era a restrição e um modo de vida a ser‑lhe imposto ao de leve, pouco a pouco. Depois de colocar a sua assinatura num papel, logo lhe disseram:
– Agora há certas coisas que não podes fazer, como ir a
espetáculos…
– Então e quando tiver namoradas não as posso levar a
espetáculos? – questionou.
– Namoradas!? Mas tu não vais ter namoradas…
Foi desta forma que o recém‑numerário ficou a saber que passava a ser celibatário.
A lista de afazeres diários é interminável, embora varie de acordo com o estatuto que cada um tem no Opus Dei. Os numerários são os mais sacrificados. Ou dedicam o dia todo à obra ou, quando trabalham, têm de dar todo o salário ao diretor do centro, matando qualquer noção de individualidade.
Independentemente de terem ou não emprego, todos os membros devem ir à missa pelo menos uma vez por dia e ao meio‑dia recitar o Angelus (oração mariana, que tem como uma das frases «E o verbo se fez homem, e habitou entre nós, Avé Maria…»). Têm igualmente de ter pelo menos uma hora diária de oração pessoal e passar 15 minutos por dia a ler escritos relacionados com a vida cristã. A maioria dos membros tem uma moldura com a imagem do fundador em cima da mesa de cabeceira e/ou do atual prelado do Opus: Javier Echevarría.
Há rezas antes e depois de qualquer refeição. Antes: «Abençoai‑nos, senhor, e a estes alimentos que recebemos das vossas mãos, por Cristo Nosso Senhor. Ámen». Depois: «Damo‑vos graças, Deus omnipotente, por todos os vosso benefícios, Vós que viveis e reinais pelos séculos dos séculos. Ámen. Que o senhor nos dê a sua paz, e a vida eterna. Ámen.»
À noite, os numerários devem rezar o rosário de joelhos e com os braços erguidos. Antes de a luz se apagar nos centros é feito um exame de consciência (por volta das dez horas da noite), momento de autorreflexão sobre a obra, a devoção e empenho dado a Deus pelos membros durante o dia.
Antes de adormecer, os membros respondem a algumas destas questões interiormente e fazem depois um ato de contrição: «Meu Deus, porque sois tão bom, tenho muita pena de Vos ter ofendido. Ajudai‑me a não tornar a pecar.» Seguem‑se três ave‑marias pedindo ajuda para viver a santa pureza. Depois, é suposto manter o silêncio até ao pequeno‑almoço do dia seguinte. Além de toda a rotina diária, uma vez por ano também é obrigatória a presença num retiro do Opus que dure pelo menos três dias. A este tipo de obrigações é dado o nome de «plano de vida».
E há mais: todas as semanas os numerários devem ainda confessar‑se a um sacerdote da obra, realizar sessões coletivas de formação (onde farão também um exame de consciência) e ter uma reunião com o diretor do centro, onde contam os seus pensamentos mais íntimos.
Um antigo numerário português contou no site crítico do Opus Dei (Opus Libros) que foi numerário dos 15 aos 33 anos. Durante esse tempo descobriu que era homossexual e que, após um tempo em que guardou para si a orientação sexual, decidiu «falar com os diretores sobre o assunto», optando por uma «sinceridade selvagem». Esse mesmo antigo numerário relata que o «interessante é que o diretor do centro – a quem, suspeito, também apetecesse contemplar as pernas de jogadores de futebol – pedia‑me que lhe contasse detalhadamente as minhas aventuras, chegando a pedir explicações minuciosas do que e como ocorrera a “brincadeira pecaminosa”». Tudo isto «além do que era necessário contar», o que leva o numerário a crer que se tratava apenas de «concupiscência ou curiosidade mórbida do diretor». Este relato demonstra como existiam exageros na intimidade das conversas entre os numerários e os diretores do centro.
E também dava uma gigantesca quantidade de informação sobre cada membro. Um antigo membro do Opus Dei queixa‑se de que as informações dadas em conversas intimistas com os diretores dos centros acabam por circular de baixo para cima. «Primeiro por toda a direção do centro, depois para o diretor regional, que as envia para o líder nacional e, por fim, vão para o Vaticano, onde há uma base de dados pormenorizada sobre cada membro», lamenta. Este género de base de dados é desmentido pelo Opus Dei. O que é certo é que, em Espanha – país onde o Opus Dei tem maior influência – o Supremo Tribunal Espanhol condenou a obra a apagar dos seus ficheiros os dados pessoais de uma antiga numerária, depois de a prelatura se recusar a fazê‑lo.
Quando se sai da obra, é difícil haver um saída limpa.
E, se a vida pode ser difícil para um homem dentro da obra, pior ainda é para uma mulher.
As mulheres numerárias que são auxiliares… de limpeza
«Há que reconhecer que as mulheres têm um dom especial para cuidar da casa. Havia um anúncio da Compal que dizia: “Bom até quando o pai faz a comida.” Porquê? É o reconhecer que há uma sensibilidade especial.»
«Li uma entrevista à Justa Nobre em que ela dizia que pode haver muitos chefs homens que façam comida especial, mas nenhum consegue dar o toque de mãe.»
(José Rafael Espírito Santo, líder do Opus Dei Portugal)
No Opus Dei nem todos os membros são iguais: «uns são mais iguais que outros». A expressão é de um antigo membro, que readapta a frase de George Orwell para demonstrar a forma como as mulheres são «tratadas como adorno, de uma maneira que nos faz regressar à época medieval». A organização, naturalmente, tem outra versão.
Mas vamos aos factos: as mulheres têm funções que os homens não têm. Algumas numerárias – designadas numerárias auxiliares – levam uma vida de domésticas. Lavar a roupa, cozinhar ou limpar a casa fazem parte das atividades das numerárias auxiliares. Por esse trabalho – que os homens não fazem – não recebem qualquer vencimento.
«As mulheres são completamente subalternas, fazem tudo, ao contrário dos numerários, que são autênticos fidalguinhos, a quem as mulheres fazem o almoço, lavam a roupa e às vezes até fazem a cama. Eu próprio usufruí disso», explica um antigo membro.
O vigário regional do Opus Dei reconhece que são as mulheres que têm estas funções nos centros. José Rafael acredita que este é «o papel da mãe» e «há que reconhecer como as mulheres têm um dom especial para saber cuidar da casa, para dar aquele tom familiar». Recusando a ideia de machismo ou de as mulheres serem subalternas, o líder do Opus Dei garante que são as próprias mulheres «a quererem encarregar‑se de certas coisas, porque sabem que fazem melhor».
Aliás, a posição do líder da obra em Portugal relativamente às mulheres é clara: «A maioria das pessoas do Opus Dei são mulheres e a maior parte delas exerce a sua profissão fora de casa. Das que trabalham profissionalmente em tarefas domésticas, só uma pequena parte exerce a sua profissão em instalações da obra. Aí há que reconhecer como as mulheres têm um dom especial para cuidar da casa. Havia um anúncio da Compal que dizia: “Bom até quando o pai faz a comida.” Porquê? Porque é reconhecer que há uma sensibilidade especial», afirma José Rafael Espírito Santo. E acrescenta ainda a este propósito: «Li uma entrevista à Justa Nobre em que ela dizia que pode haver muitos chefs homens que façam comida especial, mas nenhum consegue dar o toque de mãe.»
«Nos centros, todos colaboram. Distribuem‑se tarefas. E como uma família. Todos têm os seus encargos», acrescenta. Se «são os homens que mudam as lâmpadas nos centros?»
«Sim, claro. E não só.» – responde José Rafael Espírito Santo.
As mulheres seguem as mesmas práticas com algumas pequenas diferenças no tipo de mortificação e participam nas estruturas diretivas, através de assessorias regionais (há uma por cada país), mas há relatos de que mesmo esse poder é fictício.
Dormir em cima de tábuas
Maria José Cunha tem 53 anos e há 35 que é numerária auxiliar do Opus Dei. Natural de uma localidade próxima de Vila Nova de Famalicão, aos 18 anos tinha «um namorado e tudo preparado para o casamento», mas após ler o livro Caminho, escrito pelo fundador da obra, decidiu mudar de vida. «O livro mexeu muito comigo, era mesmo o que procurava, e isto enche‑me muito mais o coração do que o que tinha antes»74, conta Maria José.
A numerária auxiliar ocupa o seu quotidiano a fazer tarefas domésticas nos centros do Opus Dei, num ato que descreve como «fazer família». Diz que o seu papel é o de mãe e rejeita a ideia de as mulheres do Opus Dei serem subalternas e discriminadas relativamente aos homens. «Isso já não são coisas do século xxi», dispara. No entanto, admite que nos centros da obra são as mulheres que cozinham, limpam a casa e a roupa.
A obra mudou‑lhe a vida. Chegou a trabalhar numa fábrica de sedas naturais e sonhava ser uma costureira de alta costura. Hoje, além de doméstica do Opus Dei, Maria José dedica o seu tempo a fazer almofadas para genuflexórios (mobiliário onde os crentes se ajoelham durante as cerimónias religiosas), atoalhados para altares e até vestimentas para os padres. Em breve espera começar a bordar numa almofada o brasão do Papa Francisco.
Sobre a mortificação específica das mulheres (como dormir em cima de tábuas), Maria José admite que no centro onde vive «há três numerárias que dormem sobre tábuas». Porém, diz que não é o seu caso e desvaloriza as mortificações: «Sorrir custa mais do que uma hora de cilício». Diz que recebe um ordenado por ser doméstica, mas admite que nos últimos anos nunca foi «ao teatro nem ao cinema». «É a minha forma de viver a pobreza. Como seria se fôssemos todas ao cinema?», questiona. Apesar disso, diz que vê filmes («temos um plasma grande lá no centro») e que o último que se recorda de ter visto foi o Encontrarás Dragões, obra que fala da vida de Josemaría Escrivá de Balaguer e que foi aconselhado no site do Opus Dei. Na leitura, gosta de ler biografias e até fez uso de uma referência da história de vida da Rainha Sofia de Espanha, que disse ter orgulho em ser doméstica. Maria José é celibatária (como todas as numerárias) e não pensa pedir o divórcio à obra, pois garante ser «muito feliz». Sintetiza a condição de numerária auxiliar da seguinte forma: «Sou uma mãe de família.»
A vida das mulheres do Opus Dei é de uma profunda castidade. Não estão autorizadas a ter conversas demoradas com os homens da obra, que apenas contactam quando os vão servir (às refeições) ou quando há um assunto importante em que esse contacto não é contornável. Com os padres, por exemplo, podem falar – muitas vezes para organizar cerimónias religiosas ou procederem à limpeza de locais de culto da Igreja Católica.
Outra das restrições é que as mulheres da obra não podem usar roupas justas. Quanto a calças, só o podem fazer desde 1997 e, mesmo assim, devem ser evitadas. Mostrar os ombros é altamente desaconselhado.
As numerárias vivem uma vida muito parecida com as freiras que fazem votos de castidade, de isolamento e de silêncio. Com a diferença de que podem falar entre si e o isolamento é só parcial (vivem uma vida muito recatada). Já a castidade é absoluta.”