A meteorologia económica do Governo e da oposição não coincide. Pedro Passos Coelho e António Costa — um ex-primeiro-ministro, o outro primeiro-ministro em funções –, têm marcado o discurso político das últimas semanas como se vivessem em universos paralelos. Para o primeiro, vivemos debaixo de uma atmosfera que adivinha tempestade. Para o segundo, o sol brilha apesar das nuvens ameaçadoras. O Observador olhou para os números e falou com economistas: o clima não está assim tão bom, mas também não se espera que venha a ficar assim tão mau. Não há grande sol na eira, mas também não troveja no nabal.
Como Passos explicou o pessimismo
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“Não sou pessimista, os números é que não são bons. E isto não é uma questão de opinião, eu gostava de estar mais otimista para o país, mas acho que é muito negativo quando os governantes fazem de conta que não veem a realidade, isso é um mau sinal para o futuro”.
As críticas de parte a parte não são sequer originais. Desde que foi remetido ao lugar de líder da oposição que Passos é acusado de ser pessimista, mensageiro da desgraça (segundo Marques Mendes), pouco dado a discursos de esperança. E desde que foi promovido ao lugar de primeiro-ministro que Costa é acusado de ser irritantemente otimista — ou melhor, de ter um “otimismo crónico e às vezes ligeiramente irritante”, nas palavras de Marcelo Rebelo de Sousa.
O líder da oposição diz que o país está a crescer metade do que estava há um ano porque a política de reversões do PS está a deitar por terra a trajetória que devia ser de crescimento. O primeiro-ministro prefere gabar-se da taxa de desemprego, que é hoje a mais baixa desde 2011, e acusa o adversário de estar a “anunciar desgraças que não correspondem à realidade”. Mas qual realidade?
Como Costa acusou Passos de ser arauto da desgraça
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“Tinha esperança de que as férias tivessem dado ao doutor Passos Coelho alguma imaginação para não continuar a reservar-se ao papel, que é um papel que não é saudável para o país, de estar sempre a anunciar a desgraça que vem aí na semana a seguir e que felizmente, graças ao grande esforço que tem sido feito em particular pelos nossos empresários e trabalhadores, não tem correspondido a essa realidade”.
Nas últimas semanas, o fogo cruzado intensificou-se. Em particular, desde a divulgação da estimativa rápida do INE sobre as contas nacionais no segundo trimestre de 2016. No Pontal, que definiu a estratégia da direção social-democrata para o arranque de mais um ano político Passos acentuou o discurso. À esquerda, BE e PCP, que em anos anteriores não poupavam comentários sobre o efeito das políticas do Governo na economia, este verão abstiveram-se de comentar os números.
Em estatística, como em política, cada um vê o que quer. Mas em que ficamos? Passos Coelho vê o “diabo” em todo o lado ou é António Costa que pinta um quadro irrealista? Tentámos desconstruir os números e perguntar àqueles que acompanham a evolução dos indicadores económicos o que merece ser visto com um espírito positivo e o que merece preocupação.
Os dados recentes são estes.
Os últimos dados conhecidos dizem respeito ao segundo trimestre de 2016, isto é, vão até junho deste ano. Há um ano, até junho de 2015, a economia estava a crescer 1,5%. No mesmo período deste ano, cresceu apenas 0,8%, registando o ritmo de crescimento homólogo mais baixo desde o final de 2014.
Este ano, a economia não conseguiu crescer mais do que 0,2% por trimestre. Desde que o Produto Interno Bruto (PIB) voltou a animar-se após a recessão do programa de assistência da troika, as taxas de crescimento em cadeia nunca foram muito elevadas, tendo crescido um máximo de 0,5%. O argumento do PS é que a economia começou a abrandar logo na segunda metade de 2015 — durante o Governo de Passos/Portas –, tendo crescido apenas 0,1% entre julho e setembro.
As últimas previsões de crescimento do Governo, inscritas no Orçamento do Estado para 2016 e no Programa de Estabilidade, apontam para um crescimento económico de 1,8% do PIB até ao final do ano. A previsão ainda não foi revista em baixa, mas o ministro das Finanças chegou a admitir numa entrevista poder vir a fazê-lo.
Este mês, o INE divulgou que a taxa de desemprego no segundo trimestre de 2016 foi a mais baixa registada desde o início de 2011: 10,8%. É menos 1,6 pontos percentuais em relação ao primeiro trimestre do ano, e menos 1,1 pontos percentuais em relação ao mesmo período do ano passado.
Quanto ao emprego, os números são outros: não estamos a assistir a um pico de pessoas empregadas. No primeiro trimestre de 2011, o número de pessoas empregadas era de 4,7 milhões. No segundo trimestre deste ano, o número de empregados era de 4,6 milhões. Ou seja, menos 172 mil postos de trabalho. Ainda há muito emprego para recuperar.
Os últimos dados sobre as exportações, divulgados este mês, mostram que a venda de bens para o exterior caiu 2% em junho (comparando com o mesmo mês do ano passado), tratando-se já do quarto mês consecutivo em queda. De acordo com as contas do INE, o défice da balança comercial de bens (saldo entre importações e exportações) agravou-se em junho em mais 68 milhões do que se registava em junho de 2015. Com isto, o défice comercial agravou-se para os 924 milhões de euros.
É “muito pouco provável” que as perspetivas de crescimento económico do Governo para o final do ano sejam cumpridas; o mercado de trabalho tem, de facto, “evidenciado melhorias”; tem havido criação de emprego, mas, em comparação com o ano passado, está em “desaceleração”. O crescimento dos mercados externos também está em desaceleração e o crescimento do consumo privado está a abrandar — refira-se que era suposto ser este o motor da economia para o ministro das Finanças, Mário Centeno. Em suma, deve-se olhar para a segunda metade do ano com “pessimismo moderado”, diz um, e “sem otimismo”, diz outro.
Aurora Teixeira, economista e professora na Faculdade de Economia da Universidade do Porto, defende que, a avaliar pelos dados conhecidos até agora, há mais razões para olhar para a segunda metade do ano com “pessimismo moderado”, do que com otimismo ou com um olhar totalmente derrotista. “É um facto que o mercado de trabalho tem evidenciado algumas melhorias (diminuição da taxa de desemprego e aumento da taxa de emprego), mas existem diversos fatores que tornam muito pouco provável que o ritmo de crescimento acelere”, diz ao Observador, dando como exemplos o “sistemático adiamento no investimento, as perspetivas mais baixas de crescimento na zona euro (assim como a crise em mercados como Angola e Brasil) e as necessidades adicionais de ajustamento orçamental nos próximos dois anos”.
Já Miguel St. Aubyn, economista e professor no Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa, depois de um olhar sobre os dados recentes conclui que as únicas formas de o Governo cumprir as metas orçamentais previstas para este ano é “com uma ajuda do deflator do PIB e do crescimento apenas nominal”. “Para que o crescimento anual venha a ser de 1,8% seria necessário que a economia crescesse de uma forma que me parece muito pouco provável”, diz, afirmando que é por isso que “descarta o otimismo”. Aurora Teixeira arrisca um número: “A manter-se o ritmo de crescimento trimestral observado muito dificilmente o crescimento do PIB atingirá 1%” até final do ano. A meta prevista pelo Governo é de um crescimento de 1,8%, sendo que em junho o Banco de Portugal reviu em baixa para 1,3%.
Há mais emprego, mas não o suficiente para assegurar maior crescimento
Em relação ao aumento do emprego e à diminuição do desemprego, que é o maior trunfo dos socialistas, ambos os economistas que responderam ao Observador se mostram mais cautelosos. O último destaque do INE sobre emprego e desemprego aponta para uma diminuição real do desemprego em cerca de 61 mil indivíduos (em comparação com o ano anterior) e um aumento do emprego em 22 mil indivíduos. “Há, de facto, criação de emprego”, de um trimestre para o outro, diz Miguel St. Aubyn, ressalvando, no entanto, que uma parte da redução do desemprego se explica também pela passagem de pessoas para a população inativa ou para a emigração, e que “em termos homólogos a criação de emprego está em desaceleração”.
Também Aurora Teixeira nota “alguma volatilidade na variação do desemprego”. Mesmo lembrando os aumentos sucessivos da taxa de desemprego desde 2011 e a descida significativa que se verificou no segundo trimestre de 2016, a economista tem dificuldade em afirmar que a descida da taxa de desemprego se esteja a mostrar “sustentável”. Sobre a criação de emprego, que o Governo diz nunca ter sido tão forte desde 2011, a economista confirma um aumento significativo de pessoas empregadas do primeiro para o segundo trimestre de 2016 (na ordem de 2%). No entanto, se compararmos os números do emprego do segundo trimestre deste ano com os do segundo trimestre do ano anterior “a população empregada cresceu apenas 0,5%”. Na análise da economista do Porto, o pico da população empregada em termos homólogos registou-se de 2014 para 2015.
Sobre a convicção do Governo, de que nos próximos meses o crescimento vai acelerar por causa da recuperação ao nível do mercado de trabalho, Miguel St. Aubyn afirma que “faz sentido do ponto de vista qualitativo”, já que “pode haver alguma recuperação”, “mas não de forma a que em termos quantitativos se alcance uma taxa anual próxima dos 2% reais”.
Com investimento em queda, turismo pode compensar exportações
De um lado, Passos Coelho diz que “não há memória de o investimento público ser tão medíocre”, do outro, o Governo diz que “as expectativas de investimento em 2016 são as mais elevadas desde 2007”. Como se explica? “Até podem os dois ter razão, uma vez que o Governo está a referir-se aos dados sobre o investimento empresarial privado, e Passos Coelho ao investimento público”, nota o economista do ISEG. Os dois não são dependentes um do outro, ainda que Passos sublinhe que “o investimento privado está na expectativa de saber qual vai ser o resto da história e vai-se manter expectante, o que é uma má notícia para os portugueses”.
Na leitura de Aurora Teixeira, após uma queda de “cerca de 60% no período de 2011-2015”, o “investimento público desde 2011 tem sido medíocre e não há expectativa de que a tendência seja invertida”. “Deverá continuar condicionado pela necessidade de consolidação orçamental”, diz.
Já quanto ao comportamento das exportações (em queda há quatro meses consecutivos), os dois economistas que falaram com o Observador são unânimes: a maior parte da culpa é da retração dos mercados externos, como o angolano e o brasileiro, bem como do “contínuo baixo crescimento da zona euro, que é o nosso principal mercado”. Miguel St. Aubyn nota que a queda de registada ao nível das exportações diz apenas respeito à exportação de bens, excluindo aqui serviços como o turismo — um dos setores mais usados pelo executivo como um exemplo positivo. “Estes desenvolvimentos podem em parte ser compensados pelo turismo e pela balança de serviços”, defende St. Aubyn.
Aurora Teixeira realça ainda que com a desaceleração das exportações de bens, a par do fraco investimento público, e da desaceleração do consumo privado, a economia perde “um dos seus motores”, o que considera preocupante.
Pedro Passos Coelho foi o primeiro a agarrar os números do INE sobre o crescimento económico para os erguer ao alto e tentar provar que “tinha razão”. Há duas semanas, no comício da festa do Pontal, no Algarve, Passos recordou os belos dias de agosto do ano passado em que tanto ele como Maria Luís Albuquerque, estavam “confiantes”. Falou do menor ritmo de crescimento, do valor baixo do investimento, das diminuição das exportações, não falou no emprego. Tudo para dizer que, um ano depois, muito mudou e a economia está “estagnada”.
Lembro-me bem de como no mês de agosto de 2015 tínhamos boas razões para estar confiantes com o que estava a acontecer”, disse Passos Coelho. “O consumo estava a retomar, o investimento a atingir o ponto mais alto de que tínhamos memória, havia boas notícias do lado das exportações e toda a atividade económica mexia, o desemprego melhorava, o comércio mexia, as exportações mexiam”.
Traçado o cenário negativo, o líder do PSD apontou desde logo o dedo ao silêncio ensurdecedor ora das esquerdas ora do próprio Governo, que não têm comentado os casos menos felizes do executivo (não só os dados económicos, como o caso Galpgate, o IMI, ou a questão dos incêndios). “Quando o Governo falha, não há um membro a explicar ou a dar a cara”, disse, sublinhando do alto da sua experiência de ex-primeiro-ministro que cabia ao ministro da Economia, ao ministro das Finanças ou ao primeiro-ministro dar uma explicação sobre os números.
E Passos arriscou mesmo uma explicação para o silêncio do Governo: “O Governo sabe que, no PSD, há lá um tipo que não se importa de dar as más notícias”, disse, referindo-se ironicamente a si próprio. “O país está a crescer metade agora do que crescia então. Há um ano estávamos a crescer 1,5% em volume do PIB comparado com ano anterior e 0,4% comparado com o trimestre anterior”, afirmou Passos Coelho. E acrescentou: “Não há memória de o investimento público ser tão medíocre”, sendo que “o investimento privado está na expectativa de saber qual o resto da história”.
Mesmo antes do líder do PSD falar, Maria Luís Albuquerque reagiu aos mesmos números do INE: “Até ao ano passado havia aceleração do crescimento económico, estávamos em recuperação crescente, agora a alteração da estratégia económica reverteu essa tendência”. Segundo a ex-ministra das Finanças e vice-presidente do PSD, “o atingir de metas de crescimento, défice e dívida fica posto em causa quando o crescimento económico não corresponde ao que se pretendia”.
Mas se no PSD se vê o copo meio vazio, no Governo olha-se para o copo meio cheio. Reagindo aos números do INE sobre o crescimento económico, o Ministério das Finanças emitiu um comunicado a 12 de agosto onde admitiu a maior lentidão do ritmo de crescimento económico, mas onde garantiu que o crescimento vai voltar a acelerar devido à recuperação do mercado de trabalho, que se começará a sentir nos próximos meses.
As expectativas de investimento em 2016, divulgadas pelo INE, são as mais elevadas desde 2007″, afirmou o ministério das Finanças.
“A economia está a levar mais tempo a acelerar o ritmo de crescimento. Contudo, nos próximos meses, o crescimento económico deverá ser sustentado nos sinais de franca recuperação do mercado de trabalho”, afirmou o ministério das Finanças em comunicado. Segundo o ministério de Mário Centeno, “o desemprego está nos 10,8%, o valor mais baixo desde 2010, e há menos 61 mil desempregados. O emprego também continua a recuperar. Existem agora mais 52 mil empregos assalariados do que há um ano. Desde 2011, nunca houve uma tão forte criação de novos empregos. É um indicador da confiança dos empresários na economia”. O Governo promete um aumento do investimento: “No segundo semestre, o cenário de investimento será reforçado pela implementação completa do Portugal 2020”, reforçaram as Finanças para contrariar a ideia de que não há formação bruta de capital fixo.
Depois foi a vez de António Costa criticar o copo meio vazio de Pedro Passos Coelho, com a frase sobre a “esperança” gorada “de que as férias tivessem dado ao doutor Passos Coelho alguma imaginação para não continuar a reservar-se ao papel” de estar sempre “a anunciar a desgraça”.
Também Ana Catarina Mendes, secretária-geral adjunta do PS, reforçou o tom, sublinhando os valores do desemprego (mais baixos desde antes da troika) e os indicadores positivos de confiança das empresas e dos portugueses. É o mantra dos socialistas: “Primeiro, atingimos o mais baixo desemprego desde 2010”, afirmou a socialista. “De acordo com o INE, as empresas portuguesas vão investir este ano mais do que qualquer outro ano, desde que começou a crise internacional em 2007. Terceiro, todos os indicadores de confiança estão em níveis mais elevados do que no final do ano passado, em especial para os empresários, felizmente temos um ano recorde, no turismo”.
A finalizar a sua intervenção sobre os últimos dados económicos divulgados pelo INE, Ana Catarina Mendes haveria de enfatizar as duas visões opostas sobre a realidade: “Por último, os portugueses têm confiança na recuperação económica, ao contrário de Passos Coelho para quem o futuro é sempre negro e depressivo”. Para a secretária-geral adjunta do PS, “o país está a entrar voltar a um ciclo de crescimento após um longo ciclo de políticas erráticas e de austeridade”. Há sol na eira. Ou será que vai chover no nabal?